O professor catedrático Eduardo Vera-Cruz Pinto defendeu esta quinta-feira, em Lisboa, que Portugal deve “conversar entre iguais” com os países das ex-colónias e restituir “aquilo que pertence à identidade cultural dos povos colonizados”.
“Quando se fala em reparações é, sobretudo, isto que se trata: Começar a conversar entre iguais. Pôr fim às relações coloniais, dizer que entre uns e outros opuseram-se regimes e formas de fazer as coisas que hoje estão na História. Nada disso que foi o passado faz sentido no presente”, afirmou Vera-Cruz Pinto, diretor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
O professor catedrático falava no XIII Encontro Internacional de Direitos Culturais, que decorre entre esta quinta e sexta-feira na universidade, numa intervenção em que abordou a questão da devolução de património originário das antigas colónias portuguesas.
“O que foi ilicitamente retirado deve ser devolvido. […] Nós, nas metrópoles, devemos restituir aquilo que pertence à identidade cultural dos povos colonizados, isto é, tudo o que importa para construir uma identidade cultural deve ser restituído. O que é uma identidade cultural? Isso compete aos povos colonizados”, sublinhou.
Não havendo, no entender do jurista, “um princípio geral de direito de restituição”, o que existe “é um diálogo intercultural entre nações, entre povos que se conhecem, entre entidades políticas que têm relações diplomáticas. Conversa-se”.
Para Vera-Cruz Pinto não há “culpabilizações coletivas, restituições urbi et orbi e indemnizações” a pagar por parte de Portugal, alertando que “importa inventariar, estudar e no fim dialogar”.
“Portugal ainda não inventariou os bens que tem. Os países colonizados ainda não disseram aquilo que constitui objeto ou obra de arte próprio do seu património cultural identitário. Quando isto é deixado àqueles que nada querem devolver e aos identitaristas que tudo querem que regresse, a coisa não corre bem”, opinou.
Em julho passado, a ministra da Cultura, Dalila Rodrigues, disse no parlamento que não foi identificado nenhum bem cultural que tenha sido “apropriado indevidamente” e que qualquer decisão de devolução a outros países teria de ser sem impor condições.
“Não podemos impor condições de restituição. É uma forma de paternalismo. […] Podemos e devemos estabelecer missões, campanhas de cooperação em capacitação nas áreas do património, dar a países de onde proveem os bens ações de conservação e restauro, de exposição”, disse.
Na mesma audição, Dalila Rodrigues revelou que iria ser feito um inventário de bens culturais apropriados do Museu Nacional de Etnologia (MNE), a instituição onde está a maioria deste tipo de bens, e que esse trabalho teria de envolver universidades e centros de estudos.
“Fazer uma lista é um ato de catalogação. Nós temos essa lista, sabemos que bens foram provenientes das ex-colónias e que estão fundamentalmente no Museu Nacional de Etnologia. […] A restituição de bens apropriados indevidamente remete-nos para um imperativo de realizarmos missões de investigação”, disse Dalila Rodrigues.
Segundo a ministra, no MNE existem 14.685 bens culturais apropriados, “todos eles documentados de uma forma muito superficial”.
Em abril passado, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, disse que o país deve liderar o processo de assumir e reparar as consequências do período do colonialismo e sugeriu como exemplo o perdão de dívidas, cooperação e financiamento.
“Sempre achei que pedir desculpa é uma solução fácil para o problema. Peço desculpa… nunca mais se fala nisso. Assume-se a responsabilidade por aquilo que de bom e de mau houve no império. O assumir significa, de facto, isso”, disse Marcelo Rebelo de Sousa em abril aos jornalistas, à margem da inauguração do Museu Nacional da Resistência e da Liberdade, em Peniche.
Questionado pelos jornalistas na altura, o Presidente da República defendeu que o atual Governo deveria continuar com o processo de levantamento dos bens patrimoniais das ex-colónias em Portugal, iniciado pelo anterior Governo, para posteriormente devolvê-los.
“É uma questão que tem que ser tratado pelo novo Governo, em respeito com as funções executivas do Governo e tem que ser tratada em contacto com esses estados”, disse.
Na abertura do Encontro Internacional de Direitos Culturais esteve o presidente da Assembleia da República, José-Pedro Aguiar Branco que, sobre esta questão da devolução de bens culturais, pediu “um debate franco, aberto com a intervenção de várias vozes”.