O vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura (CSM) enquadrou esta sexta-feira a proposta governamental de revisão do estatuto dos funcionários judiciais num “pensamento dissolvente”, que recupera o “monstro burocrático nos tribunais” e viola o princípio de separação de poderes.

No discurso que encerrou o XVII Encontro Anual do CSM, o juiz conselheiro Luis Azevedo Mendes, que felicitou o Governo pelo programa de recuperação de edificado e equipamentos da Justiça recentemente aprovado, defendeu também que “as efetivas condições de trabalho dos tribunais dependem das estruturas de apoio”.

“Falar de ótimas condições de trabalho dos juízes e dos tribunais é falar de qualidade na organização. A qualidade necessita dum pensamento claro e não dum pensamento dissolvente”, disse.

Considerando o estatuto dos funcionários judicias “um eixo nuclear da orgânica do poder judicial” afirmou que deveria ter sido o primeiro dos diplomas a ser revisto no âmbito da reforma judiciária.

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“Não foi o primeiro e, pelo contrário, acaba por ser o último. Esperava-se, por isso, que ao menos fosse a cereja em cima do bolo. Porém, tendo em vista o projeto governamental de revisão que está neste momento em discussão pública, temo que possa ser uma cereja apodrecida que venha a contaminar todo o edifício reformador já erguido. O monstro burocrático nos tribunais, que se julgava quase enterrado, parece voltar a erguer a cabeça“, disse.

Numa avaliação muito crítica da proposta da tutela, descreveu-a como um projeto que “dissolve a carreira dos oficiais de justiça, afasta-os da estrutura de governação autónoma dos tribunais, torna-os indistintos no apoio aos juízes ou ao Ministério Público, burocratiza-os em cegueiras funcionais, retira-os da configuração de exercício de autoridade pública”.

Aponta ainda as alterações ao sistema de avaliação, que a tutela pretende que passe a ser feita com base no sistema SIADAP, dos funcionários públicos, e que o vice-presidente do CSM classificou como “completamente inapropriada e tantas vezes falseadora do reconhecimento do mérito”, criticando ainda a retirada da avaliação da alçada do CSM, como previsto na Constituição.

“O projeto dissolve ainda mais: enfraquece uma estrutura de assessoria aos juízes gerida autonomamente pelo CSM e pelos presidentes dos tribunais, estrutura prevista na Lei de Organização do Sistema Judiciário, e faz criar uma assessoria redundante, não desejada pelos tribunais, dependente do Governo da República, em clara ofensa da separação de poderes, na sua dimensão organizativa”, afirmou Luís Azevedo Mendes.

Considerando que “é necessário repensar o modelo” de estatuto que está em discussão, o vice-presidente do CSM adiantou que o conselho irá aprovar um parecer sobre a proposta da tutela no plenário de 07 de novembro, que “está em preparação adiantada”, e depois disso “o CSM não deixará de se envolver nas reuniões técnicas que venham a ter lugar para apuramento das soluções desejáveis”.

Luís Azevedo Mendes referiu-se também ao estudo sobre burnout entre juízes, esta sexta-feira apresentado no encontro na Covilhã, afirmando que “não pode deixar de ter importantes consequências internas”, visto que “com ele fica destapado um enorme problema, o do desgaste profissional”, que “prejudica enormemente a qualidade do sistema”, mas sublinhou que está já implementado um “serviço de medicina do trabalho em todos os tribunais”, que procura prevenir riscos de saúde como o burnout.

“Procuraremos racionalizar o trabalho dos juízes, recorrendo a medidas de gestão compatíveis e facilitadoras, ainda que não possamos contar com uma revisão do mapa judiciário mais focada em ajustamentos flexíveis como já pedimos”, disse.

O XVII Encontro Anual do CSM decorreu entre quinta-feira e esta sexta-feira na Covilhã e discutiu os ‘Tribunais e Direitos Fundamentais”. O de 2024 será em Vila Real.