Tal como acontece em todos os mercados em constante evolução, os recordes de números, valores e investimentos no futebol feminino têm sido quebrados ano após ano. Em janeiro, o Chelsea contratou Mayra Ramírez ao Levante por 450 mil euros mais 50 mil por objetivos. Aquilo que ninguém esperava, porém, era que o estatuto da avançada colombiana como jogadora mais cara de sempre durasse tão pouco.

Esta terça-feira, o Bay FC dos Estados Unidos anunciou a contratação de Racheal Kundananji ao Madrid CFF por 735 mil euros mais 65 mil por objetivos — ou seja, o negócio total pode atingir os 800 mil euros, número redondo que apaga por completo o recorde de Mayra Ramírez e torna a avançada da Zâmbia na jogadora mais cara de sempre. Aos 23 anos, a jogadora assinou até 2027 com a opção de renovar por mais uma temporada e tornou-se desde logo uma das atletas mais bem pagas do mundo, encaixando 2,3 milhões de euros por ano.

Internacional pela Zâmbia em 18 ocasiões — esteve no último Mundial, o primeiro em que a seleção africana participou, e marcou um golo na primeira vitória de sempre, contra a Costa Rica –, Racheal Kundananji estava no Madrid CFF desde 2022 e marcou 34 golos pelos espanhóis, que ocupam atualmente o 4.º lugar da Liga F. Os primeiros toques na bola, porém, aconteceram ainda em África: quando aproveitava o facto de a mãe estar a trabalhar nas minas para mentir, dizer que ia a casa de uma amiga, e ficar na rua a jogar futebol com os rapazes.

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A mentira depressa foi descoberta e a jogadora teve de contar a verdade à família, pedindo para integrar uma verdadeira equipa de futebol. Trocou as bolas feitas com plástico e sacos de farinha pelo Indeni Roses e em 2019 deu o primeiro grande salto quando saiu da Zâmbia para ir jogar no BIIK Kazygurt, a principal equipa feminina do Cazaquistão. Aos 18 anos, depois de crescer a idolatrar Didier Drogba e Frank Lampard enquanto adepta do Chelsea, mudou a vida toda para perseguir um sonho.

E correu bem. Em 2022, com a alavanca de também já ter estado na CAN e nos Jogos Olímpicos, assinou pelo Eibar e entrou no futebol espanhol. Marcou oito golos em 21 jogos, ficou apenas uma temporada e saltou para o Madrid CFF. Pelo meio, porém, atravessou o período mais complicado da carreira: em conjunto com outras três colegas, incluindo Barbra Banda, não passou nos testes de verificação de género, registando valores de testosterona superiores ao permitido pela Confederação Africana de Futebol. A situação foi considerada uma “violação clara dos direitos humanos” pela Human Rights Watch, mas a verdade é que tanto Kundananji como as outras três colegas foram mesmo impedidas de disputar a CAN desse ano e assistiram aos jogos a partir da bancada.

Agora, dois anos depois, é a jogadora mais cara de sempre — e confessou que nem sequer explicou à mãe o que se estava a passar. “Disse-lhe só que tinha assinado um novo contrato e que existia algo muito grande a aparecer, mas não lhe contei sobre o facto de ser a mais cara de sempre. Queria que fosse uma surpresa. A minha mãe é a minha maior influência, aprendi muito com ela, a trabalhar muito e a nunca desistir de nada. Se és bom em alguma coisa precisas de perseguir esse sonho”, explicou em entrevista à BBC.

“As minhas colegas em Madrid têm sido a minha família e foi muito difícil para mim tomar esta decisão. Mas não vou colocar-me sob pressão. O meu objetivo é continuar o que comecei em Madrid e alcançar voos maiores. Nunca vou desistir. Se desistir, estarei a desiludir as jovens raparigas que me enviam mensagens a perguntar conselhos sobre como retirar o melhor delas próprias”, acrescentou, sublinhando essa intenção de se tornar um verdadeiro exemplo para as jogadoras africanas.

Ao assinar pelo Bay FC, Racheal Kundananji tornou-se assim a primeira africana de sempre, homem ou mulher, a quebrar um recorde de transferências no futebol. O clube de São Francisco vai entrar na NWSL dos Estados Unidos na próxima temporada e é uma equipa estreante, já que ficou com uma das duas vagas de expansão da liga, e para além da avançada contratou Jen Beattie ao Arsenal, Deyna Castellanos ao Manchester City e Asisat Oshoala ao Barcelona.

A mudança com Harder, a declaração de intenções com Russo, a confirmação com Mayra: como o mercado de transferências feminino está a crescer