O futebol italiano ganhou esta fama: aborrecido, defensivo e para ver antes de adormecer. É muitas vezes apelidado de conservador para que o progresso possa ser anunciado com sotaque inglês, alemão, espanhol ou francês. Mas era de esperar que um país que tem a forma de uma bota a chutar uma bola fosse uma representação dos costumes de quem vive nesse desenho de solo tão sugestivo da posição do país na vanguarda mesmo que se queira colocá-lo na gaveta do passado. Vamos a contas.

Entre AC Milan e Inter de Milão é certo que vai sair um dos finalistas da Liga dos Campeões. A AS Roma de José Mourinho e a Juventus estão numa posição privilegiada para marcarem presença na final da Liga Europa. A Fiorentina tem igualmente uma forte possibilidade de participar no jogo decisivo da Liga Conferência. Tudo isto sem que nenhum destes clubes, perto de serem os melhores da Europa, tenha sido o melhor internamente: na Serie A, o Nápoles sagrou-se campeão.

O Derby della Madonnina nas meias-finais da Liga dos Campeões era o melhor produto que o futebol italiano tinha para exibir na montra mais valiosa. Para os adeptos dos dois clubes, é provavelmente o jogo de uma vida. Por muito que rossoneri e nerazzurri já se tivessem defrontado 219 vezes ao longo da história, esta era a oportunidade não só de jogar a final da competição mais importante de clubes, como de impedir que o maior rival jogasse a final da competição mais importante de clubes. Em 2002/2003, as duas equipa já se tinham defrontado nesta fase da prova, sendo que, por essa altura, as equipas empataram os dois jogos, mas acabou por ser o AC Milan a seguir em frente, conseguindo, depois, levantar a taça.

O Inter carregava nas veias o sangue que sugou ao FC Porto e ao Benfica quando eliminou ambas as equipas da Liga dos Campeões. Apoderado dessa influência lusa, o AC Milan não tinha como responder já que a dose de portugalidade que podia injetar no encontro ficou de fora devido a uma lesão muscular. Rafael Leão, que saiu aos 11 minutos contra a Lázio, nem a convocatória integrou, algo que, de resto, Stefano Pioli, já tinha deixado em aberto. “Ou está apto para jogar ou nem vai para o banco. Se houver riscos, não vamos corrê-los. Não podemos”, adiantou o treinador rossoneri à Sky Sports Itália. “A lesão é num músculo que é acionado apenas em algumas situações, mas que, pela qualidade e pelas características do jogador, precisa de estar a 100%”.

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O internacional português, que a Gazzetta dello Sport diz que tem acordo para renovar até 2028, não integrou mesmo as opções do AC Milan e viu o jogo numa bancada repleta de estrelas, onde também esteve Novak Djokovic e lendas dos dois emblemas em confronto. Saelemaekers atuou no lugar do internacional português. Em cima da hora do jogo, Pioli explicou a razão de ter  deixado o avançado na bancada. “Fez um teste pela manhã, mas não correu bem. Ainda sentiu algum desconforto, então vamos jogar com outras características”, explicou à Prime, em declarações citada pelo Corriere dello Sport.

Ainda não tinha terminado a primeira parte e Brahim Díaz já colocava as mãos nos joelhos em sinal de cansaço. O Inter não massacrava, mas estava a saber o que fazer. Os nerazzurri não estavam a metralhar numa direção aleatória. Pelo contrário, a equipa de Simone Inzaghi, mesmo que não tivesse muitas balas disponíveis, a cada tiro acertava num órgão vital do AC Milan que entrava num estado cada vez mais crítico. Bastaram apenas dois disparos para os rossoneri praticamente ficarem sem funções vitais. O Inter não começava a pressionar o rival muito em cima no terreno. Embora com um posicionamento médio/baixo, o bloco defensivo estava dotado de três médios, Barella, Çalhanoğlu e Mkhitaryan, que recuperaram muitas bolas no corredor central. Aí, o AC Milan era apanhado descompensado. Džeko e Lautaro formaram dupla na frente de ataque do 3x5x2. O bósnio, tido, supostamente, como o jogador mais fixo, deslocou-se muitas vezes para os corredores laterais, servindo de solução de saída em múltiplas situações em que a verticalidade ameaçou a equipa de Pioli.

O AC Milan tinha em Krunic, Tonali e Bennacer um meio-campo, à partida, sólido. No entanto, Krunic nunca foi capaz de auxiliar a equipa no momento de transição defensiva. Ao mesmo tempo, a equipa não conseguia ter qualidade na posse, o que dava uma vantagem muito grande ao Inter no momento de recuperação. Tonali conseguia desenvolver boas ações em zonas adiantadas, mas o adiantamento do italiano, impedia os rossoneri de terem alguém com semelhante qualidade de passe a iniciar a construção.

Ainda nada disto era visível e já o Inter ganhava por 2-0. O canto batido por Çalhanoğlu encontrou Džeko (8′) que, no auge da espontaneidade, rematou com o pé esquerdo para dentro da baliza, enquanto que, na luta corpo a corpo, desfez-se de Calabria quando este o tentava marcar. Os jogadores de Inzaghi não abrandaram e Federico Dimarco, na esquerda, com a defesa do AC Milan descompensada, assistiu Mkhitaryan (11′). O romeno fez uma receção orientada que lhe saiu tão naturalmente como os passos da corrida que o levaram ao frente a frente com Maignan.

Apesar do resultado penalizador, a sensação que dava era de que a noite para o AC Milan podia ser muito pior. Com um grande remate de fora de área, Çalhanoğlu acertou no poste e o VAR reverteu a decisão do árbitro quando o espanhol Gil Manzano assinalou penálti por Simon Kjær ter derrubado Lautaro na área. Dentro de tudo o que corria mal, houve um azar que veio com uma surpresa positiva. Bennacer teve que sair antes dos 20 minutos devido a lesão, dando lugar a Junior Messias. Esta mudança permitiu a Tonali baixar ligeiramente no terreno e, uma vez que Brahim Díaz passou a atuar nas costas de Giroud, o AC Milan passou ter a clarividência de Tonali a construir de frente para o jogo e, ao mesmo tempo, uma solução criativa entre linhas. Ainda que com poucas chegadas à baliza de Onana, os rossoneri estabilizaram o jogo ofensivo demonstrando que se não tivessem sido displicentes na circulação nos momentos inicias da partida podiam não ter concedido dois golos.

A segunda parte foi jogada com mais calculismo. Mesmo assim, foi Džeko que esteve perto de bisar, mas Maignan negou-lhe a intenção. O primeiro grande sinal de perigo do AC Milan chegou quando Tonali acertou no poste num remate de ressaca. Tendo em vista a segunda mão, os homens de Pioli tinham todo o interesse em reduzir a desvantagem, só que o remate ao ferro do médio esgotou as ocasiões de golo. O Inter ainda lançou Lukaku para o ataque, mas contentou-se com o resultado.