Seis jogos, outras tantas vitórias, uma média de quase quatro golos marcados, apenas dois golos consentidos com uma série de 414 minutos consecutivos com a baliza em branco (mais de 500 juntando o encontro para a Liga dos Campeões com o Lille). Se na última temporada existia em muitas partidas a dúvida em relação ao triunfo do Sporting, esta época, ou pelo menos este início, quase transformou essa realidade para a base do por quantos o Sporting ganha. Quer isso dizer alguma coisa nesta fase da temporada? Não. E foi à boleia de uma pergunta sobre o texto escrito para o recente livro do antigo jogador Hugo Leal, em que defende que o treinador deve ser o mestre dos porquês, que Rúben Amorim deixou um alerta para dentro e para fora.

Estoril-Sporting. Geny Catamo inaugura o marcador (0-1, 25′)

“O treinador deve pensar sempre nos porquês, tem de pensar sempre que o jogador vai perguntar porquê e temos de lhe dar uma explicação. Fui jogador, eles gostam de ter essa certeza, de ver que o treinador sabe as coisas. Em relação a estar sempre descontente, consigo ver a nossas limitações. Em jogos do Campeonato mostramos alguma consistência mas sinto que temos de trabalhar mais porque quando o nível aumenta, na Liga dos Campeões por exemplo, sentimos mais alguma dificuldade. Há sempre algo a melhorar. Não vivo bem com a história que o Sporting é imparável porque fico desconfortável, quando perdermos os primeiros pontos vão dizer que é só conversa. Temos de estar sempre no máximo e não nos deixarmos levar. Eles [jogadores] têm de pensar que estamos muito bem mas que podem fazer melhor”, salientou o técnico.

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Ainda assim, Amorim não recusa a ideia de que esta poderá ser a sua melhor versão de Sporting. Pelas opções, pela qualidade, pelas rotinas? Também mas sobretudo por uma questão de crença própria. “É o melhor, é o que tem mais intensidade, mais confiança, é a equipa que acredita mais em si. Sinto isso nos jogadores. Quando vamos para o jogo não sei qual será o resultado mas sinto-me mais tranquilo sobre o que vai acontecer no jogo. É tudo mais claro quando vou para o jogo. Demos um passo em frente e é mais perto da ideia que tenho para a equipa. É o melhor Sporting”, assumiu o técnico que chegou a Alvalade em março de 2020 e conquistou dois Campeonatos, duas Taças da Liga e uma Supertaça pelos verde e brancos.

“A equipa cresceu muito na forma como reage. Estamos muito mais rápidos, senti conforto nos jogadores no 1×1 mas sempre que penso nisso, que estamos no caminho certo, imagino jogos mais difíceis em que jogamos mais perto da área. Acho que eles cresceram muito rápido e adaptaram-se muito bem ao 1×1 muitas vezes longe da baliza. Na Liga dos Campeões teremos de mostrar a capacidade de defender a baliza. Sinto que vamos ter testes onde todas estas coisas que digo no fim dos jogos vão ser clara para toda a gente. Vamos sofrer. Haverá jogos em que vamos ter outra ideia da nossa valia”, acrescentou a esse propósito.

Foi também dentro desse espírito que Rúben Amorim não especulou em relação às presenças na equipa no jogo com o Estoril na Amoreira, assumindo os regressos de Gonçalo Inácio e Eduardo Quaresma à lista de convocados ao contrário de Pedro Gonçalves e Marcus Edwards e confirmando a permanência de Franco Israel na baliza apesar da recuperação de Kovacevic. No entanto, havia surpresas preparadas entre Maxi Araújo no trio da frente, Morita, a ausência de Conrad Harder e a recolocação de Geny Catamo à direita com o primeiro jogo fora da titularidade de Geovany Quenda. Mais uma vez, imperou o coletivo. O Sporting é uma máquina que pode marcar mais ou menos golos, pode ter maiores ou menores períodos de domínio mas que encontra sempre soluções para ganhar os respetivos compromissos – neste caso, “sem” Gyökeres.

O sueco perdeu influência? Não, nem por isso. Analisando com cuidado os dois golos do Sporting que foram o fator decisivo da partida, foi o facto de haver um central 1×1 com o sueco e outro pronto para a dobra que abriu os espaços aproveitando para o remate final. No entanto, foi na direita que esteve o segredo de uma equipa que joga bem em todos os corredores, domina todos os momentos e coloca o coletivo a potenciar o melhor de cada uma das individualidades. Francisco Trincão, com Roberto Martínez na tribuna a ver, foi de novo o artista diferenciador a quem só falta finalizar mais e melhor para ser de topo; Geny Catamo, esse, voltou à posição natural onde explodiu e mostrou como consegue fazer a diferença de outra forma do que quando é colocado no lugar onde se mostrou ao mundo do futebol coroando a exibição com um golo.

Como seria de esperar, o Sporting iniciou o encontro a tentar assumir o domínio com bola e teve logo a abrir duas iniciativas em que conseguiu rodar a bola de forma rápida entre corredores com a capacidade de fazer mexer uma defesa canarinha “adaptada” à forma de atacar dos leões (com os laterais também “invertidos”, entre Pedro Amaral à direita e Wagner Pina à esquerda) mas sem passar de aproximações sem finalização. Depois, Amorim teve de gritar. A equipa amoleceu, tornou-se mais previsível, permitiu que o Estoril fosse estabilizando o seu jogo. Ouviu o “toque”, aumentou a intensidade, encontrou os espaços, tornou o jogo mais rápido. Trincão, com um remate em boa posição por cima, fez o primeiro remate (11′) antes de Morita, após uma grande desmarcação de rutura, ver Boma cortar in extremis por cima da trave sozinho na área (15′).

O golo parecia ser uma questão de tempo. O Estoril ia tentando sair com os centrais leoninos a mostrarem em velocidade o porquê das respetivas escolhas mas foi a partir de trás que o Sporting foi reforçando também a sua superioridade a partir de trás com a qualidade no passe longo de Debast, na parte física de Diomande e na técnica de Matheus Reis. A máquina começava a carburar, o “rolo compressor” foi ativado para dois golos em pouco mais de cinco minutos: Geny Catamo inaugurou o marcador de pé esquerdo isolado na área por um passe fantástico de Matheus Reis na sequência de uma segunda bola (25′), Morita aumentou a vantagem na sequência de mais uma grande combinação ofensiva pela direita entre Geny Catamo e Trincão para o cruzamento atrasado com desvio de primeira do japonês (31′). Tudo mudara num pequeno ápice.

O Estoril tinha apenas de tentar “sobreviver” até ao intervalo mas o Sporting ainda ficaria perto de aumentar mais a vantagem conseguida no encontro com mais um tratado de futebol assinado por Trincão, a rematar de primeira em arco de pé esquerdo após assistência de Gyökeres mas a acertar no poste da baliza de um Robles que estava batido (41′) mas que teria também a sua relevância até ao descanso, ao fechar o primeiro poste em mais uma desmarcação de rutura de Morita agora a descair para a esquerda que terminou com a tentativa do japonês em rematar e não assistir antes da defesa para canto (45′). Chegados ao final dos 45 minutos, a única surpresa era mesmo a diferença entre as duas equipas não ter outra expressão no resultado.

Em desvantagem, o Estoril lançou Holsgrove no encontro mas foi a colocação dos laterais nos seus pontos naturais que permitiu outro balanceamento ofensivo capaz de criar mesmo o primeiro lance de perigo do segundo tempo, com Pedro Amaral a cruzar bem da esquerda para a zona entre guarda-redes e centrais sem que nenhum dos avançados canarinhos conseguisse desviar (55′). Rúben Amorim não gostava mas também não mudava os planos num misto entre aquilo que eram as características do encontro e a necessidade de fazer alguma gestão para o próximo encontro de Eindhoven, lançando em campo Gonçalo Inácio, Daniel Bragança e Conrad Harder para voltar a ter maior controlo do jogo com outras soluções na frente.

A quebra da intensidade e da velocidade por parte dos leões acabou por prejudicar não só a missão de um terceiro golo mas também a própria qualidade do encontro, que perdeu motivos de interesse e foi passando de forma “tranquila” entre uma situação de perigo de Daniel Bragança na área e um remate de Geny Catamo que passou pouco ao lado da baliza de Robles. Ainda assim, havia um último capítulo guardado para o período de compensação, com Daniel Bragança a combinar no corredor central com Francisco Trincão antes do remate de meia distância que saiu perto do poste mas que deixou Robles mal batido (90+1′).