Se a capacidade de mistificação pagasse imposto, o grego Yorgos Lanthimos estava sobretaxado. É impressionante (ou talvez não) como o autor de A Lagosta e O Sacrifício de um Cervo Sagrado consegue continuar a fazer passar a impressão, junto de uma boa fatia da crítica internacional, de que é um realizador talentoso e original, diferente e arrojado, com coisas importantes, urgentes e profundas para comunicar, a ser selecionado para competir nos maiores festivais de cinema do mundo e a sair de lá com prémios. Parafraseando Abraham Lincoln, Lanthimos é o exemplo de que é possível enganar muita gente durante muito tempo.
Depois do inenarrável Pobres Criaturas, Yorgos Lanthimos inflige-nos agora Histórias de Bondade, um título de uma ironia pueril, porque bondade é coisa de que não há rasto nas três histórias que compõem o filme, onde o realizador continua a exercitar a sua misantropia grosseira, reiterativa e pseudo-“chocante”, o equivalente cinematográfico de uma criança que não pára de dizer palavrões e exibir as partes genitais para incomodar os adultos à sua volta. Mas em vez de inquietar, intrigar ou escandalizar o espectador, Lanthimos só consegue mesmo é chateá-lo poderosa e profundamente.
[Veja o “trailer” de “Histórias de Bondade”:]
Escrito com Efthemis Filippou, que colaborou com o realizador nos argumentos de Canino (com o qual Histórias de Bondade tem alguns pontos de contacto) até O Sacrifício de um Cervo Sagrado, e rodado nos EUA, este novo filme é formado por um trio de episódios de atmosfera bizarro-absurda pincelada de fantástico, unidos pelo tema do controlo absoluto, humilhante ou doentio de umas personagens por outras e a mais completa subjugação do livre arbítrio. São interpretados pelos mesmos atores (com destaque para Emma Stone, Jesse Plemons, Willem Dafoe, Margaret Qualley e Mamoudou Athie), que desempenham papéis diferentes, e principais ou secundários, em cada um deles.
Dominado por um niilismo gratuito e pretensioso muito na moda, um cinismo superficial, uma crueldade entediante de tão insistentemente martelada, um humor negro baço, uma completa atonia emocional e uma visão “desencantada” da natureza humana pronta-a-servir aos mais néscios e facilmente impressionáveis, Histórias de Bondade parece um Black Mirror do pobre transposto para cinema. Yorgos Lanthimos não abdica da sua cansativa obsessão pela grande angular e carrega o filme com interlúdios a preto e branco extravagantes passados num mundo onde cães e homens trocaram de lugar, e música atonal-repetitiva massacrante. É tortura sob forma cinematográfica, a exigir uma intervenção rápida da Amnistia Internacional.
[Veja uma entrevista com o realizador:]
Willem Dafoe repete o seu número de monstro de rosto humano e falinhas mansas, Emma Stone é reduzida a fazer felações a um cassetete da polícia e a cortar um dedo e o fígado para os servir com batatinhas ao marido, e Jesse Plemons parece um clone medíocre e encardido de Philip Seymour Hoffman (mesmo assim, foi premiado em Cannes este ano por este triplo papel…). Lanthimos patinha no vazio e tudo nele é pose provocadora infantilóide e armada ao pingarelho de “transgressora”. O seu cinema é fake da cabeça aos pés, do genérico de abertura à ficha técnica final. Alguém escreveu a propósito de Histórias de Bondade que “não há ninguém a filmar como ele hoje”. Ainda bem, acrescento eu.