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“O Homem dos Sonhos”. A ópera que demorou sete anos a ganhar vida na voz de Catarina Molder

Este artigo tem mais de 2 anos

O conto é de Mário de Sá-Carneiro, o libreto de António Chagas Rosa, a interpretação de Catarina Molder, que também produz. Uma oportunidade para ver ópera no São Luiz acontece este fim de semana.

"Foi um processo moroso porque estamos num país onde quase não há produção de ópera, a maioria dos teatros não estão habituados a fazer coprodução, olham para a ópera de forma desconfiada", diz-nos Catarina Molder
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"Foi um processo moroso porque estamos num país onde quase não há produção de ópera, a maioria dos teatros não estão habituados a fazer coprodução, olham para a ópera de forma desconfiada", diz-nos Catarina Molder

"Foi um processo moroso porque estamos num país onde quase não há produção de ópera, a maioria dos teatros não estão habituados a fazer coprodução, olham para a ópera de forma desconfiada", diz-nos Catarina Molder

“Eu não sou como os outros, eu sou feliz”, entoa um homem ao rodopiar pela sala, depois de agarrado e lançado à sua sorte por um ser misterioso. O primeiro é o narrador (Christian Luján, barítono), o segundo é o homem dos sonhos (Catarina Molder, soprano), que dá o nome à ópera que tem música e libreto de António Chagas Rosa a partir de um conto homónimo de Mário de Sá-Carneiro.

Estamos numa sala do Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa. É aqui que se ensaia a produção da Ópera do Castelo para ver no São Luiz a partir desta sexta-feira, 4 de fevereiro, até domingo, dia 6. Não há adereços, a não ser algumas mesas, cadeiras, copos e uma bandeja. “Vamos ter umas telas grandes em cena com imagens modernistas dos anos 20”, explica Miguel Loureiro, o encenador, para contextualizar as caixas de madeira, vazias, que dois figurantes seguram nas mãos e que, para já, são verdadeiras telas em branco onde a imaginação pode pintar qualquer coisa.

Sonho ou realidade, loucura ou sanidade, a condição humana e a constante insatisfação ocupam as sete cenas de “O Homem dos Sonhos” e atormentam o narrador. No centro de tudo está um homem (neste caso uma mulher, o alter-ego de Mário de Sá Carneiro), que atinge a felicidade suprema ao viver tudo o que sonhara.

Para se perceber o caminho até aqui, ao dia da estreia, é preciso recuar sete anos. “Há muito que conheço o trabalho do António Chagas Rosa, sou admiradora da obra e da ópera e há muitos anos que queria produzir uma ópera dele ou fazer uma ópera com ele. Desde o início que me falou de um conto do Mário de Sá-Carneiro. O António teve de fazer alguns cortes, selecionou os sonhos do ‘Homem dos Sonhos’ e chegámos ao número sete”, recorda ao Observador Catarina Molder.

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[um teaser para “O Homem dos Sonhos”:]

“Foi um processo moroso porque estamos num país onde quase não há produção de ópera, a maioria dos teatros não estão habituados a fazer coprodução, olham para a ópera de forma desconfiada. Quisemos muito estrear no centenário de Mário de Sá-Carneiro, em 2016, porque ele foi um revolucionário nos seus contos e nas suas personagens.”

Não aconteceu nessa altura e não aconteceria nos anos seguintes, cortesia da pandemia. No entanto, o limbo que parecia infinito acabou por dar mais tempo a António Chagas Rosa para aperfeiçoar o projeto. “Em 2020 fiz o esboço de canto e piano em seis meses e a instrumentalização em mais seis meses. São 400 páginas A3, tirando aquelas que rasguei e não aproveitei”, diz o compositor.

Na sala, Miguel Loureiro, sempre de papel e lápis na mão, puxa o braço de um figurante, mostrando-lhe exatamente o local onde deve estar colocado. “Vão trocando a bandeja, sem parar”, explica aos dois homens que interpretam empregados de mesa e cuja função é circular pela sala quase ininterruptamente. Estamos num café e também isso influenciou a música criada para “O Homem dos Sonhos”. “Pelo menos da minha parte houve a vontade de convocar uma orquestra de café. Pensei num grupo de instrumentistas que sugerisse uma orquestra de café, até com acordeão, contrabaixo e tuba, um som de café”, conta António Chagas Rosa.

Para já, é apenas um piano de cauda, ao fundo da sala, à esquerda, a comandar as melodias. A uma semana e pouco da estreia, este é o primeiro ensaio com o maestro. Jan Wierzba, nascido na Polónia mas com sotaque do Porto, onde cresceu, está quase sempre de pé. Nas mãos tem um portátil com a pauta. Quando é necessário, vai parando Catarina Molder ou Christian Luján para guiá-los para o tom correto. De vez em quando troca ideias com António Chagas Rosa, sentado numa das cadeiras da plateia, à direita. Quase sempre em silêncio, toma notas. O pé nunca pára de acompanhar o ritmo.

“Maldita vida, vida maldita”, diz o narrador logo no início do ensaio, que corresponde à primeira cena. As dicotomias e a confusão veem-se na sua cara e ouvem-se na voz. De uma porta do lado direito surge uma mulher de cabelos pretos e sorriso enigmático. Encaminha-se devagar, como se pairasse no espaço e se apropriasse a pouco e pouco de todas as atenções.

“Antes de começarmos os ensaios, o Christian perguntava-me: ‘já pensaste muito na tua personagem, o que é que achas que o Miguel nos vai propor?’ É engraçado mas eu não pensei que tinha de ser assim ou assado. Ao estudar as linhas de canto d’’O Homem dos Sonhos’, a música forneceu-me quase tudo sob o ponto de vista cénico”, analisa Catarina Molder, que tem igualmente a pasta de direção artística do espetáculo.

“Arrisquei aqui a minha energia e o meu dinheiro, há muita coisa em jogo. Tive o mecenato da Caixa Cultura, da CGD. Se não, não tinha conseguido montar a ópera, porque dois produtores caíram. Mas, lá está, este homem dos sonhos está a aguentar-se, se calhar quer mesmo nascer”

Para a personagem inspirou-se em filmes, livros e pinturas. “É um papel de soprano mas tem zonas muito graves. A música está repleta de valsas desconjuntadas. Uma pessoa imagina máquinas, bonecos sem corda, grotesco, decadência, desespero. Muitas vezes o homem dos sonhos começa a debitar algo em que acredita e acaba a duvidar, a rastejar, porque já não acredita em nada, aquilo já nem o convence a ele.”

Essa luta constante de emoções sente-se no ensaio e o escalar da tensão só é interrompido porque há constantemente pausas necessárias para fazer acertos. “Vou fazer a cena [deitada] em cima da mesa para te ver”, diz Catarina Molder ao encenador. Ainda há meio minuto caíra no chão, como se estivesse desmaiada, e começara a cantar.

O que se prepara nesta sala tem, para já, três datas em Lisboa. Segue para o Teatro Viriato, em Viseu, e depois para o Teatro Municipal da Guarda, onde “O Homem dos Sonhos” será filmado para mais tarde ser exibido na RTP2. “O espetáculo fica montado e podemos a qualquer altura ter mais datas, mas não deixa de ser ingrato. É um trabalho gigantesco, vemos a pontinha do icebergue e passados três dias desmontamos tudo. É uma perda”, lamenta António Chagas Rosa.

Para assegurar a estreia valeu a teimosia de Catarina Molder. “Sou muito casmurra e perseverante mas às vezes tenho de deixar pousar.No entanto, durante estes sete anos, ele [“O Homem dos Sonhos”] nunca me saiu da cabeça. A partir do momento em que marcamos a data no São Luiz as coisas começaram a acontecer.

Ultrapassadas as barreiras dos apoios e do financiamento, há um perigo, a Covid-19, que continua a pairar até ao minuto em que a cortina sobe.

“Tenho metade da equipa doente, felizmente não são as pessoas de palco, mas somos uma estrutura independente, não temos rede. Estou habituada a ter tantas portas fechadas que eu invento uma janela em cima de mim para não sufocar. Fico de pé até me espezinharem. Até nos mandarem para casa, vamos aguentar”, garante a soprano.

“Arrisquei aqui a minha energia e o meu dinheiro, há muita coisa em jogo. Tive o mecenato da Caixa Cultura, da CGD. Se não, não tinha conseguido montar a ópera, porque dois produtores caíram. Mas, lá está, este homem dos sonhos está a aguentar-se, se calhar quer mesmo nascer.”

“O Homem dos Sonhos” estará em cena na Sala Luís Miguel Cintra do Teatro São Luiz entre 4 e 6 de fevereiro. As sessões acontecem às 20 horas (sexta-feira e sábado) e às 17h30 (no domingo). Os bilhetes custam entre 12€ e 15€. Estão disponíveis nas bilheteiras online ou no local.

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