A maneira de ser de Rúben Amorim e a forma como falou sempre com a imprensa foi permitindo perceber o verdadeiro estado de espírito do técnico. Às vezes até pode não bater certo com o que sente e foi isso que se viu em Braga. Aquela cara descontraída e sorridente com que foi cumprimentando todas as crianças antes de chegar à zona técnica para tirar uma garrafa de água, abraçar todos os suplentes e cumprir o ritual de falar ao adjunto Carlos Fernandes era de alguém que estava tudo menos tranquilo. Não estava tranquilo, pior ficou com tudo o que se foi passando na primeira parte, dos golos sofridos à saída em lágrimas de Pedro Gonçalves após lesionar-se. Até no último desafio de todos o treinador era colocado à prova em toda a linha.

A estrelinha está na cabeça loira de um verdadeiro capitão moldado por Amorim (a crónica do Sp. Braga-Sporting)

Mais uma vez, Rúben Amorim superou-se. Na zona de entrevistas rápidas, o técnico que está a caminho do Manchester United quis colocar todo o mérito nos jogadores mas a forma como foi mexendo estendeu a passadeira para a reviravolta: St. Juste estabilizou por completo o lado direito da defesa e não deu qualquer hipótese de o Sp. Braga explorar a profundidade pela “explosão” em velocidade no arranque, Morita marcou na primeira vez que tocou na bola, Harder foi determinante com um bis e até Gonçalo Inácio, que parecia ser mais uma alteração para refrescar do que outra coisa, trouxe construção por dentro a partir de trás e fez o passe para Hjulmand marcar o 2-2. No final, tudo estava virado ao contrário com uma reviravolta épica.

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O quarto golo já foi celebrado com Amorim no banco, o final do jogo mostrou um treinador mais efusivo do que nunca. Era complicado o técnico sonhar com uma despedida melhor do que aquela que conseguiu em Braga, com adeptos a cantarem o “Quero Sporting campeão” que pedira enquanto ia cumprimentando com longos abraços todos os jogadores leoninos antes de ir também agradecer aos adeptos. Depois, quase que “caiu em si”, deixou o palco para os atletas e rumou aos balneários, tendo ainda agradecido a adeptos dos minhotos na zona da bancada central que o aplaudiram quando deixava as quatro linhas, algo que já tinha acontecido antes quando entrou em campo (e que nas anteriores visitas não tinha acontecido). Ainda houve tempo para uma palavra ao plantel já depois da partida, o que atrasou depois a chegada à flash interview.

“Terminou melhor do que queria. Preferia não ter sofrido mas a forma como acabou era muito mais do que podia esperar. Uma semana que podia ter sido tão difícil e acabou por ser. É tão melhor agora, vou tão mais descansado. Estes jogadores são inacreditáveis. Não entrámos bem, devagarinho, a deixar correr o tempo. Em duas transições sofremos dois golos que podíamos ter evitado. A segunda parte é inacreditável e isto tornou tudo mais especial. Chega hoje o fim desta aventura mas foi um momento especial e não podia ter pedido melhor”, começou por dizer Rúben Amorim, ainda visivelmente emocionado com o que se passara depois de terminar um percurso onde comandou o Sporting em 231 jogos, com um total de 164 vitórias, 34 empates, 33 derrotas, 510 golos marcados, 199 golos consentidos e cinco títulos desde março de 2020.

“Metáfora para a passagem pelo Sporting? Acho que sim, é contar essa história que todos vivemos em 90 minutos. De muito sofrimento, lutar até ao fim. Os golos do Coates quase nos descontos, hoje foi o Conrad [Harder]… Acho que merecemos a vitória, quisemos sempre mais. Nos 20 minutos finais, notou-se a maior frescura da nossa equipa e acho que isso tem a ver com o facto de o Sp. Braga ter jogado na quinta-feira. Aproveitámos isso. Hoje teve muito mais sabor do que na terça-feira. A semana da Champions só acaba no fim de semana. Qualquer equipa num jogo pode bater outra, o que conta é saber ganhar semana após semana, jogo após jogo. Conseguir ganhar no Campeonato tem mais significado”, salientou o técnico, que com a reviravolta em Braga igualou o melhor arranque de sempre do Sporting na prova (11 vitórias).

“Abraço de despedida? Já me tinha despedido… Os jogadores é que têm de viver esse momento, eu já o vivi como jogador. Sinto-me tão feliz, prefiro acalmar-me e dar o espaço a eles. Custou-me mais ver o Pote a chorar e a sair. Tenho a certeza que fez o esforço e jogou por ser o meu último jogo, sinto que está um bocadinho zangado comigo. Senti que toda a gente percebeu que era importante ir para a paragem das seleções a ganhar. Se continuarem a ganhar… Terão um grande treinador e isso vai ajudá-los a seguir em frente. Balanço? Os resultados não foram perfeitos. Podíamos ter ganhado mais, não esperávamos ganhar tanto. Foi uma aventura inacreditável. A ligação com as pessoas, o que vivemos, os estágios, as viagens… Gostava que toda a gente vivesse isto. Fui sempre muito feliz, nunca me senti sozinho. Um treinador ficar em quarto lugar e nunca se sentir sozinho é especial. Nesse aspeto, o Sporting é um clube especial”, sublinhou.

Mais tarde, na sala de conferências de imprensa, Rúben Amorim mostrou-se bem mais sereno e sorridente, continuando a fazer balanços dos mais de quatro anos e meio de passagem pelo Sporting onde conquistou dois Campeonatos, duas Taças da Liga e uma Supertaça entre muitos outros “títulos” sem troféu.

“Foi uma aventura incrível. Sempre pareceu que tinha as certezas todas mas em muitas fases tive algumas dúvidas. Muita gente me ajudou. Vivi um contexto muito especial. Difícil, quando chegámos, mas especial. Sei que será difícil reproduzir noutro sítio o que tenho aqui, mas há outros sítios com outra exposição e pressão. O que posso dizer aos sportinguistas é obrigado. Eu é que digo obrigado. Foi uma aventura fantástica. Fiz o que pude. Cometi alguns erros, teimosias, mas foi sempre a pensar na equipa. Posso dizer isso de consciência tranquila, a equipa esteve sempre em primeiro lugar. Desta vez, tirando o erro do fim da época passada, esta foi a única vez em que pensei em mim. Tive de fazê-lo. Portanto, obrigado. Desculpem esta decisão a meio da época mas senti que era a minha hora e o meu caminho. E nesse caso, preciso de estar de corpo e alma. Agradeço o apoio mas há que continuar. Na próxima jornada podemos bater o melhor arranque de sempre e há muito a fazer”, apontou o técnico após o último encontro no Sporting.

“O sucessor vamos ver, não sei quando o clube vai informar. Trouxe muita coisa mas não trouxe tudo. Deixei lá algumas coisas que depois serão entregues. Tenho confiança porque acredito nos jogadores. Eu sei qual é o próximo treinador e acredito nele, disse-o aos jogadores. Que há coisinhas que vão ser diferentes, mas que a pessoa que vai estar no meu lugar tem a mesma essência. Isto já estava a ser planeado, foi é mais cedo. Nem toda a gente tem a sorte que tenho. Os jogadores têm de ser muito humildes, vão passar por dificuldades, têm de agarrar-se uns aos outros. Jogadores como o Quaresma, que às vezes não treina tão bem, mas às vezes consigo manipular para que não se perca… O Geny… As pessoas também sabem isso. Partilhámos informação com toda a gente. Se o grupo se mantiver assim, o treinador que vem tem as características para guiar a equipa ao Marquês”, referiu Amorim sobre João Pereira… sem falar em nomes.

“Já fui campeão pelo clube do meu coração, mas este momento foi inacreditável. Vou torcer mas haverá outro treinador. Eu vou ter o meu trabalho e os meus jogadores. A partir de amanhã, vou vestir outra camisola e vou ser a mesma pessoa com outro grupo. Vou criar uma ligação com eles, tentar conhecer os meus jogadores e estar muito focado no meu trabalho. Simplesmente vou torcer pelo grupo de trabalho. Este grupo está muito bem orientado, não precisa da minha ajuda. Sou mais um a torcer que cheguem ao Marquês porque também ganho o Campeonato… Estou tão tranquilo que acho que vai acrescentar coisas novas que um treinador que está cá há cinco anos se calhar não consegue ver. Não pode deixar em piloto automático, o treinador vende uma ideia, não a ideia do outro. Pode não ter tanta sorte mas competência tem. É muito inteligente, vai perceber o que pode e não fazer”, voltou a reforçar o técnico na despedida.