Resistiu muito para lá de todos os prognósticos. Lutou enquanto teve forças. A leucemia, porém, foi implacável: o DJ português Magazino, de nome de batismo Luís Costa, morreu esta quinta-feira, em casa, em Lisboa, dois anos após ter sido diagnosticado com este cancro.

A informação foi inicialmente avançada pela Agência Lusa e confirmada posteriormente pelo Observador junto de fonte próxima de Magazino.

Luís Costa nasceu em Setúbal, em 1977, cidade onde aos 17 anos começou a carreira de DJ. Viria a tornar-se depois um dos mais importantes e internacionais disc jockeys portugueses de eletrónica e um dos sócios da editora discográfica e promotora de festas de música de dança Bloop Records.

Em dezembro de 2019, foi diagnosticado com uma leucemia e ao longo últimos dois anos foi partilhando, através das redes sociais Instagram e Facebook, a luta que travou pela vida.

A forma otimista, crente e resistente com que abordava a doença, mesmo quando as contrariedades de saúde se multiplicavam e se agudizavam, acabou por contagiar e comover até quem não se identificava especialmente com a música que tocava, que passava por variantes menos pop da house e do techno.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O grande amigo e radialista Rui Estêvão confirma a imagem pública que se formou sobre Magazino. Em declarações à Rádio Observador, emocionado, disse: “Foi muito bravo. Sempre. Não houve um dia… falei com ele há dois ou três dias. E ele mesmo assim disse-me: não estou bem mas estou na luta. Ele nunca, nunca, nunca parou nem deixou de sorrir. É incrível, é uma grande lição”.

O último texto que Luís Costa publicou nas redes sociais foi difundido há apenas uma semana. Aí revelava ter apanhado uma pneumonia, isto já depois de uma infeção pelo novo coronavírus que o deixou num coma do qual quase miraculosamente recuperou. Escrevia há dias: “Cumprem-se hoje dois anos desde que fui diagnosticado, será motivo para celebrar? Claro que é, neste período aprendi que mesmo as pequenas vitórias são para se celebrarem, sempre! E estar vivo ao fim de dois anos nesta montanha russa… pá, estou muito empenado, sim é verdade, mas estou vivo”.

O ‘segredo’ é conseguir viver feliz com todas as limitações que o meu corpo me vai impondo. Não consigo subir a rua da minha casa sem parar duas vezes por uns minutos? Paro e sento-me à porta das casas, as vizinhas da Madragoa já me conhecem e dão-me água para o caminho (…). Arranja-se sempre maneira de dar a volta. Agora em plena recuperação da quimio apanhei uma pneumonia, quatro antibióticos para ajudar (…)”.

A fotografia que ilustrava a última publicação de Luís Costa, conhecida no panorama artístico como DJ Magazino (@ Instagram)

Antes disso, a 26 de novembro (ou seja, há pouco mais de duas semanas), difundia outra mensagem em que relatava: “Perdi o cabelo, a barba, perdi algumas vezes a noção de onde estava, tive muito distúrbio mental mas no meio de tanta morfina lá me fui aguentando à dor e sobrevivi a mais um ciclo terrível de quimio. Tive alta na quarta-feira. Foram três semanas arrasadoras. O resultado deste ciclo de quimio ficou aquém do que as minhas médicas queriam mas ao menos a doença regrediu um pouco e deu-me mais um balão de oxigénio para as próximas semanas. Basicamente é acreditar que possa aparecer alguma nova terapia, e eu acredito!”

“Vou demorar a recompor-me mas não perdi a esperança, aliás, por muito que possa ser uma ilusão, nunca me tirem a esperança de sobreviver, é isso que me faz não baixar os braços“, explicava ainda.

O amigo Rui Estêvão não tem dúvidas: “Quem era o Luís Costa? É muito fácil: é a melhor pessoa que conheci”. Garante que não o diz “por ser nesta altura”, disse-o “sempre”. E recorda também o Magazino DJ: “Lembro-me de noites em que a casa estava cheia e as pessoas estavam felizes, mas era sempre diferente quando o Magazino entrava. Só visto da cabine é que se percebia isso de forma mais clara: o público mudava. Havia uma aura diferente. Pensei nisso muitas vezes”.

Lembrando que tecnicamente Luís Costa “era muito bom, irrepreensível, misturava muito bem vinil e ouvia muitos, muitos discos — estava sempre em cima do acontecimento”, Estêvão não tem dúvidas: “Devia-se também ao gosto que ele tinha a passar música. Ele amava aquilo”.

Acreditou sempre na recuperação. Há 2 meses, dizia: “Acredito”

Há cerca de dois meses, o DJ português lançava um livro intitulado Ao Vivo. No livro contava toda a sua história de vida e relatava todo o percurso tido como DJ, narrando até episódios pessoais e amorosos e as histórias mais coloridas de uma vida atrás das mesas de mistura, a viajar de país em país. Desvendava até, por exemplo, o que exigia nos contratos: um par novo de meias amarelas, uma garrafa de tequila Patrón e um abraço do promotor à chegada. As receitas da obra revertiam para duas instituições, a Associação de Leucemia e a Heal Me.

Ao Vivo não é um livro sobre a sua doença. Também é, mas não só. Estão lá os relatos diarísticos da evolução da leucemia, do combate à doença, dos dias nos hospitais e no IPO mas também em casa, rodeado de amigos. E estão lá os nomes das enfermeiras e dos médicos que o tratavam, as suas histórias, as suas perspetivas. Mas Ao Vivo é sobretudo um livro sem grandes filtros sobre a vida, a de Luís Costa — da infância às primeiras idas a discotecas, dos amores às traições, da depressão que ultrapassou e dos ataques de ansiedade aos momentos mais felizes, dos primeiros trabalhos como DJ às viagens mais alucinantes, passando por atuações surreais como a que fez em Espanha, certa vez, num esconderijo da ETA, só se apercebendo de onde estava depois de lá chegar.

Por essa altura em que editava o livro, há dois meses, Luís Costa iniciara mais um ciclo de quimioterapia — fez mais de 10 desde que foi diagnosticado com leucemia, que evoluiu de crónica (como costumava dizer: “do péssimo, o menos mau”) para aguda. Os prognósticos clínicos eram muito pouco animadores. Mas “Magaz”, como também era conhecido, continuava a ter esperança que seria capaz de bater todas as probabilidades e derrotar o cancro no sangue. Fizera-o, afinal, durante praticamente dois anos. E talvez por isso, mas também pelo espírito de luta que nunca perdeu, dizia então:

“Hoje [11 de outubro] comecei a fazer quimioterapia, olhei para aquele saco que estava a conta-gotas a entrar no meu corpo e pensei: esta quimio é que me vai salvar, é desta vez; das outras vezes não me salvou e só me tem rebentado o corpo, mas acredito na intenção que se põe nas coisas”.

Magazino: “Não desisto. Hoje olhei para aquele saco e pensei: esta ‘quimio’ é que me vai salvar, é desta vez”

Apesar dos mais de dez ciclos de quimioterapia em apenas dois anos, apesar da Covid-19 que o deixou em coma e da qual os médicos previam que não recuperasse, Luís Costa ainda regressou aos pratos uma última vez. A 16 de outubro, voltou a fazer uma plateia dançar com os seus discos, na primeira festa pós-pandémica da editora e promotora de que era sócio, a Bloop.

A festa decorreu na Piscina Olímpica do Restelo e Magazino estava entre amigos: também atuaram DJ Cruz, parceiro de editora, Rui Vargas, que assinou o prefácio do livro de Magazino (Ao Vivo), e DJ Vibe, outro histórico nacional da música de dança. Nas redes sociais, depois da festa, Luís Costa partilhava a seguinte mensagem:

A piscina inundou de amor. Foi uma catarse geral de celebração à vida. Desta vez só consegui estar na cabine mas quem priva comigo sabe que também sou muito feliz na pista, lá não há segregação social. Foi na pista que fiz os melhores amigos, de operários a engenheiros, de doutores a pintores, de ‘dealers’ a políticos ou de atores de a padres. Estas pistas da bloop são mesmo muito especiais. O arco íris ao fim da tarde foi mágico, não há coincidências malta. Muito obrigado aos meus sócios que não me deixaram mover uma palha e montaram a nossa melhor festa de sempre. Não basta existir, há que viver. Sábado, naquela piscina, vivemos todos muito intensamente.” 

A música era, dizia sem pudores, um dos grandes amores da sua vida. Era feliz como DJ, a ver os outros dançar, mas também dançava: dizia não acreditar “num DJ que não dança”, garantia que sempre fora “um dançarino, na pista ou na cabine” e contava até a preocupação que tinha em escolher as meias certas sempre que ia pôr música — precisava que escorregassem bem, para não atrapalharem os movimentos.

Esta quinta-feira, aos 44 anos, uma leucemia aguda interrompeu-lhe a vida e a dança. Nas redes sociais, amigos e fãs vão partilhando mensagens e fotografias de Magazino, o “DJ que não desistia”. E vão partilhando a música, que permanece e à qual Luís Costa dedicou boa parte da vida.