Vários obstetras do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, têm apresentado, desde o final de julho, pedidos de rescisão dos contratos de trabalho, o que significa que deixarão o hospital nas próximas semanas, avançou o Expresso e confirmou o Observador junto do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte (que integra o Santa Maria) e o próprio diretor interino do Serviço de Obstetrícia do Hospital de Santa Maria. Estas saídas deverão agravar ainda mais a falta de médicos obstetras neste hospital.
Entre os médicos que já entregaram a carta de rescisão está a ex-diretora de Obstetrícia, Luísa Pinto, que foi exonerada do cargo no final de junho, juntamente com o então diretor do Departamento de Obstetrícia, Ginecologia e Medicina de Reprodução, Diogo Ayres de Campos. Ambos foram afastados pelo CHULN por causa das críticas ao processo de transferência dos serviços para o Hospital São Francisco Xavier, enquanto decorressem as obras na maternidade do Hospital de Santa Maria.
Ao Observador, fonte oficial do CHULN confirma as rescisões, embora não adiante o número de obstetras que vão deixar o hospital. “São decisões individuais, de cada um dos médicos. Houve alguns pedidos de saída do serviço”, disse a mesma fonte. Segundo o Expresso, foram seis os médicos que apresentaram os pedidos de rescisão desde o final de julho. Dois deles, incluindo Luísa Pinto, entregaram as cartas esta terça-feira. O CHULN confirmou ao Observador que a médica (uma das mais experientes do serviço, e que está há mais de 30 anos no hospital) entregou o pedido de rescisão. Os médicos poderão sair do hospital num prazo de 60 dias, considerando a antecedência de dois meses entre a denúncia do contrato de trabalho e a cessação de funções, prevista na lei.
Entre os médicos que entregaram as cartas de rescisão estão também o responsável pelo internamento de grávidas, o responsável pelo internamento de puérperas e o responsável pelas consultas externas.
No entanto, ao Observador, o diretor interino do Serviço de Obstetrícia do Hospital de Santa Maria não confirma as seis saídas. “Não serão tantos os pedidos de rescisão, mas vão chegando a conta-gotas”, diz Alexandre Valentim Lourenço, acrescentando que “todas as pessoas que saem do SNS fazem falta”.
Ao Expresso, Luísa Pinto justificou a saída com a degradação das condições de assistência às utentes e com a má gestão que a administração do CHULN terá feito do processo de encerramento, para obras da maternidade do Hospital de Santa Maria, a que se seguiu a transferência das consultas e partos para o Hospital São Francisco Xavier. A obstetra refere também dificuldades de relacionamento com o atual diretor interino de Obstetrícia. “Continuei o meu trabalho, mas perante um diretor interino sem respeito pelas pessoas, e com quem não me identifico, os médicos foram saindo — e a equipa a desmoronar-se”, diz a especialista.
Confrontado com as declarações de Luís Pinto, Alexandre Valentim Lourenço garante não ter “dificuldades de relacionamento” com os médicos do serviço. “Nós não forçamos nem saídas nem entradas. O serviço tem 47 médicos e está a funcionar“, garante.
“Foi colocada outra pessoa [Alexandre Valentim Lourenço] à frente do departamento e, a partir daí, deixamos de ter a organização que tínhamos. Começamos a viver com escalas de urgência que saem com três ou quatro dias de antecedência e com equipas que, a nosso ver, não são seguras”, explicou Luísa Pinto, à Agência Lusa. “A certa altura, já se tinham demitido cinco pessoas”, acrescentou, sublinhando que, no seu caso, a “gota de água” foi um pormenor que entendeu como uma falta de respeito da administração: “Quando regressei de férias, o acesso ao parque (de estacionamento) tinha-me sido negado”.
“Aquilo que me prendia, deixou de existir. O nosso hospital parece não nos querer aqui”, afirmou Luísa Pinto, acrescentando que, apesar de se preocupar com o SNS, “se não nos querem, é melhor sairmos com dignidade”.
Já Diogo Ayres de Campos, que se mantém no serviço mas foi exonerado em junho do cargo de diretor do Departamento de Obstetrícia, Ginecologia e Medicina de Reprodução, considera as saídas “expectáveis”. “Era expectável. Não se conseguem fazer grandes reformas sem ter em conta a opinião dos profissionais de saúde“, diz ao Observador, referindo-se à forma como foi gerida pelo hospital de Santa Maria a transferência das consultas e partos para o São Francisco Xavier.
“Com as dificuldades do SNS e as oportunidades da medicina privada, é natural que as pessoas procurem outras alternativas”, salienta. “Se os profissionais não sentem que há um projeto comum, tendem a ir para o privado”, acrescenta o responsável. Diogo Ayres de Campos garante que o serviço tem apenas 35 especialistas, e não os 47 referidos por Alexandre Valentim Lourenço. “São claramente insuficientes. Agora, ficará com 28 médicos. Isto num hospital que é de apoio perinatal diferenciado. Estas saídas vão afetar sobretudo as consultas e a resposta na urgência.”
Já em junho, Alexandre Valentim Lourenço sublinhava, ao Observador, que “alguns médicos não se sentem confortáveis” com o processo de transição para o Hospital São Francisco Xavier e admitia que “há sempre um risco de desagregação das equipas nestes processos”.