Seis meses depois da morte de Jéssica — uma menina de três anos que foi agredida quando se encontrava a cargo de uma mulher em Setúbal e acabou por morrer — a Polícia Judiciária acredita que o móbil do crime foi, afinal, uma dívida por tráfico de droga. As novas suspeitas levaram a Polícia a fazer mais duas detenções no caso: a própria mãe da menina, que nada terá feito para evitar a sua morte, e o filho da mulher que tinha Jéssica à sua guarda, que além de ser também suspeito do homicídio, é também indiciado por tráfico de droga.
Com estas detenções são agora cinco os detidos suspeitos da morte da menina. Além dos dois suspeitos agora detidos, já estavam em prisão preventiva a mulher de 52 anos, o marido de 58 e a filha de 27, que estariam em casa com Jéssica quando ela foi agredida. Foram-lhes imputados crimes de homicídio qualificado, rapto, extorsão e ofensas à integridade física. O filho, de 28 anos, agora detido vivia no mesmo edifício da restante família, mas noutra casa, apurou o Observador junto de fonte policial.
Quando Jéssica morreu no Hospital de São Bernardo, em Setúbal, devido aos maus tratos a que foi sujeita, a Polícia Judiciária ouviu logo a mãe da criança, que já tinha sido sinalizada pela Comissão de Proteção de Crianças em 2019. Na altura a mulher alegou que na origem do crime poderia estar uma dívida de 400 euros que teria para com a família. Na sua versão da história, a mulher tê-la-ia convencido a levar a menina lá para casa, para brincar com a neta, e depois conversariam sobre a dívida. No entanto a menina acabou por ficar lá durante cinco dias e quando regressou a casa tinha no corpo evidentes marcas de maus tratos, às quais acabou por não resistir. A mãe de Jéssica contou também que a dívida seria relativa aos serviços de vidente que a mulher lhe prestava.
Na altura a Polícia Judiciária considerou que a mãe da menina teria sido “ardilosamente enganada” e levada a entregar a filha enquanto conversava com a mulher sobre uma dívida de 400 euros que tinha de lhe pagar, não tendo depois conseguido recuperar a menina antes de esta ter sofrido os maus tratos fatais. Mas esta versão não convenceu a Polícia Judiciária, que continuou atenta às provas recolhidas no caso.
Agora, com novos resultados chegados às mãos da PJ das perícias médico legais, os investigadores concluíram que a mãe da menina nada fez para impedir a morte da criança e as autoridades judiciais acabaram por emitir um mandado de detenção. Fonte da PJ disse ao Observador que os novos passos na investigação permitiram também descobrir a verdadeira razão da dívida que a mãe de Jéssica tinha para com aquela família: droga. O que demonstra que, além de a mãe não ter contado tudo à Polícia, contribuiu para a morte da filha.
A detenção dos dois suspeitos foi confirmada pela Polícia Judiciária em comunicado, que depois confirmou que ambos estão “indiciados pelo crime de homicídio qualificado” e serão agora presentes às autoridades para interrogatório judicial e a aplicação de medidas de coação. Ao Observador, fonte da PJ diz que ao detido foi também imputado um crime por tráfico de droga.
Criança tinha sido sinalizada em 2019
De acordo com Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças, foi aberto em 2019 um processo de promoção e proteção da menina, tendo o caso seguido para o Ministério Público. A sinalização de Jéssica Biscaia, nascida em janeiro de 2019, foi feita pelo Núcleo Hospitalar de Crianças e Jovens em Risco de Setúbal, “por a criança estar exposta a ambiente familiar que poderia colocar em causa o seu bem-estar e desenvolvimento”.
A medida de proteção, entretanto decidida pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Setúbal, não foi aceite pelos pais, o que originou de imediato o envio do processo ao MP, em 31 de janeiro de 2020.
Segundo informação do Tribunal de Setúbal, em 18 de maio de 2020, o MP, com base numa sinalização de violência entre os progenitores ocorrida na presença da criança, instaurou um processo judicial de proteção de Jéssica.
Em junho de 2021, foi efetuada uma avaliação da medida, propondo-se a manutenção por se considerar existirem ainda fragilidades no agregado familiar (períodos de rutura e de reconciliação na relação dos pais), e a avó materna assumiu a responsabilidade de supervisionar os cuidados parentais à neta, com quem estaria todos os dias.
Nesse mês, a equipa técnica multidisciplinar da Segurança Social de Setúbal relatou ao tribunal que, de acordo com a informação prestada pela avó, a situação de violência doméstica entre o casal tinha acalmado.
Ainda de acordo com as informações dadas pelo tribunal, já em maio de 2022, foi efetuada nova avaliação, referindo que o casal estaria separado, com o progenitor a trabalhar no estrangeiro desde há cerca de quatro meses e sem subsistir o quadro de violência entre o casal.
Com base nesta informação, o Ministério Público promoveu o arquivamento do processo em 24 de maio deste ano, confirmado por um despacho judicial seis dias depois.
Texto atualizado pelas 14h18.