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Não era propriamente a melhor memória, era ainda assim uma memória e importante. Há largos 431 dias que Alexia Putellas não era titular num encontro oficial, neste caso desde a final da Liga dos Campeões que o Barcelona perdeu com o Lyon em Turim. Um ano antes tinha estado na primeira história conquista das culé em Gotemburgo diante do Chelsea, um ano depois entrou a partir do banco na reviravolta das blaugrana em Eindhoven frente ao Wolfsburgo, pelo meio passou por um longo calvário que começou numa grave lesão no joelho num treino antes do Campeonato da Europa. Contra a Zâmbia, na segunda jornada deste Mundial, chegou o dia. E mesmo que tenha durado apenas 45 minutos, foi mais um passo para voltar à normalidade.

Quando a bola chega àquele pé esquerdo, tudo é diferente. A forma como recebe, como coloca onde quer ou como tenta arriscar uma finta tem sempre um toque qualquer de magia, uma magia que lhe valeu antes e durante a lesão a conquista de duas Bolas de Ouro e dois The Best consecutivos. No entanto, aquela longa paragem de 299 dias sem sequer competir deixou mossa. De forma quase natural, o técnico Jorge Vilda preferiu poupar a sua craque ao intervalo com o resultado “certo” e um jogo que precisava mexer mas o talento não foi esquecido e a forma como assistiu Jenni Hermoso para o 2-0 só está ao alcance das melhores.

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Em tudo o resto, os 15 minutos acabaram por ser “enganadores” face ao que se passaria no resto da partida, com a Espanha a deixar-se levar pelas facilidades e a entrar numa espiral onde não só quebrou muito em termos ofensivos como ainda permitiu que a Zâmbia fosse sonhando com o primeiro golo neste Mundial. De forma natural tudo acabou com uma goleada da Roja que permitiu assumir a liderança do grupo devido à diferença entre golos e sofridos com o Japão mas a imagem que ficou foi menos positiva do que a estreia com a Costa Rica, ainda para mais diante de uma formação envolta em problemas internos que “treme” em termos defensivos em qualquer investida mas que ganhou confiança para deixar outra imagem.

A jogar assim não precisam de treinador: depois de problemas com Jorge Vilda, Espanha entra a vencer no Mundial

Depois de um arranque de total domínio instalada no meio-campo adversário, a Espanha sentiu um ligeiro calafrio numa bola colocada na frente para Barbra Banda lutar contra o mundo e conseguir ainda rematar sem grande força para defesa de Misa Rodríguez. Ficava dado o aviso para o que poderia acontecer quando a capitã zambiana tivesse espaço, estava dado o mote para a Roja apertar ainda mais a malha na frente. Aliás, apertou tanto que vencia por 2-0 no quarto de hora inicial: Teresa Abelleira inaugurou o marcador com um fantástico remate de fora da área ao ângulo após jogada entre Alexia Putellas e Jenni Hermoso (9′), Hermoso aumentou pouco depois com um cabeceamento na pequena área depois de um cruzamento perfeito de Alexia (13′). Estava tudo tão fácil que a Espanha “adormeceu”, permitindo que Barbra Banda criasse mais perigo (num dos lances foi Paredes que tirou o golo com um fantástico corte) e criando apenas mais duas chances de golo por Aitana até ao intervalo, a última com Sakala a evitar por instinto o 3-0 (30′ e 45+5′).

Ao intervalo, Vilda fez logo três substituições com as saídas de Ona Battle, Alexia e Salma Paralluelo para as entradas de Oihane Hernández, Alba Redondo e Eva Navarro mas nem por isso a Espanha conseguiu fugir à forma como terminara a primeira parte, tendo ainda assim mais uma boa oportunidade por Aitana que foi travada por Sakala. Era preciso algo mais e bastou a Roja acelerar um pouco para facilmente chegar à goleada em pouco mais de 15 minutos ao nível dos iniciais: Alba Redondo fez o 3-0 após aparecer nas costas da defesa contrária, passar pela guarda-redes e encostar para a baliza deserta (69′), Jenni Hermoso bisou depois de um primeiro remate ao poste (70′) e Redondo fez o mesmo pouco depois em mais um lance que inicialmente foi invalidado pela assistente mas que o VAR reverteu mais tarde (85′). O objetivo estava cumprido. 

A pérola

  • Jorge Vilda fez apenas duas alterações em relação ao último jogo, ambas na frente. Por um lado, apostou em Mariona Caldentey a jogar pela esquerda tirando Athenea Del Castillo e posicionando Paralluelo no corredor contrário (a meio da primeira parte voltaram a mudar de flanco); por outro, abdicou da referência Esther González para colocar Jenni Hermoso mais na frente e lançar Alexia Putellas. A ideia passava por ter maior mobilidade e criatividade, por forma a desconstruir uma defesa da Zâmbia que não precisava de muito para falhar, mas foram as movimentações de Jenni Hermoso que maior mossa deixaram: no dia em que cumpriu a 100.ª internacionalização, a jogadora que na próxima temporada vai jogar no México chegou ao 50.º golo (recorde) entre três Mundiais e dois Europeus pela Roja. Como dizia Muhammad Ali, um dos maiores de sempre, voou como uma borboleta e picou como uma abelha.

O joker

  • Teresa Abelleira é a jogadora mais discreta e menos “mediática” do meio-campo para a frente da equipa da Espanha mas é também graças a ela que a Roja consegue manter os equilíbrios, ainda mais quando a seu lado estão duas criativas como Aitana Bonmatí e Alexia Putellas. Essa era a principal função que a jogadora do Real Madrid tinha mas arriscou algo mais e ganhou a lotaria com um “bilhete” que não demorou a correr mundo: com um remate de meia distância ao ângulo, a média defensiva fez o primeiro golo, quebrou a resistência das africanas e colocou a Espanha na sua zona de conforto.

A sentença

  • Com mais uma vitória, a Espanha juntou-se ao Japão no primeiro grupo que fica definido a nível de apuramento para os oitavos do Campeonato do Mundo e a última jornada terá como ponto forte a luta pelo primeiro lugar entre os dois conjuntos que foram de longe os mais fortes. E com uma curiosidade: nem o Japão com a Costa Rica, nem a Espanha com a Zâmbia tiveram aquela ânsia de correr atrás dos golos que poderiam fazer diferença em caso de empate, mostrando que confiam naquilo que têm e naquilo que jogam (apesar daquelas figas com os dedos das espanholas quando o 5-0 de Alba Redondo estava a ser revisto). Já as africanas discutem com a Costa Rica quem foge aos zero pontos.

A mentira

  • Quando a Espanha andou mais “adormecida” no encontro e permitiu que a Zâmbia esticasse o jogo, Barbra Banda mostrou por mais do que uma vez que é uma jogadora à parte de todas as outras na equipa africana, tendo ao seu lado ainda Racheal Kundananji que deixou também sinais interessantes no ataque. Aliás, esse é o problema: do meio-campo para a frente, não havendo aquela pressão “asfixiante” que não permite a saída do primeiro terço, a Zâmbia não é a pior seleção; do meio-campo para trás, sobretudo na linha defensiva, soma erros atrás de erros e tem sido a pior do Mundial, levando nesta fase dez golos sofridos nos dois encontros realizados após o 5-0 com o Japão.