“Se eu fosse o capitão, não me poria a jogar no encontro seguinte. Pelo meu nível não me elegeria mas isso não quer dizer que não tenho vontade de jogar. Pode ter sido a minha última partida em termos individuais. A decisão de jogar será dele [David Ferrer], é para isso que é capitão. Não coloquei nenhuma pressão. Se ele tomou a decisão de que deveria jogar, sabíamos que havia um risco. Não conseguia ganhar o ponto, não posso dizer que lamento porque isto é desporto mas tentei, como tentei sempre. Não se pode controlar o nível a que chegamos. Aquilo que disse era que iria descartar-me se visse que não estava preparado mas tenho estado a treinar bem. Irei treinar todos os dias para o caso de a equipa necessitar de mim em algum momento. Perdi o meu primeiro jogo na Taça Davis e agora o último, fechei o círculo…

“Sabia que podia ser o último jogo profissional e as emoções acabaram por tornar-se difíceis de gerir. Não tive capacidade para ler o jogo suficientemente rápido para sentir o controlo. Os pontos foram passando rápido, não houve tempo para pensar. Quando passas tanto tempo tudo acaba por decidir-se em pequenos detalhes. Não estou com os mesmos automatismos dos jogadores que estão no circuito. Não será hoje o dia em que vou fazer uma autocrítica, não tinha agilidade mental para tomar as decisões sem pensar.”

Este poderia ser o primeiro discurso de Rafa Nadal após o adeus. Este podia ser também o primeiro discurso de Rafa Nadal no jogo antes do adeus. O que traçava a linha? Em grande parte, o expoente da nova geração e um dos maiores ídolos no circuito, Carlos Alcaraz. E tudo porque, 113 dias depois, o mais velho acabou por “pagar” o regresso a um encontro competitivo depois da participação no Six Kings Slam, na Arábia Saudita. Parecia que todos queriam estar naquele braço esquerdo do maiorquino para dar uma “força extra” que pudesse reduzir a diferença de ritmo para Botic van de Zandschulp mas o neerlandês levou a melhor.

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Os dois encontros realizados entre ambos em 2022 caíram para o espanhol mas o agora 80.º do ranking ATP sabia que partia em vantagem. O que tinha de controlar? A parte anímica. “Sei que o mundo inteiro vai estar a olhar para a nossa eliminatória mas, mesmo que ganhe, isso não quer dizer que tenha sido o último jogo do Rafa… Já pensei nisso mas não é algo em que me foque muito, isso iria deixar-me louco. Desde pequeno que foi o meu ídolo, via sempre os seus jogos na TV. Vai ser um prazer jogar com ele”, salientara.

Se dúvidas ainda existissem, a forma como Rafa Nadal ouviu de forma emocionada o hino mostrava que não era um encontro qualquer. Para o bom, para o mau. Para o início do fim, para o fim de um novo início. Tudo acabou por ser equilibrado no arranque, com serviços em branco ou com pontos cedidos, até dois jogos que foram às vantagens até ao 4-4 no set inicial. Aí, Botic van de Zandschulp conseguiu quebrar o serviço para fechar depois o primeiro parcial em 6-4. Foi um momento que definiu a partida, foi um momento que fez com que o estado do espanhol ficasse definido: o vencedor de Grand Slams por 22 ocasiões perdeu dois dos três jogos seguintes de serviço, esteve a perder por 4-1, ainda fez o 4-3 no encontro mais comprido entre ambos mas acabou por perder por 6-4 naqueles que poderiam ser os últimos 114 minutos de carreira.

Enquanto se esperava pelo encontro seguinte, entre Carlos Alcaraz e Tallon Griekspoor, havia um autêntico desfile de homenagens ao jogador espanhol. O mais impactante acabou por ser em Paris, cidade onde ganhou 14 vezes Roland Garros, com a Praça do Trocadéro, com a Torre Eiffel iluminada de fundo, a ter a inscrição de todas as conquistas de Rafa Nadal ao longo da carreira. Mas houve mais, de Serena Williams a Maria Sharapova, passando pela emotiva carta de Roger Federer que emocionou o mundo do desporto. E continuou a haver, tendo em conta que só noite dentro chegou a decisão nos quartos da Taça Davis.

Depois de um primeiro jogo com 13 pontos, Alcaraz e Griekspoor conseguiram quebrar o serviço a cada de forma consecutiva e levaram a decisão para o tie break, com o espanhol a ganhar em branco num momento que deixou Rafa Nadal a festejar de punho cerrado no banco. Ele, mais do que ninguém, percebia o que esse desempate significava, com o atual número 3 do mundo a ter um segundo set bem mais confiante para fechar o triunfo e a igualdade na eliminatória com 6-3. Tudo ficava adiado para a partida de pares.

Aí, equilíbrio foi a nota dominante. Espanha e Países Baixos tiveram pontos de break que não conseguiram aproveitar, podiam ter fechado também o primeiro parcial no serviço contrário mas acabaram por decidir tudo no tie break, com os neerlandeses a levarem a melhor tendo Wesley Koolhof em plano de destaque ao lado de Botic van de Zandschulp contra um Alcaraz com bolas impossíveis a não ver o mesmo rendimento do especialista Marcel Granollers (7-4 em 70 minutos). Rafa Nadal já não conseguia ficar sentado perante a possibilidade de acabar esta terça-feira a carreira mas o seu espírito como que entrava no court ao som do “Si se puede” que se ia cantando nas bancadas. Quando Alcaraz fez o primeiro break em todo o jogo no 2-1, com um winner fabuloso na resposta ao serviço, Nadal parecia um miúdo aos saltos a fazer a festa.

A Espanha tinha recuperado o ascendente anímico na partida mas os Países Baixos, também com muitos adeptos em Málaga para apoiar a seleção, nunca vacilaram. Mais: perceberam que tinham em Granollers um elo mais fraco que estava a ceder e que acabou por transformar-se num calcanhar de Aquiles dos espanhóis. Foi a aposta no veterano jogador de 38 anos que rendeu um break decisivo no 4-4 que mudou aquilo que estava a ser o rumo do segundo parcial, colocando ainda mais pressão no que se seguiria. Com Alcaraz a servir, o jogo ainda começou com 0-30 mas acabou com o 5-5; com Granollers de seguida, e apesar dessa aposta no jogador mais velho, tudo foi para o tie break. Nadal já funcionava como capitão, a dar instruções aos companheiros, mas prevaleceu o sangue frio dos neerlandeses para fecharem com 7-3.