Não se percebeu ao certo o que saiu da boca de Marcelo Rebelo de Sousa, a ideia estava lá. Quando Fernando Pimenta falava (de novo) aos jornalistas, desta vez agarrando de forma delicada com os dois braços uma das bandeiras entregues aos porta-estandartes da Missão de Portugal nos Jogos Olímpicos de Paris, o Presidente da República passou por trás do canoísta e cumprimentou-o outra vez com um abraço de costas. “Mais um”, atirou em relação a novo cumprimento. “Mais uma”, lançou quase como se fosse um repto. Afinal, entre um currículo sem paralelo no desporto nacional, o atleta de Ponte de Lima que ainda sonha com um ouro na principal prova global pode tornar-se o primeiro português com três pódios nos Jogos. Falta “mais uma”.

Ainda assim, e para já, existe essa estreia. Fernando Pimenta foi o atleta masculino escolhido para ser pela primeira porta-estandarte, algo que acontecera apenas por uma vez mas nos Jogos Europeus. A nomeação que se seguiu foi a de Ana Cabecinha, dos 20km marcha. Aos 40 anos, e apenas dois meses depois de ter sido mãe, a alentejana estará nos seus quintos Jogos, onde já conseguiu três diplomas com o oitavo lugar em Pequim-2008, a oitava posição em Londres-2012 e o sexto posto no Rio-2016 (em Tóquio foi 20.ª). De recordar que, no Japão, Telma Monteiro e Nelson Évora tinham sido os escolhidos, sucedendo ao velejador João Rodrigues em 2016… e aos próprios: a judoca foi a escolhida em 2012, o saltador em 2008.

Esta foi a grande notícia num dia que começou no Picadeiro Real do Museu Nacional dos Coches, em Belém, onde o Comité Olímpico de Portugal juntou todos os atletas e demais técnicos para uma refeição antes de fazer a apresentação oficial da Missão com uma pequena introdução do chefe de Missão, Marco Alves. “Paris está perto em termos temporais e em termos físicos mas o contexto europeu também complica. Se é fácil chegar a Paris, não devemos desperdiçar a oportunidade. Vivemos um contexto geopolítico difícil, todos os conflitos serão projetados na prova, tivemos agora também os resultados das eleições”, começou por deixar como contexto. “Teremos a maior representação feminina de sempre e mais de metade dos atletas vão fazer a sua primeira presença olímpica. Convido a todos que, antes dos Jogos, conheçam a história por detrás de cada qualificação, o esforço e resiliência de todos os atletas”, acrescentou depois o responsável.

Seguiu-se depois a apresentação de um “plantel” que, em termos físicos, estava de certa forma “desfalcado”. Pelas competições que ainda decorrem, pelos estágios que estão a ser realizados e pelos treinos marcados noutras zonas ou países, só menos de metade dos atletas olímpicos marcaram presença na cerimónia de uma comitiva com 73 atletas, menos do que nas últimas edições, de 15 modalidades, com essa novidade de pela primeira vez haver mais mulheres do que homens entre atletismo, breaking, canoagem, ciclismo, equestre, ginástica, judo, natação, skate, surf, ténis, ténis de mesa, tiro com armas de caça, triatlo e vela. Por fim, e ainda no mesmo espaço, foi apresentada a música para estes Jogos, numa nova versão do “À Minha Maneira” dos Xutos e Pontapés com “A minha bandeira”, cantada entre atletas e locutores da RFM.

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Os atletas, treinadores, árbitros que estarão também em competições olímpicas e demais convidados ligados ao movimento desportivo nacional aproveitarem depois para um momento de confraternização que também ia sendo aproveitado por atletas de diferentes modalidades para perguntarem a outros como estava a correr a preparação e os últimos resultados (como aconteceu com Gustavo Ribeiro, do skate, e Yolanda Hopkins, do surf, dois dos que falaram aos jornalistas nessa fase). A seguir, toque a reunir e uma pequena caminhada de cinco minutos até ao Palácio de Belém, altura em que foram revelados os dois porta-estandartes na receção de Marcelo Reblo de Sousa entre discursos que foram também falando do outro lado do movimento.

“Alimenta-nos o sonho. Para alguns atletas é chegar ao pódio, para outros serem finalistas, para outros ficarem nos 16 primeiros, para outros vivenciarem uma experiência única à escala global. São sonhos que todos esperamos que se concretizem. Como dizem os homens do mar, que os ventos lhes sejam favoráveis”, referiu José Manuel Constantino, presidente do Comité Olímpico de Portugal que lidera o órgão desde 2013, antes de elencar uma série de pontos que podem também fazer a diferença num contexto particular que o mundo e a própria França atravessam como “as temperaturas, a climatização das habitações, a mobilidade, a segurança, os ciberataques e um quadro geral de um país que teve eleições”.

“Já li que esta é a representação mais reduzida desde Sidney, o que é verdade, mas precisamos dos números para explicar os problemas. Esta Missão tem uma redução de 8% relativamente a Tóquio. Apurámos mais quatro atletas que pela quota nacional não se podem deslocar e com os critérios de apuramento de 2020 haveria mais dez atletas. Se as coisas não correrem de acordo com as expetativas, leremos e ouviremos de tudo. Que não devia ter ido tanta gente, que fomos gastar dinheiro dos impostos dos portugueses, que o problema reside no desporto escolar, que há falta de cultura desportiva, que faz falta um plano nacional de rendimento desportivo, que o presidente do Comité devia ser um antigo atleta olímpico. No entanto, tudo isso confunde fatores correlativos e de causalidade. Vale a pena pensar como países com PIB inferior têm os resultados que têm. Há um fator distintivo: a demografia desportiva é superior. A base de praticantes, na base de qual se constrói a elite, é bem superior. Portanto, a capacidades de elitização e a variedade das modalidades é superior e talvez valesse a pena olharmos para esse problema”, apontou.

“Receber a nossa bandeira, o nosso símbolo maior, das mãos do Presidente da República foi um momento bastante marcante. Como estava a confidenciar com o chefe de Missão, já não me tremiam as pernas há algum tempo e hoje senti uma vibração diferente quando recebi a bandeira. Medalha? Passo a passo, sem pressão. Mas a responsabilidade é sempre a mesma, porque eu ponho sempre a máxima responsabilidade nos momentos que represento Portugal”, salientou Fernando Pimenta, que antes, ainda no Picadeiro Real, comentara que espera atingir apenas o topo daqui a um mês, quando entrar em competição, e que a diferença entre ganhou ou não o ouro ou chegar ou não a um pódio depende nesta fase de “pequenos pormenores”.

“Fui mãe faz hoje dois meses. Juntou-se a preparação com o filhote e agora esta grande responsabilidade de poder ser porta-estandarte na cerimónia de abertura e eu estou felicíssima de poderem ser os meus quintos Jogos Olímpicos com esta grande responsabilidade. O grande prémio é sem dúvida o meu filhote mas esta bandeira é um grande reconhecimento por quase 30 anos de carreira. Em quatro Jogos nunca estive em cerimónias de abertura, foi sempre nas de encerramento. Este ano vai ser ainda mais brilhante estar na cerimónia e poder ter esta responsabilidade. Vai ser uma surpresa para mim também. Estou muito feliz e estou ainda mais à espera que comecem os Jogos Olímpicos”, destacou Ana Cabecinha, sempre com o pequeno Lourenço no centro da conversa daqueles que poderão ser os últimos Jogos aos 40 anos.

“Devo manifestar a minha gratidão a todas e a todos que nos últimos três anos tudo fizeram para estarmos como estaremos em França para defender Portugal e para promover a paz, em três anos e não quatro como é normal que foram atravessados por guerras, crises económicas, sociais e políticas e a ressaca da pandemia. A gratidão é total e, olhando para os atletas e as atletas, que honra e que orgulho ter-vos como portadores da mensagem da nossa pátria. Vão estar a lutar por Portugal, a projetar Portugal. Num mundo que é um mundo de ódio, de desavença, de intolerância, de confronto e de guerra, Portugal quer ser portador da mensagem de paz. Somos, desde sempre, plataformas entre oceanos, continentes, e tentamos ser portadores dessa mensagem, dessa abertura de avenidas de paz”, frisara Marcelo Rebelo de Sousa.