Com visíveis dificuldades de movimento, o antigo presidente do Banco Espírito Santo chegou ao Tribunal Central Criminal de Lisboa, ao lado dos seus advogados, Francisco Proença de Carvalho e Adriano Squilacce, e da sua mulher, Maria João Salgado. Mas esteve dentro da sala de tribunal durante cerca de dez minutos.
“Peço desculpa, mas perdi a audição”, disse Ricardo Salgado ainda antes de a juíza Ana Paula Rosa começar a fazer a respetiva identificação. Respondeu às perguntas sobre o seu nome, nome dos pais, idade, profissão, mas teve algumas dificuldades quando foi questionado sobre a morada. “Tem de perguntar à minha mulher”, disse Salgado.
No entanto, a defesa não permitiu que a sessão continuasse quando a juíza Ana Paula Rosa perguntou ao ex-banqueiro se reconhecia Manuel Pinho, sentado atrás de si, e se sabia que o antigo ministro da Economia e a sua mulher eram também arguidos neste processo. “O meu cliente, como sabe, está diagnosticado com a doença de Alzheimer. Em defesa da dignidade humana do dr Ricardo Salgado, esta defesa não vai aceitar que ele preste mais declarações. Temos de defender a dignidade dele”, disse Francisco Proença de Carvalho, considerando que o coletivo estava já a fazer perguntas a Ricardo Salgado, ainda antes de saber se este queria prestar declarações.
O julgamento deverá terminar em março e, até lá, Ricardo Salgado, não voltará ao tribunal:
– Sabia que o julgamento já começou há algum tempo?
– Imagino que sim.
– Então, segundo os seus advogados, não vai prestar declarações e o tribunal respeita. Mas permitiu e permite que o julgamento continue na sua ausência?
– Com certeza.
Ainda sobre a dignidade humana, e já à saída do tribunal, Francisco Proença de Carvalho voltou a dizer que Ricardo Salgado, “muitas vezes, não sabe em que dia é que está, perde-se em casa e, muitas vezes, não sabe o nome de familiares próximos”. “Não é só na defesa da dignidade humana dele, é na defesa da história dele e da dignidade da Justiça portuguesa. Ele não pode, obviamente, esclarecer com a mínima consistência o que quer que seja num processo com esta complexidade”, acrescentou o advogado, referindo ainda que a Justiça “tem de decidir se quer uma justiça digna, que se serve do princípios dos direitos humanos, que está adstrita, no fundo, às convenções internacionais do direitos humanos, uma justiça democrática, uma justiça em que as pessoas têm verdadeiramente direito a um processo justo e equitativo”.
Não é preciso uma perícia, não é preciso ser advogado, nem ser jornalista para chegar à conclusão do óbvio. E é isso que a defesa defende, é o óbvio. Se a Justiça portuguesa continuar a comportar-se da maneira mais indiferente a esta situação, o Estado português será, de certeza, condenado no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Não tenho dúvidas de que, mais tarde ou mais cedo, a Justiça portuguesa será digna da sua história humanista e democrática.”
A defesa do ex-banqueiro ainda chegou a pedir uma nova perícia neurológica — além das duas perícias médico-legais já conhecidas e que confirmam o diagnóstico da doença de Alzheimer –, mas o tribunal rejeitou o pedido e convocou Salgado para se apresentar esta sexta-feira em tribunal. Para esta sexta-feira estavam também previstos os testemunhos dos peritos responsáveis pelas perícias, mas essas declarações serão feitas apenas daqui a duas semanas, no dia 20 de fevereiro.
Manuel Pinho está acusado pelo Ministério Público de dois crimes de corrupção passiva, um deles para ato ilícito, um crime de branqueamento de capitais e outro crime de fraude fiscal e o tribunal decidiu manter todos os crimes, tal como constam na acusação. Sobre Alexandra Pinho recaem os crimes de branqueamento de capitais e de fraude fiscal — os dois em co-autoria material, em concurso efetivo, com o ex-marido. Já Ricardo Salgado chega a julgamento acuso de um crime de corrupção ativa para ato ilícito, outro de corrupção ativa e ainda um de branqueamento de capitais.
Segundo o Ministério Público, Manuel Pinho terá sido corrompido por Ricardo Salgado, na altura em que era o responsável pela pasta da Economia no Governo de José Sócrates, e terá recebido uma avença mensal de 14.963,94 euros através da sociedade offshore Espírito Santo Enterprises — o conhecido saco azul do Grupo Espírito Santo (GES). No total, o antigo ministro da Economia terá recebido um total de 3,9 milhões de euros do GES e Ricardo Salgado terá dado ordem para efetuar esses pagamentos. O objetivo do ex-líder do BES seria favorecer, alegadamente, o grupo da família, nomeadamente na aprovação das herdades da Comporta e do Pinheirinho como “Projeto de Interesse Nacional”.