Ouvimo-la em “Kalemba (wegue wegue)”, a música com que em 2008 os Buraka Som Sistema furaram na cena internacional. A seguir, deixámos de a ouvir. Isto é, a música continuou a passar nas rádio e a ser tocada nas plataformas (soma 11 milhões de visualizações no Youtube e 12 milhões de plays no Spotify), e na década seguinte o kuduro progressivo dos Buraka encontraria um inédito palco internacional para uma banda portuguesa — mas apenas ouvíamos Pongo gravada naquele momento.

“Não sei se fui eu quem saiu da banda ou se me mandaram embora”, diz, a rir-se, quando lhe perguntamos pela razão de ter saído. Na altura chamava-se Pongolove, em homenagem à cantora congolesa M’Pongo Love. Entretanto deixou cair o “M’” e o “Love” e ficou só Pongo. Quando se juntou à banda, tinha apenas 15 anos. “A ligação com os Buraka foi um pouco prematura”, admite. Cantar não era algo que lhe interessasse particularmente. Preferia dançar. Mas o grupo de que fazia parte enquanto bailarina tinha o hábito de gravar maquetes que eram depois enviadas a André Carvalho, o membro dos Buraka melhor conhecido por Conductor. Um certo dia, depois de ensaios, Pongo aceitou cantar numa das maquetes, desafiada pelo grupo e desconhecendo a que ouvidos chegariam.

“Em 2007, os Buraka ligam-me dizendo que gostaram da música, da voz e que procuravam uma nova vocalista. Marcámos um encontro no estúdio em que me pediram para cantar. Cantei a ‘Wegue Wegue’ e outras”, recorda. A proposta para se juntar à banda foi recebida de braços abertos. “Com 15 anos, o que eu mais queria era poder dançar. Como a música e a dança sempre estiveram comigo, poder dançar e cantar era um dois-em-um irrecusável.”

[“Começa”:]

Pongo parece em paz com o passado, decididamente mais interessada no futuro. “Os Buraka foram importantes para mim em todos os aspetos, negativos e positivos. Tenho o princípio de que é importante saber de onde viemos para saber para onde onde queremos ir. E para mim Buraka é onde comecei. Foram os mentores do princípio do meu caminho na música.”

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Foram dois anos e meio com os Buraka, nas contas da artista, e quase uma década “na luta”. “O resto é resto”, diz. “Cresci com a ingenuidade e a falta de experiência, mas o mais importante foi não desistir e seguir em frente”.

E Pongo seguiu. Em 2015, encontrámo-la durante uma reportagem no Tabernáculo, na Rua de São Paulo, então o novo bar de Hernâni Miguel, figura histórica da noite lisboeta. Perto do fim, Hernâni perguntava se nos lembrávamos da menina que cantava “Wegue Wegue”. Lembrávamo-nos, claro. Pois eis que ela está ali na mesa do canto. “É a Pongo. Está agora a lançar a sua carreira a solo”. Juramos que Hernâni nos deu um CD-R com temas dela, mas não o encontramos em lado algum. Referimos este episódio na conversa com Pongo, por telefone. A resposta: “Lembro-me bem. O Hernâni era o meu manager na altura e não foi coincidência que eu estivesse no bar nesse dia”, diz. Quanto ao CD-R, conteria alguns temas em que estava a trabalhar, algumas partituras, mas seria ainda um work in progress. Uma amostra do que viria a fazer. Como Baia, o primeiro EP, lançado em 2018, e Uwa (pronuncia-se “uá”), de 2020.

[“Bruxo”, na sessão Colors:]

Em agosto deste ano, recebeu uma notificação no Instagram. A Spotify tinha-a marcado numa publicação. Era uma foto de um dos ecrãs gigantes do Times Square, em Nova Iorque, da altura de um prédio. Nele via-se a foto de Pongo e a sugestão da Spotify para acompanhar um dos nomes emergentes da música internacional.

No prelo está já um novo álbum, com data de saída marcada para fevereiro de 2022, e cujo single mais recente — “Começa” — foi lançado esta semana. O álbum, cujo título não revela por enquanto, vai ser editado pela sucursal francesa da Universal Music Group. O produtor é francês, assim como os músicos da sua banda. Das 15 datas da digressão que arrancou a 2 de setembro e se estende até 29 de outubro, 10 têm lugar em França e na Bélgica. Portugal recebe três concertos (além do Iminente, Pongo esteve no Sound Flower, no Cartaxo, e estará no Womex, no Porto, dia 28) e Espanha dois.

Regressa o Iminente, um festival para “todos os sons e todas as visões” a partir do Beato

O que esperar do concerto no Iminente, o festival que decorre de 7 a 10 de outubro em Lisboa? “Muita energia e a esperança de que os dias melhores já chegaram. Será uma viagem sonora um pouco pelo mundo inteiro, com muitas fusões”, diz Engrácia Domingues, que é como Pongo se chama fora dos palcos. A digressão deixou-a feliz por as pessoas continuarem “dispostas a viver e a despender boa energia uns com os outros, e é isso que a música acaba por desenvolver em conjunto.”

[“Uwa”:]

A ligação francesa vem de 2017, quando foi apresentada a Frédéric Doll, produtor musical que procurava artistas para lançar na sua agência, a Capitaine Plouf, que até aí se dedicava à publicidade. Pongo ainda recorda uma atuação no Sumol Summer Fest, em 2018, mas que não teve seguimento. Por isso decidiu recomeçar em França. “Não foi por falta de tentativa em Portugal”, diz. E também não é que seja mais fácil furar fora do que em Portugal, mas como se rodeou de uma equipa francesa, faria sentido que a estratégia delineada desse prioridade ao país dos Daft Punk e Justice.

Sem nunca chegar a emigrar para França, pois continua a viver em Portugal embora toda a sua produção musical seja feita em Paris, Pongo acabou por ser convidada a atuar num palco muito especial — embora só se apercebesse que estava no Palácio do Eliseu depois de atuar. “Foi a propósito da Festa da Música de 2019, que em França é celebrada todos os anos na mesma data”, recorda. No Youtube pululam vídeos dessa noite, mostrando Emmanuel Macron, o presidente de França, a dançar na plateia com um sorriso de orelha a orelha durante o concerto de Pongo. “Fui muito bem recebida pelo presidente Macron e pela primeira dama Brigitte. Foram muito simpáticos e agiram com naturalidade. Estavam interessados em conhecer melhor a cultura angolana e o kuduro”, conta.

2020 ia ser o ano de Pongo. Ao lançamento de Uwa seguiram-se os elogios da imprensa internacional, com artigos no New York Times e no The Guardian destacando a mistura eletrónica, dancehall e melodias pop do kuduro futurista do álbum. Estava agendada uma digressão com 50 datas, incluindo concertos em Angola, mas veio a pandemia e o resto já se sabe: tudo cancelado.

[“Canto”:]

Por isso, de certa forma, a digressão atual é ainda a continuidade dessa, do Uwa, ao mesmo tempo que faz de rampa de lançamento do próximo, que sairá em fevereiro, e cujas músicas tem tocado ao vivo por estes dias. Músicas como Bruxos, um dos singles do novo álbum. São três minutos e um segundo de energia pura pensada para a pista de dança em que Pongo soa zangada como ainda não a tínhamos ouvido.

“É a expressão usada em Angola para nos referirmos a pessoas invejosas, tóxicas, que acabam por querer bloquear as nossas energias”, explica. “Bruxos quer dizer invejosos. De uma forma geral, em África acreditamos que a maioria dos obstáculos que temos na vida nos são impostos pelos bruxos, pessoas de má índole que não nos querem bem. Mas a persistência vence a superstição. A inspiração vem daí, de demonstrar que não há nada que me possa parar.”