“Mais do que alterar as normas — e isso é importante —, interessa-nos mudar a atitude com que se responde a este flagelo. Revemo-nos numa posição multidisciplinar, que assenta numa visão a montante, sobre os requisitos de entrada, e a jusante, no cumprimento das obrigações em território português. Temos memória e queremos que a sociedade esteja atenta, pois a forma como encaramos este problema diz muito sobre o país que somos e queremos ser”, reconheceu à agência Lusa o presidente do SJPF, Joaquim Evangelista.

O organismo lançará na próxima época um manual de entrada e acolhimento do jogador brasileiro, posteriormente replicável a outras das nacionalidades mais afetadas por esta realidade, e defende a criação de uma plataforma digital destinada à partilha de notícias, informação, legislação e jurisprudência, mecanismos de denúncia ou respostas sociais.

No documento, ao qual a Lusa teve acesso, o SJPF propõe também uma declaração de interesses dos agentes desportivos, que permita às entidades fiscalizadoras examinarem potenciais conflitos e perceberem as ligações diretas ou indiretas a negócios do futebol.

O envolvimento das autarquias, através da formação de agentes de prevenção local, em articulação com as respetivas associações de futebol e autoridades, e a dinamização de uma rede integrada de apoio ao nível da estadia, integração social e, se necessário, do repatriamento, perfazem o quinteto de medidas apresentadas por Joaquim Evangelista.

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“Constatamos que há uma ausência de articulação entre as várias entidades públicas e privadas. Ou seja, não há uma resposta cabal. Temos de ter a capacidade de não fechar os olhos à realidade. Isso aconteceu durante muito tempo por interesse próprio e, muitas vezes, com a cumplicidade de jogadores, treinadores e dirigentes. São fenómenos que acontecem, sobretudo, no interior do país e longe das grandes localidades”, enquadrou.

As propostas resultaram de “oito anos de trabalho” do SJPF, que foi denunciando “casos mediáticos” de tráfico humano, sendo que um dos últimos constituiu como arguidos três cidadãos e cinco sociedades, após buscas em junho a uma academia de futebol em Riba de Ave, no concelho de Vila Nova de Famalicão, que era detida pela empresa BSports.

“Estamos melhor do ponto de vista mediático. Ou seja, hoje já conseguimos mobilizar a comunidade. Agora, o problema tem raízes mais profundas do que o seu impacto público e precisamos de agir a esse nível estrutural. Não basta colocar o tema na ordem do dia aquando de uma infração ou do conhecimento público de um crime. Este assunto tem de estar na agenda recorrentemente e não o podemos olhar só de mês a mês”, ressalvou.

Na sequência da divulgação do ‘caso BSports’, a secretaria de Estado da Juventude e do Desporto criou um grupo de trabalho para debater medidas de combate, do qual faz parte a entidade de Joaquim Evangelista, cujas propostas foram “praticamente todas aceites”.

O SJFP foi convocado há dias para participar numa audição sobre o tema, requerida pelo grupo parlamentar do PS, na Comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto da Assembleia da República, que vai ter ainda a presença da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP), em data a designar.

No ano passado, a imprensa noticiou que o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) já tinha identificado mais de 250 jogadores vítimas de crimes de auxílio à imigração ilegal e tráfico de seres humanos desde 2017, no âmbito de inquéritos feitos junto de 58 clubes portugueses, tendo sido constituídos arguidos quase 100 indivíduos e pessoas coletivas.