O futebol, tal como tudo, teve de se adaptar aos novos tempos. As redes sociais são cada vez mais importantes, o marketing é sinónimo de investimento, a internet dita tendências. E a verdade é que, de forma cada vez mais frequente, o número de zeros à direita de uma vírgula torna-se mais importante do que o número de golos dentro de uma baliza.

E a história que está a chocar o futebol argentino é apenas mais um exemplo disso mesmo. Esta segunda-feira, o recém-promovido Deportivo Riestra recebeu o Vélez Sarsfield, atual líder isolado da Primeira Divisão do país. Até aqui, tudo normal. Mas a verdade é que nada no jogo foi normal — e logo a partir do momento em que foram anunciados os onzes iniciais.

Ora, na ficha de jogo do Deportivo Riestra, surgia o nome de Ivan Buhajeruk, mais conhecido por “Spreen”, um influencer que tem oito milhões de seguidores no YouTube e outros cinco milhões no Instagram. “Spreen”, que tem 24 anos, foi mesmo titular na posição de ponta-de-lança na equipa orientada por Cristian Fabbiani: ficou em campo durante 50 segundos, até à primeira paragem de jogo, e foi substituído sem sequer tocar na bola.

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O escândalo explodiu assim que a partida terminou — empatada, com o Vélez Sarsfield a abrir o marcador e o Deportivo Riestra a igualar na segunda parte –, com alguns jogadores da equipa visitante a demonstrarem publicamente o desagrado com aquilo que tinha acabado de acontecer. “O que aconteceu hoje foi uma falta de respeito pelo futebol, é a mensagem errada para a sociedade, para os miúdos que se esforçam. O futebol não é isto, é tentar e falhar e tentar outra vez”, disse Braian Romero, avançado do Vélez.

“Spreen” foi inscrito pelo clube de Buenos Aires em fevereiro e o influencer assinou mesmo um contrato profissional, tendo começado a treinar com a equipa apenas na passada terça-feira. A direção do Deportivo Riestra explicou que a decisão de o incluir no onze inicial fez parte de uma ação de marketing construída e pensada por Victor Stinfale, empresário que é dono do clube e da marca de bebidas energéticas que é o principal patrocinador do emblema.

A par de Braian Romero, também Juan Sebastián Verón, antigo internacional argentino que é agora presidente do Estudiantes de la Plata, criticou o golpe de publicidade. “Uma total falta de respeito pelo futebol e pelos jogadores”, escreveu no Instagram. Já Cristian Fabbiani, em entrevista a uma rádio local depois do jogo, revelou que falou com o treinador do Vélez Sarsfield antes do apito inicial para lhe explicar o que ia acontecer e porquê.

“Ele riu-se e disse-me para o deixar em campo durante os 90 minutos. É uma coisa contratual, que foi assinada há muito tempo. O clube depende muito da publicidade. Foi algo sem exemplo, provavelmente”, contou o treinador, que disse a Gustavo Quinteros que não pretendia “desrespeitá-lo” com a titularidade de “Spreen”. Entretanto, a Federação Argentina de Futebol já anunciou que está a investigar oficialmente o caso, que pode violar o Código de Ética das competições.

A verdade é que esta não é a primeira vez que o Deportivo Riestra, que está no nono lugar do Campeonato com 31 pontos em 22 jornadas, faz manchetes devido a decisões algo excêntricas. O clube de Buenos Aires apurou-se para a Primeira Divisão pela primeira vez no fim da temporada passada, estando a realizar o ano de estreia no principal escalão, e tem aproveitado os dias mais mediáticos da história do emblema para acumular episódios.

Em maio deste ano, Cristian Fabbiani lançou Mateo Apolonio, jogador de apenas 14 anos que obviamente se tornou o mais jovem de sempre a atuar no Campeonato. Ora, até podia acontecer — só que o adolescente não voltou a aparecer em qualquer ficha de jogo, o que deixa antecipar que só teve minutos para que o clube ficasse com o recorde. Depois, os equipamentos: o Deportivo Riestra atua com camisolas com o símbolo da Adidas, mas a verdade é que a marca alemã não patrocina a equipa. Algo que nem é assim tão chocante quando se percebe que o diretor de comunicação tem… 19 anos.

A pré-temporada do clube também se tornou viral. A equipa tinha dias com quatro sessões de treinos: às 3h15 da manhã, às 7h, às 10h30 e às 18h, terminando os trabalhos apenas às 22h30 depois de uma refeição de grupo. Treinavam nas praias de Pinamar, na costa da Argentina, perto de discotecas. Por fim, o estádio. O Estádio Guillermo Laza é o mais pequeno da Primeira Divisão, com capacidade para apenas três mil pessoas, e fica a menos de um quilómetro do recinto do San Lorenzo, que também atua no Campeonato — sendo que não tem iluminação, o que significa que o Deportivo Riestra nunca pode jogar em casa durante a noite.