Quando se chega ao presente de “Station Eleven” — que para nós é o futuro num mundo pós-apocalíptico, devastado por uma pandemia — fica a sensação de que se deu uma volta completa. Há uma mistura de terror, de sentimento apaziguador e de que ainda não vimos tudo sobre mundos pós-apocalípticos. “Station Eleven” é como se “The Walking Dead” se tivesse encontrado com “The Leftovers” e, durante esse encontro, tivesse decidido ser outra coisa qualquer. A referência a “The Leftovers” não é inocente, Patrick Somerville, responsável pela adaptação do romance de Emily St. John Mandel para a televisão, escreveu alguns episódios da série de Damon Lindelof. O que transportou para “Station Eleven” é bem visível. Os dez episódios já estão disponíveis na HBO Max.

A série  é uma adaptação do romance de ficção científica originalmente publicado em 2014, que rapidamente conquistou muitos leitores, lugares nas listas de melhores do ano e prémios, como o Arthur C. Clarke Award. Ficção científica que não se sente como tal – e não é por estarmos ainda a viver de facto com uma pandemia –, talvez porque o que fascina em “Station Eleven” é o modo como se olha para a frente. A adaptação para televisão agarrou bem esse sentimento e surpreendeu muitos críticos quando se estreou no final do ano passado.

Numa conferência via Zoom, Mckenzie Davis, protagonista da série, resume bem o que se passa em “Station Eleven”: “Acho que a pandemia faz-nos entender a história de forma diferente… não é bem anti-inovação, ou seja, não no sentido literal, porque as pessoas têm de encontrar formas de viver. Também não é uma regressão. Vivemos durante duzentos anos numa evolução e inovação constante, com custos ambientais e humanos. Em ‘Station Eleven’ há uma inovação a pequena escala, é preciso adaptar para sobreviver. Inova-se para sobreviver e não para se criar lixo e tudo mais. Mais do que ficção científica, creio que é ficção especulativa.”

[o trailer de “Station Eleven”:]

Eis o que causa deslumbre: a vontade de se encontrar um caminho. Falou-se em “The Walking Dead” no início do texto porque há uma sensação constante de mundo por descobrir, um mundo habitado por pequenas comunidades, separadas. E o mal está frequentemente à espreita. Não há zombies, mas a devastação é semelhante. A pandemia real atrasou a produção da série e a perceção dos atores face ao que estavam a fazer: “A pandemia mudou tudo, tirando os dois primeiros episódios, que já tínhamos filmado. Não foi a história que mudou, mas o contexto em que fizemos a série e como a pensávamos… isso foi fortemente abalado”, conta Himesh Patel, outro dos protagonistas de “Station Eleven”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Patel interpreta Jeevan Chaudhary, uma pessoa numa audiência durante uma peça de teatro em que o ator que interpreta o protagonista morre em palco. Circunstâncias levam a que fique a tomar conta, durante essa noite, de Kirsten Raymonde, uma jovem atriz que fica abandonada nos bastidores do teatro. Nessa mesma noite, uma pandemia escala pelos Estados Unidos e o mundo entra em alvoroço. Num espaço de horas, uma espécie de gripe muda para sempre o mundo como o conhecemos. A série oscilará entre este passado e o presente, onde uma Kirsten (Davis) adulta é uma atriz de teatro que lidera a Traveling Symphony, uma companhia que se desloca naquele mundo pós-pandémico para interpretar peças de Shakespeare para algumas comunidades.

Shakespeare é uma ligação ao mundo que se conhecia. Uma certeza numa altura em que tudo é incerto. Mas também uma âncora para uma certa realidade: nada muda, mesmo quanto tudo muda. Essa é uma das razões que tornam “Station Eleven” tão especial, seja por influência da pandemia do mundo real – ou não –, há algo de estranho e vivo ali, uma espécie de esperança de que no pior dos cenários, conseguiríamos viver com alguma luz. Como Mckenzie Davis diz a dado momento: “Por vezes a série é muito dramática, tudo existe numa situação de vida ou de morte. Mas por outras é muito relaxada.” Relaxada como se nada se passasse, porque a vida tem de continuar.

Os momentos mais tensos são, por isso, os que se passam no passado. Quando o espectador vê o seu mundo e sente que este pode desaparecer muito rapidamente. A normalidade, as nossas vidas, estão prestes a desaparecer. O confronto entre os diferentes tempos da série assustam mais do que os de outros universos pós-apocalípticos, mesmo que o mundo pós-pandémico seja mais ameno do que esses mesmos outros. Ou seja, a proximidade com o real, a sensação de que nem tudo parece assim tão deslocado de uma real possibilidade, colocam o espectador em constante vertigem. Talvez seja como Mckenzie Davis diz: isto não é ficção científica, mas ficção especulativa.