Já tinha ganho uma Liga. Já tinha ganho duas Taças do Rei. Já tinha ganho três Supertaças. Entre traumas de Campeonatos perdidos com penáltis falhados nos descontos do último jogo que vão ficar para sempre no imaginário dos adeptos, Fran, um dos maiores símbolos do Deportivo nos anos 90 e no início do novo século, sonhava com uma conquista europeia. Era a única coisa que faltava, nada parecia poder travar essa ambição – ou não tivesse a equipa da Corunha eliminado a Juventus e o AC Milan, neste caso com uma reviravolta fabulosa no Riazor de 4-0. No entanto, as meias-finais dessa Champions trouxeram uma das maiores desilusões da carreira do internacional espanhol, com o nulo da primeira mão a terminar com uma derrota pela margem mínima em casa. Duas décadas depois, a vida de Fran volta a cruzar-se com o FC Porto.

Entre as várias opções dos azuis e brancos para um meio-campo que já carecia antes de mais um elemento, o escolhido número 1 foi Nico González, filho da antiga glória do Deportivo que fez o percurso todo no futebol no Barcelona a partir dos 12 anos após começar no Montañeros. Existia ainda a dúvida entre os responsáveis dos dragões sobre a possibilidade de permanecer nos blaugrana, com quem tinha contrato até 2026, mas a última temporada de empréstimo ao Valencia não foi suficiente para que Xavi Hernández, uma das suas referências enquanto jogador e capitão do Barça, apostasse na continuidade. Entre todas as opções em carteira, de Portugal, Espanha e Inglaterra, imperou o clube que desde início se chegou à frente: o FC Porto.

Jorge Mendes, agente com quem estabeleceu ligação em 2022, acabou por ser a chave para a conclusão do negócio no início da semana (apesar de se ter criado também um nexo da causalidade entre a passagem de Deco pelo Dragão para filmar uma entrevista para o documentário de Pinto da Costa para a Netflix e o facto de trabalhar agora com o futebol dos catalães). De acordo com a imprensa espanhola, o acordo teria ficado fechado por um valor entre os oito e os dez milhões de euros com uma cláusula de recompra crescente nos quatros anos de contrato, sendo que a primeira intenção dos portistas passava pelo empréstimo. Nos últimos dias as conversações giraram sobretudo em torno dos direitos económicos das mais-valias numa transferência futura, com os dragões a assegurarem 60% dos mesmos com opção de chegar ainda aos 80%.

Mas quem é Nico González, médio internacional internacional Sub-21 que se estreou com apenas 19 anos na formação principal do Barça depois de deixar rendido Ronald Koeman e que foi descrito pelo El País em novembro de 2021 como um “superdotado ao quadrado” quando se afirmou nos blaugrana?

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Logo à cabeça, por influência do pai (e do tio, José Ramón, também ele jogador), um apaixonado pelo futebol que com apenas três ou quatro anos já tentava também fintar como Fran tão bem fazia nos tempos em que era capitão do Super Depor. Depois, alguém que gosta de fazer prevalecer as suas ideias: apesar de o pai lhe ter recomendado o Real Madrid antes do Barcelona, rumou à Catalunha, ficou em La Masia e recusou uma abordagem do Manchester City (para quem o pai começou a trabalhar) quando fez 16 anos. Por fim, alguém que deu nas vistas por ser um “animal competitivo” com enorme capacidade de perceber o jogo.

“É um miúdo muito competitivo, que não gosta de perder nem às cartas, mas que teve um ano duro quando estava nos cadetes [juvenis]”, recordou ao El País um técnico dos culé, a propósito da época em que Nico cresceu quase 20 centímetros até aos quase 1,90 que tem hoje e sentia que não tinha a mesma capacidade física para impor o seu jogo. “Após superar essa fase, demonstrou que sabe lidar com a pressão e o que faz na primeira equipa do Barça é o que fazia quando era miúdo. Tem um enorme sangue frio, a bola não o queima, tem enorme personalidade em campo mas gostar de passar despercebido fora dele”, acrescentou. Ainda assim, foi a inteligência com que lê o encontro que desde cedo mais sobressaiu entre quem o conhece.

A dúvida até nasceu no colégio bilingue que frequentava: como era possível sem tempo nem esforço ter as notas altas que tinha? Um teste de “coeficiente intelectual” deu a resposta. Foi por isso que decidiram passar um ano à frente nos estudos, foi com isso que entrou no curso de Administração e Gestão de Empresas. Além de ser alguém com “uma inteligência tática fora do comum”, Nico González sempre foi alguém que não tinha problemas em questionar decisões para que pudesse perceber as mesmas. Esse argumento permitiu-lhe que, além de “sucessor de Busquets”, o primeiro epíteto que ganhou quando subiu ao conjunto principal, fosse visto como complemento e não substituto do internacional espanhol, jogando em duplo pivô ou como ‘8’ da mesma forma sempre com uma taxa de eficácia de passe a rondar os 90%.

Esse conhecimento de jogo foi visto pelos responsáveis azuis e brancos como uma mais valia, tendo em conta a forma como Sérgio Conceição gosta de mexer em termos táticos na equipa mediante aquilo que o encontro vá apresentando sem perder a identidade de jogo. Ou seja, entre o 4x4x2, o 4x3x3 ou o 4x2x3x1, Nico tem sempre referências que lhe permitem ocupar qualquer posição no meio-campo mantendo essa parte física que Uribe garantia mas também qualidade e critério em posse, um fator diferenciador que faltou algumas vezes ao FC Porto na última temporada com a saída de Vitinha para o PSG no último verão.