Fora da Taça da Portugal, a perder o título da Taça da Liga e o pomposo cognome de campeão inverno que tinha sido seu nos últimos dois anos, no playoff da Liga Europa com adversários de peso e sem profundidade de plantel que permita sonhar de forma ambiciosa, quarto lugar do Campeonato sem margem de erro para poder ainda reentrar na luta por uma vaga na pré-eliminatória da Liga dos Campeões com a consequente possibilidade de arrecadar à cabeça uma fatia importante do orçamento para o exercício 2023/24. Por mais voltas que se possa dar, por mais saldos positivos que as contas possam voltar a ter sem que se perceba ao certo o impacto estrutural dos mesmos, por mais análises a um projeto desportivo que quando começa a dar baby steps tomba para trás com a voracidade do mercado, esta era a realidade do Sporting no primeiro dia de fevereiro. Rúben Amorim sabe de tudo isso. E foi à luz de tudo isso que teve uma conferência de imprensa na antevisão ao encontro em Alvalade que não foi apenas mais uma conferência de imprensa.

Sporting “atropela” Sp. Braga com nova mão cheia de golos e primeiro bis de Morita na carreira

Ponto 1: a saída de Pedro Porro e a necessidade de venda de ativos por parte da SAD leonina. “O Porro é mais do que aconteceu com o Nuno Mendes, com o Matheus [Nunes]… Mais do que a relação profissional, e claro que fazem falta, a relação pessoal é algo que sentimos muito. A nossa relação é muito próxima, vai fazer falta. No futebol habituamo-nos desde muito jovens a mudar. Um dia são nossos filhos, os nossos melhores amigos, e agora é filho do Conte. Continuamos amigos, sigo em frente, agora os preferidos são outros. Os meus jogadores são sempre os melhores do mundo. Um jogador com as caraterísticas do Porro não se arranja e é por isso que bateram a cláusula dele. Olhar para um jogador que é lateral direito e tem tantos golos e assistências… Temos de tentar construir outro, é o que vamos fazer”, comentou numa fase em que a contratação de Héctor Bellerín não estava ainda oficializada por parte do clube verde e branco.

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Ponto 2: a aposta em jovens como Ousmane Diomande, mesmo por valores bem mais altos do que costuma ser normal. “É um jogador com muito talento e as pessoas não sabem a quantidade de clubes que tinha atrás dele. Nós conseguimos às vezes porque arriscamos e dizemos aos miúdos que vêm para a equipa principal. Este é o nosso projeto e é assim que vamos crescer pois, caso contrário, estaremos sempre a vender ‘Porros’. Aqui as contas são feitas para parecer muito dinheiro e, para nós, o jogador mais caro da história é um dia normal em outros clubes. Fico estupefacto com as contas que fazem… No caso do Paulinho quase que meteram o dinheiro da gasolina. Em dois laterais, o Nuno Mendes e o Porro, fizemos quase 50 milhões por cada, se fizermos as contas com o Edwards [e a percentagem do passe]”, salientou ainda.

Ponto 3: a arbitragem da final da Taça da Liga e o castigo de três jogos a Paulinho, que por altura da mesma conferência não era oficial. “Estamos a crescer nos jogos grandes e sou eu que peço que sejam cada vez mais agressivos. Eles não têm de habituar-se à forma de jogar do Otávio ou do Pepe, outras pessoas é que se têm de habituar e eles têm que ser cada vez mais assim. As coisas têm de ser iguais para os dois lados. Se forem, estamos de acordo. Paulinho? É um jogador experiente mas, em certos momentos, é difícil manter a calma. Eu como treinador sei que as confusões acontecem”, referiu numa das raras vezes desde que chegou a Alvalade em que colocou no discurso a questão da igualdade de critérios em torno da gestão de um encontro.

Ainda assim, e competições europeias à parte, havia 17 jogos pela frente a contar para a Primeira Liga que poderiam adensar ou atenuar essa realidade de clube vendedor, necessitado de apostar ainda mais nos jovens do que já está designado pelo projeto e que tenta bater recordes em alienações que para os outros (vulgo Benfica e FC Porto) são “dias normais”. E o ponto de partida era uma partida com impacto direto nas contas frente a um Sp. Braga a fazer uma campanha bem mais regular do que nos últimos anos apesar de ter sido goleado em Alvalade para a Taça da Liga. “Esperamos um jogo muito difícil, diferente. É uma equipa que está melhor do que nós no Campeonato. Não estamos nada satisfeitos com os resultados mas estou satisfeito com o crescimento da equipa e acho que estamos a jogar cada vez melhor”, apontou Amorim.

“Perdemos pontos onde não queríamos e o importante é continuar a jogar bem e a não sofrer golos. Contra o FC Porto tivemos muito mais oportunidades. As coisas vão mudar e estou entusiasmado com o crescimento da equipa. Sinto que estamos a crescer e é isto que temos de continuar a fazer. Como motivar a equipa? É uma questão de orgulho e de garantir o meu trabalho. Custa-nos a todos explicar o que custa ver a minha equipa em quarto lugar. A minha motivação é muito maior do que no início. Todos os dias temos de melhorar e temos de fazer uma segunda volta melhor. A primeira foi inconstante, nunca se sabe o que pode acontecer na segunda. Depois, jogamos pelo Sporting, não há maior motivação do que essa”, acrescentou. E a resposta não podia ter sido melhor, com nova goleada frente aos minhotos tendo Morita a pisar com sucesso terrenos de goleador, Ricardo Esgaio a jogar como nunca e Chermiti a mostrar que é mesmo opção.

Ficha de jogo

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Sporting-Sp. Braga, 5-0

18.ª jornada da Primeira Liga

Estádio José Alvalade, em Lisboa

Árbitro: Nuno Almeida (AF Algarve)

Sporting: Adán; St. Juste, Coates (Matheus Reis, 76′), Gonçalo Inácio; Ricardo Esgaio, Ugarte (Tanlongo, 63′), Morita (Francisco Trincão, 63′), Nuno Santos (Fatawu, 76′); Marcus Edwards (Arthur Gomes, 76′), Pedro Gonçalves e Chermiti

Suplentes não utilizados: Franco Israel, Neto, Sotiris e Rochinha

Treinador: Rúben Amorim

Sp. Braga: Matheus; Pauo Oliveira, Niakaté, Tormena; Victor Gómez, Racic (André Horta, 57′), Al Musrati (Pizzi, 81′), Sequeira (Borja, 81′); Iuri Medeiros (Joe Mendes, 66′), Abel Ruíz e Banza (Rodrigo Gomes, 57′)

Suplentes não utilizados: Tiago Sá, Serdar, Castro e Álvaro Djaló

Treinador: Artur Jorge

Golos: Morita (9′ e 46′), Marcus Edwards (61′), Matheus Reis (85′) e Pedro Gonçalves (90+2′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Niakaté (30′ e 49′) e Coates (76′); cartão vermelho a Niakaté (49′)

Artur Jorge procurava fugir a tudo menos um início como aquele que teve na Taça da Liga em Alvalade (e que fez mossa em termos internos antes de começar uma série de triunfos consecutivos) e os minhotos não tiveram problemas em entrar com linhas de pressão subidas sem posse e à procura da profundidade com a bola. Foi dessa forma que Banza, nos minutos iniciais, conseguiu receber um passe longo descaído sobre a direita, entrar na área e rematar à figura de Adán no primeiro remate do jogo (5′). No entanto, a tendência do encontro não seria essa e seria através das bolas paradas que o Sporting recuperaria para si o comando da partida e em vantagem: Ugarte rematou de meia distância para um desvio que saiu pela linha de fundo, Marcus Edwards atirou às malhas laterais também a bater num adversário e Morita, num canto batido por Nuno Santos com assistência de cabeça de St. Juste, inaugurou mesmo o marcador (9′).

Mais do que o 1-0, o Sp. Braga perdia-se em campo. Com bola, fosse a tentar a profundidade ou a sair a partir de trás, todos os caminhos estavam fechados; sem posse, os minhotos sentiam dificuldades quando os leões aceleravam a circulação ou quando Marcus Edwards, sempre a entrar no espaço entre Racic e Niakaté, conseguia receber e virar para a baliza. Se os visitantes até tiveram cinco minutos interessantes na partida a abrir, a partir daí o Sporting estava melhor, a fazer dez remates em menos de meia hora e a criar perigo sobretudo num cabeceamento de Chermiti para defesa de Matheus após cruzamento de Esgaio (21′) e numa insistência de Pedro Gonçalves após canto que Tormena limpou quase em cima da linha de golo (26′).

Mesmo com um abrandamento a nível de situações de finalização, o Sporting dominava frente a um Sp. Braga que mexeu na sua habitual estrutura mas pareceu sempre perdido em campo e sem capacidade para jogar no meio-campo adversário. Aliás, havia uma estatística que explicava muito do que era a diferença entre os dois conjuntos: a cinco minutos do intervalo, os leões levavam 454 metros de condução progressiva com bola contra apenas 27 dos minhotos. Os dados da superioridade eram muitos, como por exemplo o número de bolas recuperadas no meio-campo adversário, mas essa era a maior das distinções entre os dois conjuntos e que deixava antever mudanças para a segunda parte que podia ter como inspiração o que se passara na última temporada, quando os arsenalistas saíram a perder mas conseguiram depois impor a primeira derrota de sempre de Rúben Amorim como treinador em casa para o Campeonato.

Artur Jorge até poderia ter mexido em alguns posicionamentos na equipa mas a entrada do Sp. Braga foi um autêntico hara-kiri que nem permitiu perceber se o jogo podia ou não ser diferente: na sequência de um lance em que há uma primeira falta de Esgaio sobre Niakaté mas a bola seguiu para Al Musrati e Racic, Ugarte, roubou bem a bola no meio-campo adversário, o Sporting partiu rápido para a área contrária, houve uma primeira defesa de Matheus a remate de Pedro Gonçalves mas Morita, aproveitando a forma trapalhona como a defesa contrária não tirou a bola da zona de perigo, recebeu do calcanhar de Chermiti para fazer o 2-0 (46′); pouco depois, Niakaté, que estava ainda de cabeça quente pelo lance do golo, sofreu uma falta que foi sancionada de Gonçalo Inácio, protestou de forma veemente e viu mesmo o segundo cartão amarelo (49′).

O encontro estava “arrumado” mas até aí a metamorfose do Sporting esta noite teve expressão, com a equipa a perceber a vantagem física, tática, anímica e numérica que tinha em relação aos minhotos para não ficar à espera que o jogo se fechasse mas sim para ir à procura de fechar as contas. Morita, a aparecer muito mais em zonas de finalização do que é normal perante os buracos defensivos que os visitantes iam deixando em campo, esteve duas vezes perto do hat-trick mas seria Marcus Edwards a fazer o 3-0 em mais uma boa saída rápida com diagonal do inglês da direita para o meio antes do remate contando com um movimento cruzado de Chermiti que arrastou um defesa consigo (61′). A partir daí, o encontro caiu de qualidade, as substituições não ajudaram em nada mas ainda houve oportunidades para mais golos, com Nuno Santos a ter um remate de primeira após cruzamento da direita que passou a rasar o poste da baliza de Matheus (66′), antes de surgir o melhor golo da noite após jogada combinada a partir de um canto por Matheus Reis (86′).

Nos descontos surgiu o momento da noite: Fatawu sofreu uma grande penalidade, os adeptos começaram a pedir para ser Esgaio a marcar, o lateral ainda foi falar sem sucesso com Pedro Gonçalves, depois os pedidos viraram-se para Chermiti, ouviram-se assobios e foi o jovem avançado que pediu aos adeptos para não se manifestarem dessa forma para o companheiro concentrar-se e bater o penálti. Pote não perdoou. E tudo acabou a bem, com o próprio internacional português a conseguir deixar para trás um encontro onde muitas coisas não correram da melhor forma apesar de andar sempre a tentar visar a baliza contrária (90+3′).