A falta de pessoal no Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), em Lisboa, e consequente falta de transmissão de conhecimentos acumulados é uma das principais preocupações do diretor da instituição, que receia um retrocesso de mais de um século.
A afirmação foi feita esta quarta-feira por Joaquim Caetano durante uma audição na Comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto, a pedido do grupo parlamentar do PSD, a propósito de declarações que proferiu sobre a situação com que se confrontam as instituições museológicas em Portugal.
O “problema-base” é o da “transmissão de conhecimentos. Por enquanto ainda há uma geração com 20, 30 anos de trabalho nos museus, que está a seis, sete anos da reforma, mas o protelamento desta resolução vai tornar dentro em breve a situação irresolúvel, ou seja, se nada se fizer nos próximos anos, é preciso quase uma refundação do museu em que começamos de novo e voltamos, não é ao século passado, é um bocadinho mais atrás”, afirmou.
Segundo o responsável, faltam técnicos superiores, as coleções “são gigantescas”, e a quebra de conhecimento que passa pela interrupção geracional, pela não entrada já há muito tempo para o museu, impossibilita para o futuro o conhecimento das coleções.
Este é o problema que o diretor do MNAA considera mais preocupante para o futuro, no âmbito de um problema maior e mais abrangente que é o da falta de recursos humanos, no geral.
Quando Joaquim Caetano entrou para o MNAA, em 1991, a secretaria tinha sete pessoas, ao passo que atualmente tem três, um das quais já pediu para sair, enquanto ao nível dos técnicos superiores, era normal, na altura, cada coleção ter dois responsáveis, e agora a situação reverteu-se e cada responsável tem a cargo duas ou três coleções, frisou.
A falta de vigilantes é outro dos problemas que se põem no “imediato”, salientou, apontando que o museu tem 84 salas abertas, mais oito ou nove de exposições temporárias, e apenas “20 funcionários para estas salas”, com recurso a serviços externos para as temporárias.
O responsável salientou ainda que destes 20 funcionários, que não estão todos simultaneamente em atividade diária, cinco estão ligados a setores como lojas, bilheteiras e coordenação.
Assinalando que edifícios com a dimensão do MNAA (cinco mil metros quadrados de área coberta) “necessitam de um quadro de intervenção permanente”, Joaquim Caetano lembrou que a lei dos museus, com o quadro de pessoal dos anos 1980, incluiu primeiro 50 técnicos para manutenção, que na revisão da lei passou para 35, e neste momento se resume a um, “à beira da reforma”, pelo que “não há capacidade interior de fazer a mínima reparação”.
Ainda sobre a necessidade de obras, e interpelado pelo PSD sobre declarações que prestou ao jornal Público, em que afirmou que os museus representavam um “enorme falhanço” no quadro das “enormes melhorias que a democracia portuguesa conseguiu no setor cultural”, Joaquim Caetano exemplificou com a situação de degradação da fachada norte do MNAA.
“Em 1970, até meados da década de 1980, no tempo do IPPC [Instituto Português do Património Cultural], o MNAA tinha mil contos por ano para reparações. Deixámos de ter e tudo isso passou para as verbas centrais. É óbvio que se o museu continuasse a ter um fundo próprio para reparações, a situação de uma fachada nunca chegaria ao ponto em que está”.
Atualmente, estão previstas obras de reparação naquela fachada do edifício (a fachada sul foi recuperada em 2016) no segundo semestre de 2023, no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).
Questionado pelo Chega sobre se as obras já feitas foram “remendos”, Joaquim Caetano respondeu que foram “estruturais e, tal como as previstas no PRR, são obras para solucionar problemas já diagnosticados há muito tempo”.
É o “caso das vitrinas e remodelação do segundo piso”, exemplificou, apontando tratar-se de “um piso com uma estrutura criada para uma exposição temporária em 1983, com equipamentos que deveriam durar seis meses e estão a durar há 40 anos, com tudo o que isso acarreta de degradação física, que torna a experiência difícil para o visitante”.
“O PRR, o que vai fazer, espero, nos próximos dois anos e meio, é fazer as obras de manutenção de transformação diagnosticadas há algum tempo e que deveriam ter sido feitas ao longo destes últimos 30 anos, pelo menos”, acrescentou.
Joaquim Caetano falou também na dificuldade de conseguir mecenatos, assinalando que o MNAA tem neste momento quatro mecenas estratégicos, lembrando que trabalha em colaboração com o Grupo dos Amigos do museu.
O responsável explicou que se juntou àquela instituição de utilidade pública para gerir os fundos mecenáticos.
Por um lado, porque “o museu não tem NIF, que a anterior ministra apresentou como facto consumado que teríamos em janeiro de 2019, já lá vão uns anos, e depois porque a entrada em mecenato faz-se com receitas próprias, que entram para o bolo geral e são sujeitas às cativações. Como calcula, nenhum mecenas está na disposição de dar 200 mil euros para uma exposição e vir a saber que só 150 deles é que foram usados para esse fim”.
A necessidade de expansão do MNAA foi outro aspeto apontado pelo diretor do museu, que lembrou que esta necessidade já tinha sido “posta como inadiável em 1955” e “reafirmada em 1962”, porque “já na altura o museu não estava em condições para expor convenientemente as suas coleções”.
Por isso, considerou que a “expansão para a Avenida 24 de Julho é absolutamente essencial”, para fazer face a carências impossíveis de colmatar atualmente, como a escassez de espaço para albergar obras da sua coleção, e exemplificou com um quadro de Domingos Sequeira que se encontra na Assembleia da República.
A expansão tem a ver não só com o avanço do museu, mas também com aquilo que é o espaço urbano de Lisboa, a grande linha turística entre a Baixa e Belém, afirmou, defendendo que o MNAA podia ser um grande polo, virado para uma zona com espaço para os autocarros turísticos, que não têm possibilidade de estacionar nas Janelas Verdes.
“O que se trata em relação ao MNAA, que vai fazer 140 anos em 2024, que tem potencial de relacionamento, pela sua história, com museus internacionais, a que nos esforçamos por dar resposta, mas que é cada vez mais difícil, vai ser não o que o diretor do MNAA quiser apenas, nem o que os seus técnicos quiserem, mas o que o país quiser, porque há um nível de investimento para resolver os problemas estruturais que tem de ser pensado e executado”, considerou.