“Não digo a palavra T”, repetiu, várias vezes esta terça-feira, Manuel Pinho, na primeira sessão de julgamento do caso em que é um dos três arguidos. Depois de dois adiamentos, devido à greve dos funcionários judiciais, a primeira sessão do julgamento de Manuel Pinho, Ricardo Salgado e Alexandra Pinho aconteceu, finalmente, esta terça-feira. E “trapalhada” foi a palavra usada pelo antigo ministro da Economia para classificar a acusação do Ministério Público, que lhe imputa os crimes de corrupção e branqueamento de capitais, mas a juíza Ana Paula Rosa corrigiu Manuel Pinho, que passou então a referir-se à acusação com “a palavra T”.

Tal como aconteceu nas sessões anteriores, que não se realizaram, Manuel Pinho chegou ao tribunal pouco depois das 9h, ao lado de Alexandra Pinho. E os dois quiseram prestar declarações, começando a falar o antigo ministro.

– O que pretende dizer ao tribunal? 

– É a primeira vez que me posso defender. É a primeira vez que estou presente em tribunal, não conheço os ritos, peço a vossa compreensão. O dia de hoje é um dia muito importante para mim, porque é a primeira vez que me vou poder defender, depois de 12 anos e investigação. Acreditem que estar sob investigação durante 12 anos é uma coisa muito dura e ninguém se sente confortável. Estamos perante  um caso que assenta num equívoco. O equívoco é: em vésperas de ter sido nomeado ministro, em março de 2005, ter feito um pacto criminal com o doutor Salgado. Esse pacto é falso e não tem nexo. É falso, porque não existe a mínima prova material que ele tenha existido. Não tem nexo, porque nós, pegando nesse pacto criminal, e fazendo as contas, o que é que resulta? Se fosse verdade, teria aceite um prejuízo colocasse, em vez de um beneficio. Ninguém faz um pacto para se prejudicar. A verdade é que não há esse pacto criminal, mas existe um acordo que estipula que existe um valor contratual. Esse acordo foi celebrado em março de 2004, quando era impossível prever as mudanças do país — nomeação de Santana Lopes, demissão de Santana  Lopes. O verdadeiro acordo que existe não é de 2005

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– Porque é que não declarou esses valores?

– Essa pergunta é muito importante. O BES simplesmente tinha um mau hábito, que era de pagar complementos de salário no estrangeiro. Ou recebia um valor extremamente baixo, ou recebia um valor próximo da concorrência. 

– Foi uma imposição do banco? É a justificação pela qual não declarou rendimentos? 

– Absolutamente. Para mim e para todos os quadros BES na mesma circunstância. Era uma má prática generalizada, que se aplicou comigo e com dezenas de quadros superiores.

E a propósito deste acordo, Manuel Pinho, desviando-se do tema, o que fez várias vezes durante a sessão, quis sublinhar que “o doutor Salgado ficou com fama de ‘ddt’, de dono disto tudo, mas não era assim tão ddt como isso”. E justificou: “O grupo BES teve pretensões de voltar à Galp como acionista. Foi recusado pelo Governo, pelo Ministério da Economia. Depois, o BES tornou-se acionista da EDP com um propósito claro — ter mais valias numa operação –, e o Governo não deixou”.

Voltando a desviar o assunto, a chorar, o antigo ministro da Economia disse querer fazer uma “declaração de amor” a Alexandra Pinho, sentada na sua diagonal. “A Alexandra é uma mulher extraordinária, fez a sua carreira profissional independente, formou-se numa das melhores universidades. A Alexandra deixou tudo por mim e ver todos os dias o sofrimento em que ela está é insuportável.”

“A luta pelos direitos das mulheres está longe de estar concluída”, acrescentou, para recusar a acusação do MP a Alexandra Pinho. Logo a seguir, Manuel Pinho volta ao tema para justificar que não se lembra daquilo que fez em 2005 e garante que ninguém, dentro desta sala, se lembra daquilo que fez. E deu um exemplo, com “uma pergunta para homens”: “Quem é que ganhou o campeonato em 2005?”

Nas primeiras alegações, o Ministério Público voltou a fazer um resumo da acusação, que tem mais de 500 páginas e lembrou o seu objetivo neste julgamento: “Provar que quando Manuel Pinho vai exercer funções como ministro faz um acordo com Ricardo Salgado para manter-se ao serviço do Grupo Espírito Santo”. Por várias vezes, o procurador do MP Rui Batista sublinhou  que “Manuel Pinho manteve-se ao serviço do Banco Espírito Santo” enquanto ministro do Governo de José Sócrates e já depois de ter saído do cargo público.

“MP e DCIAP construíram uma acusação com base em notícias”

Ricardo Salgado não esteve presente e, das três defesas, o advogado do antigo presidente do BES foi o mais rápido na sua intervenção. Se, por um lado, elogiou o tribunal por aceitar realizar uma perícia a Ricardo Salgado, por outro lado, criticou o Ministério Público, considerando que “o MP e o DCIAP construíram uma acusação com base em notícias”. “É uma pisadela em tudo aquilo que aprendemos no curso de Direito”, acrescentou Francisco Proença de Carvalho.

O antigo ministro e a sua mulher assistiram ao julgamento, sentados lado a lado. E, logo no início da sessão, a defesa de Manuel Pinho fez questão de sublinhar que, “na história da democracia portuguesa, é a primeira vez que um ministro do Governo está a ser julgado por um crime de corrupção”. Sá Fernandes lembrou ainda o tribunal do arrependimento manifestado já por Manuel Pinho: “Num exercício de humildade disse que está arrependido do facto de ter participado nesta prática. O doutor Manuel Pinho assume que está arrependido de o ter feito e esse ponto tem de ser absolutamente claro”, disse ainda, acrescentando que “Manuel Pinho está em condições de demonstrar que não foi corrompido”.

Manuel Pinho está acusado pelo Ministério Público de dois crimes de corrupção passiva, um deles para ato ilícito, um crime de branqueamento de capitais e outro crime de fraude fiscal e o tribunal decidiu manter todos os crimes, tal como constam na acusação. Sobre Alexandra Pinho recaem os crimes de branqueamento de capitais e de fraude fiscal — os dois em co-autoria material, em concurso efetivo, com o ex-marido. Já Ricardo Salgado chega a julgamento por dois crimes de corrupção ativa e um crime de branqueamento de capitais.

Já Magalhães e Silva, advogado de Alexandra Pinho, considerou que a arguida “é julgada neste processo por ser mulher do seu marido” e que, mesmo “tendo a senhora características profissionais, mesmo tendo a senhora um passado profissional próprio”, o Ministério Público acusa Alexandra Pinho de favorecimento na atribuição da coordenação da coleção BES Arte.

Caso EDP: Ministério Público pede que todos os arguidos sejam levados a julgamento

Segundo o Ministério Público, Manuel Pinho terá sido corrompido por Ricardo Salgado, na altura em que era o responsável pela pasta da Economia no Governo de José Sócrates, e terá recebido uma avença mensal de 14.963,94 euros através da sociedade offshore Espírito Santo Enterprises — o conhecido saco azul do Grupo Espírito Santo (GES). No total, o antigo ministro da Economia terá recebido um total de 3,9 milhões de euros do GES e Ricardo Salgado terá dado ordem para efetuar esses pagamentos. O objetivo do ex-líder do BES seria favorecer, alegadamente, o grupo da família, nomeadamente na aprovação das herdades da Comporta e do Pinheirinho como “Projeto de Interesse Nacional”.