Em campo, tudo começou a descarrilar quando Vinícius Júnior se preparava para entrar na área do Valencia numa jogada que terminou com uma bola atirada desde a bancada que foi depois desviada por Cömert. No entanto, já na chegada do autocarro do Real Madrid ao Mestalla, o avançado tinha ouvido de forma percetível cânticos racistas de “Mono, mono, mono” (macaco em espanhol). E tudo acabou com um filme ao contrário do que se tinha visto, com o brasileiro a terminar expulso com vermelho direto nos descontos numa partida que terminou com mais uma derrota dos merengues mas onde o resultado foi o menos importante perante tudo o que se passou antes, durante e depois de um jogo que ficará como marca para o futuro da Liga.

Como o jogador voltaria a reforçar após o sucedido, não foi a primeira, nem a segunda, nem a terceira vez que Vinícius enfrentava insultos racistas durante uma partida da Liga. Sentiu que tinha sido ultrapassada a linha vermelha, que tudo tem limite, que desta vez não seria apenas mais um dia. Assim, e quando Kroos se preparava para recomeçar a partida depois da tal carambola de Cömert, o internacional começou a apontar para a bancada atrás da baliza do Valencia e aproximou-se dos painéis publicitários sempre de dedo em riste para a mesma pessoa, já com Rüdiger, Éder Militão e Lucas Vázquez por perto. “É aquele, é aquele!”, disse para o árbitro. “És tu, és tu!”, gritou olhando para o adepto entre uma confusão crescente.

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Foi nessa fase que Vinícius Júnior assumiu a vontade de não continuar em campo perante aquilo que achava ser mais um ataque sem as devidas sanções. Carlo Ancelotti falou várias vezes com o brasileiro perguntando se estava em condições de continuar ou se preferia sair, o árbitro Ricardo De Burgos Bengoetxea foi tentando acalmar também o jogador, nos altifalantes do Mestalla passou uma mensagem que avisava que o próximo episódio poderia levar à interrupção do encontro. Dez minutos depois, o jogo foi reatado. E seria nos dez minutos de descontos que o brasileiro acabaria por ser expulso com vermelho direto, numa confusão que começou com o guarda-redes georgiano Giorgi Mamardashvili (que fez duas defesas fabulosas a segurar a vitória do Valencia) e que pelo meio teve o atleta do Real Madrid a atingir Hugo Duro com o braço.

Desde o primeiro momento de tensão que se notava que Vinícius Júnior estava afetado com o que se passara, havendo mesmo uma imagem ainda com o jogo interrompido onde o jogador fica de lágrimas nos olhos a olhar para o vazio, e esse gesto com o avançado do Valencia mais não foi do que uma explosão que poderia ser quase expectável, com o brasileiro a deixar o relvado do Mestalla a fazer gestos com os dedos da mão dizendo que o conjunto da casa iria para a Segunda Liga (cenário que agora ficou quase afastado). Ainda assim, o episódio estava muito longe de ficar por aí e continuam a suceder-se as reações ao sucedido, sobretudo com uma troca de palavras através das redes sociais entre Vinícius e Javier Tebas, líder da Liga.

“O prémio que os racistas conseguiram ganhar foi a minha expulsão. Isto não é futebol, é a La Liga”, disse o jogador. “Já que aqueles que te deveriam explicar as coisas não o fazem em relação ao que a Liga pode fazer em relação a casos de racismo, vamos tentar explicar nós próprios mas não foste a nenhuma das datas que estavam acordadas e que tu mesmo solicitaste. Antes de criticares e injuriares a Liga, é necessário que te informes de forma adequada. Não te deixes manipular e entende quais são as competências de cada um e o trabalho que temos feito juntos”, respondeu o presidente da liga espanhola, apontando para o Comité de Competições da Federação Espanhola de Futebol e a Comissão Estatal contra a Violência, o Racismo, a Xenofobia e a Intolerância no desporto que tratam deste tipo de situações em Espanha.

“Uma vez mais, em vez de criticar os racistas, o presidente da Liga aparece nas redes sociais para atacar-me. Por mais que fales e finjas não ler, a imagem do teu Campeonato está em causa. Vê as respostas que estás a ter nas tuas publicações e terás uma surpresa. Omitir só te faz igual aos racistas. Não sou teu amigo para falar de racismo. Quero ações e castigos, uma hashtag não me diz nada”, atirou de seguida Vinícius, que mais tarde deixaria uma segunda mensagem também nas redes sociais com uma reflexão sobre o episódio.

“Não foi a primeira vez, nem a segunda, nem a terceira. O racismo é normal na La Liga. A competência acha que é normal, assim como a Federação. Lamento que seja assim. O Campeonato que uma vez pertenceu a Ronaldinho, Ronaldo, Cristiano e Messi hoje pertence aos racistas. É uma nação boa, que me deu as boas-vindas e de que gosto muito mas que aceitou exportar a imagem ao mundo de um país racista. Peço desculpa pelos espanhóis que não estão de acordo mas hoje, no Brasil, a Espanha já é conhecida como um país de racistas. Lamentavelmente com tudo o que se passa todas as semanas, não tenho como defender o contrário. Estou de acordo. Mas sou forte e irei até ao fim contra os racistas”, apontou o internacional.

Lula da Silva condena insultos racistas contra avançado do Real Madrid Vinicius Junior

Foram muitas as mensagens de apoio ao jogador, a começar pelo técnico Carlo Ancelotti que, no final do jogo, referiu por mais do que uma vez que aquilo que se passara em campo era o que menos interessava perante a situação de Vinícius Júnior. De fora do clube, Rio Ferdinand, antigo internacional inglês que é hoje comentador, foi um dos principais revoltados com o que se passou, sendo que também Kylian Mbappé deixou uma mensagem ao jogador brasileiro depois do sucedido. Também o próprio presidente do Brasil, Lula da Silva, não deixou passar ao lado sucedido colocando-se ao lado do jogador. Uma coisa é certa: depois de tudo o que se passou no Mestalla, esperam-se mais capítulos sobre o caso em torno de Vinícius.