No total, este era já o 230.º jogo entre ambos. Com mais vitórias para o Real, com momentos altos para o Atlético, com uma rivalidade que foi sempre grande mesmo nas piores fases de cada um dos conjuntos. O dérbi de Madrid é mais do que um jogo. Envolve egos, orgulhos próprios, o constante e inevitável desafio com o passado para ser recordado depois no futuro. Cada um desses jogos que são mais do que jogos têm pequenas histórias que fazem a história dos dérbis. Neste caso, a história foi aquela que não devia ser.

Tudo começou na última sexta-feira, com Pedro Bravo, presidente da Associação Espanhola de Agentes, a dizer no programa El Chiringuito que Vinícius Júnior “devia deixar de fazer de macaco” na altura de celebrar os golos. As reações, como não poderia deixar de ser, caíram catadupa. De Neymar, ex-avançado brasileiro do Barcelona, a Raphinha, atual avançado do Barcelona, passando pelo mítico Pelé, todos se colocaram ao lado do jovem jogador do Real Madrid, a começar pelo próprio clube. “É um jogador que entende o futebol como uma atitude perante a vida a partir da alegria, respeito e desportivismo. O futebol, o desporto mais global que existe, deve ser um exemplo de valores e convivência. O nosso clube já deu instruções aos seus serviços jurídicos para empreender ações legais contra quem tenha expressões racistas em relação aos nossos jogadores”, anunciaram os merengues em comunicado nesse mesmo dia.

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Na última semana, no seguimento do triunfo do Real frente ao Maiorca, a Cadena Ser avançava com uma informação de bastidores a propósito do avançado brasileiro. De acordo com a rádio, alguns jogadores da equipa contrária tinham falado com atletas merengues para que pudessem fazer ver a Vinícius Júnior que teria de andar menos em provocações e despiques desnecessários nos jogos. Mais: já antes alguns dos pesos pesados do balneário do conjunto de Madrid tinham chamado a atenção para isso. No entanto, tudo o que se passou nos últimos dias pisou e muito uma linha vermelha que voltou a ser ultrapassada pelos adeptos do Atl. Madrid antes do dérbi, com os cânticos “Vinícius, eres un mono (Vinícius, és um macaco”). E todos os momentos de festejo do Real pareceram quase uma resposta de revolta à novela.

O Atl. Madrid até pode ter começado melhor, até pode ter andado mais vezes no meio-campo contrário e até pode ter conseguido criar mais vezes a ideia de que poderia chegar com perigo à baliza. Na hora da verdade, foi só Real, Real e Real. E os merengues saíram do Wanda Metropolitano não só na liderança da Liga com 100% de vitórias mas com a demonstração de que estão acima de tudo o que não seja futebol.

Os colchoneros começaram melhor entre duas picardias a incendiar os ânimos logo a abrir, primeiro por uma falta sobre João Félix e depois sobre uma dividida que acabou com Koke e Valverde embrulhados. Era quase como se o ambiente a ferver das bancadas tivesse chegado em parte ao relvado até passar essa parte sem futebol e chegarem as primeiras ameaças, todas na baliza de Courtois. Com Felipe a cabecear após um livre de Rodrigo de Paul por cima, com Yannick Carrasco a rematar às malhas laterais ainda com a bola a sofrer um desvio, com Kondogbia a jogar no Euromilhões com um remate de meia distância que entrando era candidato a um dos melhores golos dos dérbis. O Real, de forma tranquila, ia percebendo o jogo.

Na primeira saída conseguida, os merengues inauguraram o marcador: Valverde arrancou que nem uma locomotiva pelo meio ganhando vantagem sobre Kondogbia, Tchouaméni fez uma assistência soberba em chapéu e Rodrygo, a fazer a vez de Benzema, rematou sem hipóteses para Oblak (18′). Mais uma moedinha, mais uma voltinha no mesmo carrossel que desenhou a história deste dérbi: Courtois tirou o empate a Griezmann com uma grande defesa para canto (25′), o Real aumentou a vantagem com Vinícius a receber um grande passe de Rodrygo, a progredir em velocidade até rematar ao poste e, na recarga, Fede Valverde a empurrar para a baliza do desamparado guarda-redes da casa (36′). Jogo arrumado ao intervalo?

Resposta rápida: sim. Houve mais algumas notas de registo no segundo tempo, até fora de campo como a saída de João Félix direto para os balneários antes de regressar ao banco com um saco de gelo na coxa. Contudo, a principal ideia continuou a ser a mesma, com o Real a controlar por completo uma forma de jogar do Atl. Madrid que às vezes nem os próprios jogadores parecem perceber e a olhar de quando em vez para saídas rápidas em busca de mais golos sendo que acabaram ainda por ser os visitados a reduzir a desvantagem quase sem querer com a bola a desviar em Hermoso depois de uma saída sem sentido de Courtois na baliza (83′). Os merengues tinham a vitória no bolso e Vinícius Júnior era o centro da festa depois de uma das semanas mais difíceis de passar desde que chegou a Espanha.