O início de temporada apesar da liderança partilhada da Liga não foi excecional, ainda que com mais bombo e menos violino a equipa tenha cedido somente dois pontos em 15 possíveis após a derrota na Supertaça. O histórico de arranques na Liga dos Campeões também não era famoso desde 2017 quando abriu o novo ciclo no Dragão que mitigou o maior jejum de troféus da era Pinto da Costa, com dois empates e três derrotas nas primeiras jornadas da fase de grupos da Liga dos Campeões (sempre a jogar na condição de visitante a abrir). No entanto, e olhando para a conferência de imprensa de Sérgio Conceição em Hamburgo na antecâmara de novo arranque frente ao Shakhtar, havia confiança. Sobrava confiança. Reinava a confiança, com direito a umas quantas pitadas de humor e sorrisos à mistura que a responsável da tradução não conseguia apanhar.

FC Porto vence Shakhtar na estreia na Champions por 3-1 com dois golos e uma assistência de Galeno

“Acho que nestes seis anos estreámos 40 jogadores na Champions. Eu não sei se isto… Olhando para 2004 e 2011, dois anos de referência na Europa [para o FC Porto], essas equipas tinham uma espinha dorsal de três anos de clube. Não é uma crítica ao clube no mercado, ficámos com o máximo de jogadores que achávamos importantes. Mas todos os dias são um recomeçar constante. Acabamos um jogo e olhamos para o próximo. Este sétimo ano é como os casamentos. Acho que há a crise do sétimo ano, como se costuma dizer. Por este início de época dá a entender isso, com muita gente a tentar fazer confusão e a criar instabilidade, mas quando há uma paixão e um amor grande, esse sétimo ano é superado e é uma vida inteira. Não sei se a analogia é boa ou não mas foi o que me veio à cabeça neste momento”, atirou entre sorrisos na Alemanha.

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Jogadores e nomes à parte, que entre as saídas têm obrigado Sérgio Conceição a mudar não a ideia de jogo mas as nuances táticas e as dinâmicas coletivas da equipa, este era mais um desses anos. Como aconteceu na saída de Moussa Marega, de Héctor Herrera, Alex Telles, de Luis Díaz, de Vitinha com Fábio Vieira. Ou seja, mais do que ser uma, duas ou dez vendas, havia algo paralelo que tinha a ver com as características dos jogadores que iam deixando de contar e que levavam a alterações na forma de abordar os encontros perante aquilo que havia de opções no plantel. Agora, o técnico tinha mais um desafio. Um dos maiores desafios. Olhando para aquilo que foi o melhor FC Porto de 2022/23, havia Uribe, Otávio e Taremi. Os dois primeiros saíram, o último esteve para sair. Fosse a nível de transições, de jogo sem bola, de recuperações, de exploração de espaços ou de liderança (sem esquecer Pepe e Marcano), eram as rodas motrizes para toda a máquina rodar. E era essa a reinvenção que os dragões teriam de fazer pela enésima vez, agora sem Marcano.

“Os meus anos aqui foi recomeçar, foi refazer, então já estamos habituados. Dou como exemplo a última Liga dos Campeões, estamos a falar de cinco jogadores, 50% da equipa, e agora não os temos. Contra o Estrela não foi uma vitória brilhante mas também porque estamos nesse processo. Não desculpa nada. Vou fazer aqui um parênteses: nos programas desportivos, como o nosso presidente dizia, fala-se muito pouco de futebol. É preciso fazer-se testes para se saber se sabe falar da poda. Por vezes, um jogador com a experiência do Marcano, fico triste e muito sentido, porque é um jogador que nos acompanha há muito tempo. Sem um jogador como o Marcano, um jogador experiente que nos acompanha há muito tempo, poderá mudar alguma coisa em relação ao que mostrámos frente ao Estrela. Agora, são três pontos importantes num grupo que é equilibrado. Podemos colocar o Barcelona um bocadinho acima dos outros mas isso é no papel”, referira.

“O jogo com o Estrela foi em 3x5x2 mas a minha equipa constrói com três. Presença no corredor central, temos; presença no corredor lateral, também temos. Depende do que queremos para o jogo. Posso dar um bocadinho de proteção aos jogadores que ainda não se identificam tanto com três centrais e dar algo mais nos corredores laterais, daí os falsos laterais como alas. Eu não devia ter nenhum central no banco, já tinha os três a jogar, até porque tinha mais dois laterais no banco. Não conhecendo o treino, não conhecendo os jogadores que tenho, às vezes levantam-se questões para criticar. Olhando para o Shakhtar, tenho um grupo que me dá todas as garantias num sistema tático da forma como preparámos o jogo. Na parte final do jogo, o Pepe estava a fazer um cruzamento ao minuto 90 que quase dava um contra-ataque ao adversário. O Pepe é extremo? Não é. É ala? Não é. Mas aconteceu”, recordou ainda Sérgio Conceição.

Se a partida na Reboleira tinha sido “atípica” pela nova experiência tática abençoada pelo regresso do técnico ao banco após (longo) castigo e pelas duas lesões ainda no quarto de hora inicial que condicionaram aquilo que foi e podia ter sido o resultado final da aposta em termos exibicionais (no resultado foi sempre um 1-0 e três pontos, o mais relevante nesta fase de reformulação), o jogo em Hamburgo diante dos ucranianos iria mostrar até que ponto a solução poderia manter-se sem Marcano por alguns meses e Evanilson como maior referência ofensiva algumas semanas. Não manteve, até podia ter mantido. Naquela que foi a primeira vitória de Sérgio Conceição como técnico do FC Porto na primeira ronda da fase de grupos da Champions, aquilo que se viu foi uma equipa que se vai reinventar pelas dinâmicas e não pela tática, qualquer que seja. Porque não tem Uribe e Otávio, porque ganhou Varela e Ivan Jaime, porque criou um outro Galeno cada vez mais parecido com o produto refinado que saiu para o Liverpool chamado Luis Díaz. E ainda não “há” Pepê.

Ficha de jogo

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Shakhtar Donetsk-FC Porto, 1-3

1.ª jornada do grupo H da Liga dos Campeões

Volksparkstadion, em Hamburgo (Alemanha)

Árbitro: Daniele Massa (Itália)

Shakhtar Donetsk: Riznyk; Konoplya (Gocholeishvili, 76′), Rakitskiy, Lemkin (Azarov, 65′), Miroshi; Stepanenko (Bondarenko, 65′), Kelsy (Kashchuk, 65′), Nazaryna, Sudakov, Zubkov e Sikan (Eguinaldo, 81′)

Suplentes não utilizados: Rudko, Puzankov, Castillo, Kryskiv, Viunnyk, Ocheretko e Kozik

Treinador: Patrick van Leeuwen

FC Porto: Diogo Costa; João Mário (Jorge Sánchez, 73′), Pepe, David Carmo, Zaidu (Wendell, 46′); Alan Varela, Eustáquio; André Franco (Gonçalo Borges, 82′), Iván Jaime (Nico González, 73′), Galeno (Francisco Conceição, 90+1′) e Taremi

Suplentes não utilizados: Cláudio Ramos, Fábio Cardoso, Grujic, Romário Baró, Fran Navarro e Toni Martínez

Treinador: Sérgio Conceição

Golos: Galeno (8′ e 15′), Kelsy (13′) e Taremi (29′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a David Carmo (4′), Sikan (6′), Stepanenko (31′), João Mário (54′) e Konoplia (76′)

Com o regresso ao 4x2x3x1, com João Mário e Zaidu nas laterais com Pepe e David Carmo ao meio, a aposta em Eustáquio a jogar a frente (ou ao lado, mediante as necessidades da equipa) de Alan Varela e Ivan Jaime e André Franco mais móveis no apoio a Taremi com Galeno a abrir na esquerda, o FC Porto teve uma entrada como só tinha conseguido a espaços na receção ao Farense: pressionante, a jogar de forma vertical no meio-campo contrário, com zonas de pressão alta a surtirem efeito, a ter confiança em posse. Com isso, quase que de forma natural, chegou o primeiro golo da partida já depois de uma tentativa que saiu muito por cima de Eustáquio após apoio fontal de Taremi: recuperação de Alan Varela em zona adiantada, assistência de Taremi para o remate de André Franco, defesa incompleta de Rizkyk e recarga de Galeno na área (8′).

Apesar de não ser “aquele” Shakhtar que outrora conhecíamos face ao êxodo de todos os craques sobretudo brasileiros na sequência da guerra, a vantagem madrugadora era importante na ótica portista para assumir de outra forma o controlo da partida. No entanto, o FC Porto queria mais. E foi por querer mais e por jogar como se estivesse ainda a zero que sofreu o empate: Rakitskyy conseguiu derrubar as linhas de pressão dos azuis e brancos com um grande passe para o corredor direito onde Zaidu ficou depois em situação de 1×2, Konoplia foi à linha cruzar de forma milimétrica e o jovem venezuelano Kevin Kelsy confirmou todas as expetativas que estão a ser criadas à sua volta com um desvio de cabeça sem hipóteses para o aniversariante Diogo Costa (13′). Este era o momento que podia ter mudado tudo, este foi o momento em que o FC Porto mostrou que tinha mudado pelo menos neste jogo: Sikan, pressionado por João Mário, teve um passe temerário para o centro da defesa intercetado por Galeno e o disparo em corredor central fez logo o 2-1 (15′).

Se no primeiro golpe o Shakhtar ainda teve o jogo de cintura para se levantar e ir ao choque, após o 2-1 e até pela forma como o mesmo foi consentido funcionou como um murro no estômago que expôs as debilidades defensivas de um conjunto que sabe o que faz com bola mas que se tornou um passador pelos corredores laterais sem ser necessário convite. O FC Porto entendeu da melhor forma essa situação e, recuperando o seu melhor Taremi na versão “9,5” na frente e apostando na mobilidade no último terço, foi criando chances para aumentar a vantagem, algo que não aconteceu pouco depois porque Riznyk tirou o golo a Ivan Jaime num remate de meia distância (18′). O controlo da partida por parte dos azuis e brancos traria ainda assim frutos antes do intervalo e em mais uma grande combinação ofensiva a fazer a diferença pelas alas, com Jaime a combinar com Galeno na esquerda e o cruzamento a sair para o desvio de primeira de Taremi (29′). 

Com Wendell no lugar de Zaidu ao intervalo (o nigeriano pareceu sair com problemas físicos no final da primeira parte), o FC Porto tinha a vitória na mão frente a um Shakhtar que não perdeu a alegria de jogar mais tem intérpretes mais “tristes” para um nível como a Champions. Contudo, ainda foram os ucranianos a deixar o primeiro sinal de perigo do segundo tempo com Nazaryna a ganhar uma bola na área descaído na direita para rematar de primeira para defesa de recurso de Diogo Costa (49′). Essa seria uma imagem quase desvirtuada daquilo que seria a partida, com Riznyk a assumir o papel de protagonista em dois remates que levavam selo de golo de Eustáquio (53′) e André Franco (58′) travados com desvio para canto. O “final” da partida poderia estar em qualquer um desses lances mas o 3-1 que se mantinha adiava essa decisão.

A partida avançava com Sérgio Conceição a promover a estreia de Jorge Sánchez perante o desgaste físico de João Mário e a colocar Nico González como médio mais próximo de Taremi para manter a pressão em zona avançada sempre que o Shakhtar tentava sair a construir a partir de trás. Zubkov ainda teve uma tentativa encaixada sem grandes problemas por Diogo Costa (80′) mas o domínio era dos azuis e brancos, que ainda iam tentando espreitar possibilidades de saídas rápidas sempre com Galeno como principal referência mas com essa prioridade de gerir a vantagem e assegurar que os três pontos a abrir não iriam fugir. Foi isso que aconteceu. E se a segunda parte não deixou propriamente boas memórias à exceção dos 15 minutos iniciais, a exibição dos dragões na primeira parte mostrou a evolução de uma equipa que está a renascer.