A nova peça da Comuna Teatro de Pesquisa intitula-se 23 segundos e centra-se em cinco presos políticos, que se conhecem, na primeira metade dos anos 1950, numa cela comum, e estreia-se na quinta-feira, em Lisboa.

Dirigida por João Mota, 23 segundos é um texto inédito, baseado em factos verídicos, da autoria de Miguel Falcão, um jovem dramaturgo que João Mota, diretor artístico da companhia sediada na Praça de Espanha, em Lisboa, conhece desde que o autor foi seu aluno na Escola Superior de Teatro e Cinema, disse João Mota, em entrevista à Lusa.

Quando se assinalam 50 anos do 25 de Abril e 52 da fundação da companhia, “nada melhor” para festejar os dois aniversários do que “uma peça portuguesa, de um jovem autor, que fala de uma coisa importantíssima”.

A peça fala da ditadura do Estado Novo e dos tempos que antecedem o 25 de Abril, observou João Mota, acrescentando tratar-se de uma época que a Comuna “sabe muito bem como é que foi”, já que tem mais dois anos do que o 25 de Abril de 1974.

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“Falamos muito do 25 de Abril, às vezes, mas esquecemos o que foi antes”, ou “toda a gente sabe o que foi o fascismo e Salazar, mas esquecem-se dos que lutaram mesmo muito contra a ditadura” do Estado Novo, frisou.

Dos homens e mulheres que tiveram de fugir de Portugal fala-se – “o que aconteceu ao próprio Mário Soares, que teve de se ir embora” – mas sobre os que ficaram e lutaram “pouco se fala”, considerou o encenador.

Homens e mulheres “presos e torturados” por motivos tão simples como pertencerem a um sindicato ou estarem a ouvir uma rádio proibida. Motivos tratados em 23 segundos, que “relata uma fuga, com dados pessoais dos presos”.

Sem especificar a cadeia do Forte de Peniche, porque não pode “esquecer a das Caldas da Rainha, o Aljube, em Lisboa” ou “o Tarrafal, em Cabo Verde”, João Mota sublinhou ainda a importância de o texto pôr em palco cinco presos políticos, todos com personalidades e histórias de vida diferentes.

Um membro de um partido político, um mineiro, um preso por ter lido poesia, outro por ter ouvido uma estação de rádio proibida, e outro que depois de enviuvar fez parte de uma greve onde os manifestantes seguravam um letreiro onde se lia “Fome, fome” são os cinco protagonistas da peça.

Dois guardas e uma narradora, neta de um dos presos da peça e que vai recordando o que ouviu o seu avô contar sobre o tempo de cárcere, no início dos anos 1950, completam as personagens de 23 segundos.

A ação de 23 segundos passa-se em flashback e, à medida que a narradora se vai lembrando das histórias que o avô lhe contava, desfia-as em palco.

A juntar à memória da neta, “que ainda hoje vive com a sombra e o peso do que o avô lhe contava”, somam-se fotografias que retratam os momentos para o qual se reporta a ação, disse João Mota.

“As poucas memórias que existem hoje nos mais jovens de antes do 25 de Abril é de que mais de três pessoas não podiam juntar-se a falar, havia licença para uso de isqueiro e quem não a tinha e fosse apanhado era preso, no teatro não tínhamos liberdade e havia uma censura enorme… Mas ninguém fala dos presos”, enfatizou João Mota.

Ninguém fala “daquelas mulheres e dos homens. Não foram só homens, que lutaram e que morreram para acontecer o 25 de Abril através das armas”, observou, sublinhando que a ação da peça remete para os anos 1954/1955.

“E se não houvesse essa luta, que já vinha antes da Guerra Colonial… Já havia esse fermento que alimentava a hipótese de deitar abaixo uma ditadura”, sublinhou.

A luta das mulheres e o sofrimento dos familiares dos presos políticos é outro dos temas transversais à peça que fala da morte de uma mulher, que é presa e que morre às mãos dos torturadores.

“E os sogros culpam o marido dela pelo que aconteceu à filha, impedindo o genro de [voltar a] ver o filho. E a neta está carregada com isso”, frisou João Mota.

João Mota insistiu que é “preciso não branquear a história nem deixar apagar a memória”.

“Foi assim que a ditadura já cá estava há 48 anos, e deixou bastantes marcas. As pessoas esqueceram isso e esta peça serve para lembrar. Para não esquecer”, concluiu o ator e encenador que, a meses de completar 82 anos, faz questão de frisar que viveu 31 deles em ditadura, “a que não quer regressar”.

Em cena até 16 de junho, 23 segundos é a 159.ª produção da companhia de Teatro da Comuna.

A estreia está marcada para as 21h00 e o espetáculo terá récitas à quarta e quinta-feira, às 19:00, à sexta-feira e ao sábado, às 21h00, e, ao domingo, às 16h00.

A interpretar estão Hugo Franco, Gonçalo Botelho, Paulo Lajes, Rogério Vale, Francisco Almeida, Miguel Sermão, Carlos Catalão e Maria Ana Filipe. Com assistência de encenação de Patrícia Neves, 23 segundos tem desenho de luz de Paulo Graça.