O advogado Paulo Saragoça da Matta considera que “houve um tratamento correto” da parte do Ministério Público (MP) ao aceder ao pedido de audição de António Costa no inquérito extraído da Operação Influencer. Mas que por “haver uma grande pressão pública” e por “se tratar de quem é”, é que o MP “determinou que fosse ouvido nesta data”, afirmou no programa Justiça Cega da Rádio Observador.
Tudo porque, diz o experiente penalista, “há situações que sabemos que as pessoas são tidas como suspeitas durante anos e anos e nem a pedido, nem a requerimento, isso acontece”. Daí que reafirme que a decisão de ouvir o ex-primeiro-ministro menos de dois meses depois do pedido original “é o correto” e representa “uma melhoria da prática e, neste sentido, fico feliz por ver que a prática melhora”.
“Vamos ver se melhora também nos casos em que o Zé Manuel da Esquina tem de ser ouvido num processo de burla vulgar”, enfatiza Paulo Saragoça da Matta.
O cuidado do MP e a prática regular de entrar como testemunha e sair como arguido
Questionado sobre se estávamos perante uma evolução por parte do MP na análise dos indícios reunidos contra António Costa — que, como Observador noticiou em primeira mão assentam no alegado crime de prevaricação —, o conhecido penalista não quis retirar nenhuma conclusão do facto de Costa não ter sido constituído arguido.
“Penso que esteja a haver um enormíssimo cuidado pelos passos que são dados num processo altamente sensível, sabemos que a pessoa que estamos a fazer referência é um ex-primeiro-ministro. A lógica é não constituir arguidos porque estaria a dar um recado de que as suspeitas são fortes… E, se calhar, as suspeitas não são tão fortes que justifiquem isso. Portanto, faz todo o sentido ouvir primeiro como testemunha”, argumenta Saragoça da Matta.
Sendo certo, contudo, que é normal que um determinado suspeito comece a diligência como testemunha e, a meio ou no final da mesma, seja constituído como arguido. “Isso já aconteceu variadíssimas vezes com clientes meus. Até diria mais: o procurador em certas circunstâncias não só pode, como tem o dever e a obrigação de constituir como arguido, porque se continuar a ouvir a pessoa sem o estatuto de arguido e sem lhe anunciar os seus direitos, a tomada de declarações pode ser absolutamente inválida”, explica.
De uma coisa não há dúvida: todas as declarações de António Costa feitas durante a diligência que durou uma hora e meia nas instalações do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) poderão ser utilizadas nos autos da Operação Influencer — que, enfatize-se, é um processo autónomo daquele que visa o ex-primeiro-ministro.
Enfatizando que não conhece os autos em causa, Saragoça da Matta explica em abstrato que o “MP recolhe indícios e provas” que podem assumir, por exemplo, uma forma documental ou qualquer outro meio de prova, como um depoimento feito por uma testemunha. Todas as provas e indícios recolhidos “vão ser usados para a demonstração da narrativa da investigação”.
Logo, o testemunho de António Costa tanto pode ser prova que, em abstrato, pode “beneficiar uns arguidos e prejudicar outros. É possível acontecer”, conclui o causídico.