O Instituto de Etnomusicologia — Centro de Estudos em Música e Dança (INET-md), da Universidade Nova de Lisboa, manifestou-se esta segunda-feira solidário com as mulheres que têm denunciado nas últimas semanas situações de abuso e assédio no meio artístico.

Num comunicado divulgado esta segunda-feira, Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres, no seu ‘site’ oficial, o INET-md declara “a sua solidariedade com as mais de oitenta mulheres, ligadas ao mundo do jazz, bem como a outros campos musicais e indústrias criativas que, em Portugal, têm vindo a denunciar situações de abuso de poder, de violência e de assédio sexual”.

Desde o início do mês de novembro, vieram a público, através da partilha de testemunhos nas redes sociais, denúncias de casos de violação, abuso sexual e assédio no meio artístico, nomeadamente na área da música, em particular no jazz.

A primeira denúncia foi feita pela DJ Liliana Cunha, que assina com nome artístico Tágide, identificando o pianista de jazz João Pedro Coelho como o alegado agressor. O músico refutou as acusações e reclamou “total inocência”.

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Com o comunicado divulgado esta segunda-feira, o INET-md associa-se “às preocupações já manifestadas” por outras entidades, nomeadamente a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) e a Plateia — Associação de Profissionais das Artes Cénicas.

A APAV apelou para que se levem a sério as denúncias de casos de assédio, violação e abuso sexual no meio artístico, para que não desapareçam “na espuma dos dias”.

“Infelizmente, nas vítimas de alguns tipos de crimes, nomeadamente destes, a sua forma de vitimização muitas vezes não é levada a sério e é questionada”, afirmou à agência Lusa o psicólogo e assessor técnico da APAV Daniel Cotrim, em 14 de novembro.

A APAV considera necessário “haver verdadeiros canais de denúncia e bem organizados” e que não desmotivem as vítimas a darem o passo de divulgarem o que lhes aconteceu, lembrando que as organizações, empresas, instituições, escolas e outras entidades são obrigadas a ter códigos de conduta “que combatam o assédio, as formas de violência, o assédio moral”.

Para esta associação, é preciso ainda saber “o que é que o Estado vai fazer para apoiar as vítimas”.

Já a Plateia lamentou a inexistência de um sistema de denúncias no meio artístico e de “proteção eficaz” das vítimas de assédio defendendo uma mudança “estrutural”, que ajude na prevenção de casos, e alterações legislativas.

Num comunicado divulgado em 12 de novembro, a associação lembrou que tem trabalhado “para que esta cultura de assédio laboral, oral e sexual seja exposta, analisada e que se criem ferramentas para que mais ninguém tenha que se expor em denúncias públicas”.

E deixou um alerta: “As relações professor-alunes, diretor-atrizes, encenadores-performers, etc. que se ligam diretamente à precariedade do meio, são um campo fértil de abusos de poder e assédio”.

O INET-md lembra que “a maioria de situações de violência contra mulheres, raparigas e meninas permanece por reportar, sobretudo quando esta tem implicações sexuais”.

“Sem desconsiderar a presunção de inocência como pedra basilar do Estado de Direito, é necessário que haja espaço para que as pessoas sobreviventes de todas as formas de violência sexual possam reagir e denunciar, sem medo de serem acusadas de difamação ou serem alvo de represálias. E sem que, para tanto, sejam forçadas a um escrutínio e a uma exposição pública, que tantas vezes as desacredita e reitera a violência original”, defende o instituto.

Reportando a relatórios e publicações científicas, o INET-md recorda que “a violência e o assédio sexual configuram-se como problemas endémicos em vários contextos musicais, sendo frequentemente descritos como generalizados, sistémicos e normalizados”.

“Em contextos predominantemente masculinos e heteronormativos, a combinação de misoginia e sexismo históricos, ausência de regulamentação, relações informais e de codependência, além da precariedade laboral contribuem para a perpetuação da desigualdade de género e da violência sexual neste setor”, refere.

Para o instituto é necessário que instituições de ensino e de investigação, “estruturalmente atravessadas por assimetrias de poder e várias formas de desigualdade, tomem medidas concretas para sustentar uma mudança significativa”.

A adoção de medidas pode passar “por assegurar a segurança de todos os seus elementos, e por acolher um repertório de práticas que alarguem a capacidade de escuta e de cuidado, acolhendo melhor a expressão de formas de sofrimento nem sempre fáceis de articular”.

Nas denúncias de assédio, abuso, violação e agressão, partilhadas ao longo das últimas semanas, foram identificadas pelo menos 27 pessoas do meio artístico, a larga maioria da área da música.

Estes dados foram revelados à Lusa em 15 de novembro pela artista Maia Balduz que, juntamente com Liliana Cunha, tem estado a reunir, verificar e filtrar as denúncias e testemunhos que ambas têm recebido através das redes sociais e de um ’email’ (testemunhasdamusica@proton.me) que entretanto criaram.

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