A Câmara Municipal de Lisboa desmentiu que o social-democrata Ângelo Pereira, que tem o pelouro da Proteção Civil na autarquia e é também o líder da distrital do PSD/Lisboa, tenha autorizado a título excecional a realização de uma festa privada na Tapada da Ajuda, na capital portuguesa, durante o período em que esteve ativado o estado de alerta que proibia a realização de eventos nas zonas florestais devido ao elevado risco de incêndio.
A notícia foi avançada pelo semanário Expresso, que detalha que no dia 20 de julho, quando o acesso aos parques florestais portugueses estava proibido devido ao risco de incêndio, o artista João Fernandes (conhecido pelo nome DJ Kamala) enviou um e-mail a Ângelo Pereira com um “pedido de exceção” urgente. O músico pretendia que a autarquia lhe concedesse uma autorização excecional para a sua festa “Deejay Kamala 360”.
No e-mail, o músico argumentava que se tratava de uma festa com cerca de 300 a 400 pessoas, que constituem uma “comunidade” conhecida pela equipa do músico. Aquelas festas são um evento exclusivo, a que só se pode aceder com convite, e cuja localização só é conhecida no próprio dia. O DJ argumentava ainda que o evento ocorria ao fim da tarde e noite, fora do horário de calor, que era proibido fumar na festa e que o cancelamento traria “sérios contratempos e prejuízo“.
Os serviços da autarquia ainda levantaram dúvidas, mas o vereador Ângelo Pereira acabou por aprovar a exceção, passando por cima da junta de freguesia de Alcântara, que em tempos normais seria a responsável pela emissão da licença. O presidente do Instituto Superior de Agronomia (ISA) — que gere os eventos que acontecem na Tapada –, António Brito, disse ao Expresso que exigiu uma autorização escrita da CML. Recebeu-a e, conta igualmente, “bombeiros, polícia e proteção civil estiveram no local” e garantiram que as condições “não traduziam um risco elevado de incêndio”.
No entanto, num esclarecimento enviado às redações esta sexta-feira, a autarquia destaca que o “evento não depende da autorização” da Câmara Municipal de Lisboa, tendo sido solicitado apenas uma “avaliação dos riscos” para a sua realização. “A emissão do parecer para a realização do evento foi precedida de uma visita conjunta entre o Instituto Superior da Agronomia, a organização do evento e dos serviços municipais do espaço.”
Além disso, a Câmara de Lisboa refere que as condições meteorológicas de 20 de julho fizeram com que se determinasse a “não existência de risco elevado de incêndio rural”. “Com efeito, a previsão das temperaturas não se encontrava dentro do parâmetro de emissão de aviso amarelo para tempo quente.”
A polícia e os bombeiros estiveram presentes no evento, sendo que, à “semelhança de exceções concedidas para realização de outros eventos, como casamentos, batizados e restauração, também este evento cumpriu todos os requisitos de segurança”.
Na notícia avançado pelo Expresso era explicado que a exceção atribuída àquela festa do DJ Kamala contrastava com os múltiplos cancelamentos, incluindo de festas de casamento, impostos à última hora pela Câmara de Lisboa a eventos que deveriam decorrer em parques florestais da cidade, incluindo a Tapada da Ajuda. Além disso, ainda de acordo com o semanário, dentro daquele complexo florestal não pôde acontecer mais nada no período do estado de alerta: nem sequer os treinos da equipa de râguebi Agronomia, que ali tem o seu campo.
Recorde-se igualmente que outros eventos que procuraram exceções durante o período de proibição não tiveram sucesso. O exemplo mais claro é o do festival Super Bock Super Rock, que teve de ser transferido à última hora para o Altice Arena, em Lisboa, e não pôde ter lugar na praia do Meco, em Sesimbra.
PS, BE, PCP e Livre exigem esclarecimentos de Moedas sobre festa
Em reação, os vereadores socialistas da CML desafiam o presidente da autarquia a ser rápido a esclarecer a polémica. Parece-nos grave o vereador Ângelo Pereira ter autorizado a realização de um evento, num quadro legal especial que o proibia, criando ‘uma exceção à regra’ ao estado de alerta que vigorava em todo o país, no âmbito do risco de incêndio florestal”, lê-se numa nota dos vereadores do PS na Câmara de Lisboa enviada à Lusa.
Os vereadores do PS recordam que o estado de alerta proibia o “acesso, circulação e permanência no interior dos espaços florestais, previamente definidos nos planos municipais de defesa da floresta contra incêndios” — como é o caso da Tapada da Ajuda — e “em lado algum autoriza vereadores a ditarem exceções ao seu cumprimento”. Assim, concluem, “parece que o vereador Ângelo Pereira não tinha poder legal para conceder a autorização, extravasando as suas competências”.
Os vereadores socialistas salientam ainda a “sensação de estranheza” que causa “a forma expedita” como a autorização foi concebida, “desconsiderando todos os elementos que os serviços municipais consideraram imprescindíveis para a realização de um evento com aquelas características, como a licença de recinto improvisado, e que o vereador Ângelo Pereira “parece não ter querido solicitar”. “Também nos parece grave o menosprezo para com as freguesias que não foram chamadas a pronunciar-se, nem a emitir parecer”, acrescentam os autarcas do PS.
Também a vereadora do BE, Beatriz Gomes Dias, e os dois eleitos do PCP na Câmara de Lisboa, João Ferreira e Ana Jara, exigiriam esta sexta-feira, através de requerimentos, esclarecimentos por parte de Carlos Moedas sobre a autorização ao “pedido de exceção” do promotor da festa, inclusive se tinha conhecimento da decisão do vereador Ângelo Pereira.
O BE considera “muito grave” a autorização dada pelo vereador Ângelo Pereira, “em tempo recorde”, para a realização de uma festa no Parque Florestal de Monsanto durante a situação de alerta de incêndios, considerando que tal “é chocante” por ter acontecido “com o país a braços com violentos incêndios florestais” e por a câmara municipal ter “posto em risco” este espaço florestal, ignorando o despacho decretado pelo Governo.
Para o Bloco, o vereador da Proteção Civil “não cumpriu com o necessário dever de responsabilidade as suas competências”, por isso é preciso “saber se Carlos Moedas considera que o vereador mantém condições para se manter no executivo”.
Os vereadores do PCP defendem que “é necessário que seja clarificada a razão que justificou, perante uma situação de alerta, a realização deste evento”, uma vez que uma das restrições previstas era a “proibição do acesso, circulação e permanência no interior dos espaços florestais, previamente definidos nos planos municipais de defesa da floresta contra incêndios”, em que se inclui nesta definição a Tapada da Ajuda.
“Importa esclarecer em que termos foi feita esta autorização, ainda mais quando a própria CML, dias antes, tinha tomado a iniciativa de condicionar o acesso ao Parque Florestal do Monsanto e cancelando vários eventos públicos ou privados na totalidade dos espaços florestais, onde se incluía a Tapada da Ajuda”, refere a vereação do PCP, em comunicado, pedindo informação sobre quantos eventos foram cancelados e autorizados durante o período em que vigoraram os despacho de declaração de situação de contingência e, depois, de situação de alerta no âmbito do risco de incêndios.
Também o Livre “pretende o esclarecimento da situação de forma transparente e aberta pelo executivo com pelouros, nomeadamente quais as razões para esta autorização excecional e qual o sentido dos pareceres emitidos, bem como as razões pelas quais a Junta de Freguesia da Ajuda não foi envolvida no processo de autorização”.
Notícia atualizada às 18h10 de dia 5 de agosto