O fim da possibilidade de os imigrantes se regularizarem em Portugal a partir de um visto turístico é contestado pelas associações de indianos e bengalis em Portugal, que se queixam de uma decisão discricionária e abrupta.
“Não deram tempo sequer a quem já cá está para tratar dos seus papéis”, considerou o presidente da associação Casa da Índia, Shiv Kumar Singh.
O fim da apresentação das manifestações de interesse — uma solução jurídica que permitia um estrangeiro em Portugal comunicar às autoridades que tinha perspetivas de trabalho e queria regularizar-se como imigrante — foi anunciado no dia 3 e entrou em vigor no dia seguinte.
Desde então qualquer novo pedido de manifestação de interesse é recusado, mesmo que o requerente já esteja em Portugal.
O Governo quer que os imigrantes iniciem o processo nos consulados e embaixadas portuguesas antes de chegarem a Portugal, uma medida que preocupa em particular aqueles cujos países não têm qualquer representação diplomática portuguesa.
“Andamos há dez anos a pedir uma embaixada ou um consulado, mas nunca conseguimos”, desabafou Alam Kazoi, dirigente da Comunidade Bangladesh do Porto.
Existem em Portugal cerca de 70 mil imigrantes do Bangladesh, mas Alam Kazoi teme que os problemas se agravem.
“Como é que vai ser possível termos um contrato de trabalho para vir para cá?”, questiona, recordando que a manifestação de interesse foi a solução possível em 2017 para legalizar os milhares de imigrantes em situação irregular.
“Sem imigrantes, Portugal não funciona“, afirmou o dirigente. “Todos os dias há procura de gente para trabalhar e não há. Como é que querem resolver?”.
Agora, para tratar de papéis, para cumprir as alterações à lei de estrangeiros, os cidadãos do Bangladesh terão de viajar 1.800 quilómetros até Nova Deli, o consulado mais próximo de Daca.
“Vamos gastar dois mil euros para fazer o pedido de visto e outros dois mil euros para ir buscar o documento”, afirmou Alam Kazoi, que critica a medida do Governo.
O dirigente da Casa da Índia concorda com as críticas. “Acabar de vez com a manifestação de interesse não parece uma boa ideia, porque muita gente já estava cá e ainda não tinha tratado dos documentos”, salientou, recordando que a decisão do Governo foi diferente noutros casos, como os vistos gold.
“Nessa situação, foi dado um prazo a partir do qual não se aceitava mais vistos gold. Não foi de uma vez”, afirmou.
O caso dos imigrantes indianos é particularmente sensível porque “muitos estão em situações fragilizadas“, já que vieram através de “intermediários e agentes que prometeram tudo pronto e as pessoas já pagaram todo o dinheiro que tinham”.
E são essas pessoas “que já são exploradas e vulneráveis” que, “de um dia para o outro”, ficam sem soluções, explicou o dirigente da associação mais representativa da comunidade indiana em Portugal.
A manifestação de interesse “era a única solução” para quem chegava a Portugal, mas acabava por ser também “um instrumento de exploração dos migrantes”, porque as pessoas vinham sem qualquer conhecimento prévio da realidade portuguesa e ficavam nas mãos de redes.
No entanto, “acabar de vez ou de repente não é a solução ideal”, sublinhou.
“O Governo deveria ter ponderado bem e deveria ter falado com as associações que trabalham com os migrantes, como nós”, acrescentou, recordando que a Casa da Índia nunca foi contactada sobre estas alterações legais.
Shiv Kumar Singh criticou também o tratamento diferenciado entre imigrantes, com os da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa [CPLP) a poderem entrar, graças ao acordo de mobilidade.
“Não há igualdade dos direitos dos migrantes” e criaram-se “classes de cidadãos”: os nacionais, os da CPLP e os restantes, afirmou, recordando que as taxas pagas pelos processos também refletem essa discricionariedade, com valores a oscilarem entre os 30 e os 400 euros, dependendo da nacionalidade do requerente.
Para o futuro, o Governo prometeu investir nos consulados para apoiar os pedidos de vistos de trabalho e já anunciou que Nova Deli será um dos locais escolhidos, mas a medida não convence Shiv Kumar Singh.
“Vamos ver, mas não vejo como é possível dar resposta”, concluiu.