É sempre ambicioso uma alcateia querer saltar mais alto do que um grupo de cangurus. A única maneira que os Lobos tinham para enfrentar os rivais no desejo de subirem de nível era os oponentes estarem feridos. Mas Portugal acreditava que, “com muita sorte”, tal como disse o selecionador nacional, Patrice Lagisquet, podia fazer frente à poderosa Austrália.

Os Wallabies chegavam na iminência de serem eliminados pela primeira vez na fase de grupos do Mundial fruto de prestações dececionante nos três jogos que antecederam o encontro com Portugal, o último dos australianos no grupo C. Depois das derrotas com o País de Gales e com as Ilhas Fiji e da vitória (sofrida) contra a Geórgia, a Austrália precisava de vencer Portugal marcando pelo menos quatro ensaios, o que fazia esperar uma entrada em estilo rolo compressor por parte da equipa duas vezes campeã do mundo.

“Quando o animal está ferido, ou mata ou morre. A situação deles pode ser nesse sentido. Ou estão acabados e vão facilitar neste jogo, ou estão feridos e querem salvar a sua honra e fazer um jogo para apagar o que fizeram para trás”, garantiu o treinador-adjunto de Portugal, Luís Pissarra, que era jogador quando, em 2007, os Lobos se apuraram pela primeira vez para o Mundial. “Ganhar à Austrália não é uma obrigação, mas também não tenho dúvida nenhuma do que vai no estado de espírito dos nossos jogadores, dentro do nosso grupo, é a motivação que temos para entrar para um jogo deste calibre”.

Os Lobos, alimentados a feitos históricos, ainda queriam que o Mundial lhes enchesse mais a barriga. O empate com a Geórgia “soube a pouco”, explicou o internacional português Raffaele Storti ao Observador. O ponta foi o autor dos dois ensaios que, por muito pouco, não serviram para dar a primeira vitória de sempre à equipa nacional no Campeonato do Mundo. As esperanças lusas ficaram presas no pontapé de Nuno Sousa Guedes que podia ter dado o triunfo no último instante.

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Apesar de tudo, a Austrália entrou no jogo com mais fome. Ben Donaldson marcou uma penalidade e deixou os Wallabies na frente. Portugal reagiu com aquela que é reconhecidamente a sua grande mais-valia: os três quartos. Nuno Sousa Guedes, Raffaele Storti e Rodrigo Marta progrediram como David’s contra Golias e levaram o ataque dos Lobos até zonas adiantadas. A imaginação do médio de formação Samuel Marques, abrindo brechas no muro com mãos de cirurgião, descobria com mestria os defensores australianos.

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Acabou por ser graças a uma abertura de Tomás Appleton até à ponta, onde esperava a bola Pedro Bettencourt, que Portugal conseguiu o ensaio e a reviravolta. No melhor pano caiu a nódoa. Pedro Bettencourt errou uma placagem e acabou por deixar a seleção nacional em inferioridade numérica durante dez minutos. Estava encontrado o momento do jogo.

Os australianos não são um povo pequeno, nem em altura, nem em largura. Os cidadãos que escolheram fazer do râguebi vida, não são exceção. Em Portugal não abundam jogadores desse tipo. Em todos os jogos do Mundial, os Lobos têm sofrido com o choque de avançados, mas foram os australianos quem mais capitalizou a superioridade física perante a seleção nacional. Num ápice, Richard Arnold, David Porecki e Angus Bell tornaram o resultado irrecuperável para os portugueses e deixavam os Wallabies perto do ponto bónus ofensivo que lhes permitia não serem eliminados.

Quando Portugal voltou a jogar 15 contra 15, o equilíbrio regressou ao campo. Nicolas Martins foi placado para fora da linha lateral a milímetros de chegar ao ensaio e esteve perto de dar nova alegria. O início de segunda parte foi penalizador. Fraser McReight marcou e, mesmo que Ben Donaldson tenha falhado a conversão, os Lobos ficavam ainda mais por baixo.

Apesar da desvantagem no marcador, os portugueses tentavam reentrar no jogo. No entanto, era o dia do quase. Mike Tadjer, numa altura em que a equipa comandada por Patrice Lagisquet se recusava a chutar aos postes nas penalidades, festejou um ensaio. Ainda assim, a revisão do lance ditou que o talonador nacional tinha soltado a bola antes de finalizar e, por isso, o lance foi anulado. Os australianos endureciam cada vez mais o encontro e, com isso, Matt Faessler e Samu Kerevi viram também eles o amarelo. Portugal teve a oportunidade de jogar com mais dois elementos, situação que não foi totalmente aproveitada. A equipa nacional não acabaria o jogo sem voltar a marcar. Rafael Simões deu nome ao esforço coletivo que empurrou a bola até à zona mais desejada.

As energias dos Lobos esgotaram-se aí e não sobrou oposição capaz para travar Marika Koroibete. No fim de contas, os jogadores portugueses encaixaram nova derrota, desta vez por 34-14.

A equipa com mais responsabilidade no encontro, a Austrália, acabou por somar cinco pontos e garantir o único objetivo que trazia para o encontro, garantir a sobrevivência no Mundial. Mas basta as Ilhas Fiji perderem por sete ou menos pontos contra Portugal na última jornada para os Wallabies serem eliminados na fase de grupos pela primeira vez na história.