Enviado especial do Observador em Doha, no Qatar

A forma como Sardar Azmoun agarrava a cara de Carlos Queiroz na zona do banco em lágrimas dizia muito sobre o que se passou esta tarde no Estádio Ahmed bin Ali, onde o Irão conseguiu uma dramática vitória com o País de Gales marcando dois golos no final dos descontos para deixar em completo delírio os milhares de adeptos que nunca recusaram o apoio à equipa ao longo dos 90 minutos. Em termos de Mundiais, a equipa asiática garantiu apenas o terceiro triunfo em fases finais depois de EUA (2-1, 1998) e Marrocos (1-0, 2018). No plano global, e mesmo contando com os títulos continentais ganhos, foi uma das vitórias mais relevantes de sempre da história do futebol do país. E isso foi possível perceber em vários pormenores, da forma como todos os suplentes invadiram o campo para celebrar os golos até à festa no final, com uma volta olímpica pelo relvado também muito marcada pelos aplausos dos adeptos vencidos galeses.

Um balázio de Chesmi escreveu a teoria do It’s not politics, stupid (a crónica do País de Gales-Irão)

Pelo meio, de forma quase inevitável, Carlos Queiroz tornou-se também uma das figuras entre os festejos, sendo abraçado por vários jogadores que estavam no banco antes de receber também o afeto de todos os que estavam no relvado. A seguir, quase como se a equipa tivesse conquistado um qualquer título, o treinador português foi atirado ao ar por todos os seus jogadores numa roda, naquela que foi mais uma manifestação da união que se vive no balneário e que serviu de tópico de conversa com o Observador na zona mista já depois de ter ido à conferência de imprensa (Taremi e os restantes extra flash não falaram).

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“Estamos muito satisfeitos e agradecidos aos adeptos de Gales e aos adeptos do Irão porque quando nós entrámos no estádio os adeptos de Gales começaram a festa e os nossos participaram na festa. Foi um grande jogo de futebol, graças a Deus caiu para o nosso lado. Estamos muito felizes, parabéns aos nossos jogadores”, começou por referir numa alusão ao resultado que colocou o Irão em lugar de apuramento.

“Estou com estes jogadores há dez anos, alguns dez anos. Às vezes têm de levar umas palmadas, outras têm de levar uns beijinhos e acho que foi uma maneira boa de manifestarem no fundo o momento difícil para eles e voltarem depois de um jogo difícil há quatro dias com uma exibição dessas. Se continuam a desafiar o impossível? Sim, acho mesmo que sim. Principalmente tiveram um gesto para voltarem à simplicidade que estava sempre a pedir. Era isso que pedia, concentrem-se no jogo, concentrem-se no futebol porque vai ser uma prenda enorme para os vossos adeptos”, referiu o treinador de 69 anos.

“Estamos muito felizes e muito orgulhosos daquilo que aconteceu hoje. Claro que nunca é fácil recuperar de um momento complicado como o que tivemos [n.d.r goleada frente à Inglaterra] mas conseguimos fazer com grandeza. Os jogadores mostraram que podem ser fantásticos, que têm uma mente muito forte. Voltámos às nossas raízes, jogámos com o mesmo carácter que sempre tivemos e também com a mesma mentalidade para ganhar. Eles sentiram-se livres para se expressarem. Mas o mais importante foi que quando começou o jogo, e também ontem, eles sabiam que estavam a sangrar, com o orgulho ferido. Eles são jogadores, eles sentiram. Era a oportunidade para curar essas feridas, frisou sobre o jogo com Inglaterra.

“Para nós e para os jogadores, é uma prenda para todos os nossos adeptos. Nós fazemos parte de toda uma indústria de entretenimento, o nosso trabalho é produzir alegria, divertimento, orgulho às pessoas. Nós não somos indiferentes a nada do que acontece no mundo mas nós, como os médicos, os engenheiros, os pilotos, precisamos de fazer o nosso trabalho dentro desta indústria do entretenimento para que as pessoas tenham essa alegria, esse divertimento, esse orgulho. É para isso que nós jogamos futebol. Jogo com os EUA? O próximo jogo na minha vida sempre foi o mais difícil, sempre…”, completou Queiroz.

No entanto, este foi mais um encontro onde a parte política não passou ao lado do jogo, longe disso. Mais: ao contrário do que tinha acontecido com a Inglaterra no Estádio Internacional Khalifa, alguns grupos pró-regime foram entoando cânticos contra pessoas que iam manifestado apoio aos protestos no país, ainda mais quando isso era feito a uma cadeia televisiva. Cá fora houve tensão, no interior do recinto isso passou para o âmbito da repressão. E a grande imagem da partida a esse nível mais político, com uma mulher pintada a sangrar dos olhos com a camisola 22 de Mahsa Amini (jovem que morreu três dias depois de ser detida por trajes impróprios ao exibir parte do cabelo), acabou por ser retirada do lugar pelas autoridades, o mesmo acontecendo com quem tinha qualquer alusão ao “Woman, life, free” [Mulher, vida, liberdade].

Também durante o hino nem tudo foi igual ao que tinha acontecido com a Inglaterra, com os jogadores a cantarem agora o mesmo depois do silêncio do primeiro encontro (algo que aconteceu, de acordo com o The Guardian, pelo medo de possíveis represálias à equipa) e a ouvirem-se mais assobios vindos das bancadas por parte dos protestantes contra o atual regime. Em paralelo, e além de mais algumas imagens de lágrimas de emoções que chegaram das bancadas, houve cartazes mostrados a pedir a revolução.