O Conselho Superior da Magistratura (CSM) recusou intervir sobre o alegado uso de inteligência artificial (IA) num acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa. A decisão foi tomada esta quarta-feira na reunião da Secção de Assuntos Gerais do Conselho Permanente do CSM, após analisar uma participação dos advogados de um processo relacionado com adjudicações na Santa Casa da Misericórdia.

“Analisada a participação relativa a acórdão da Relação de Lisboa alegadamente elaborado com recurso a ferramentas de inteligência artificial (IA), considerar que é intempestiva a intervenção do Conselho uma vez que este é um tema ainda em apreciação na Relação, não havendo lugar, neste momento, a outra intervenção que não a meramente jurisdicional”, adiantou ao Observador fonte oficial do CSM.

Juízes suspeitos de usar inteligência artificial em acórdão da Relação alvo de participação no Conselho Superior de Magistratura

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Em causa estava o aparente uso de algum tipo de ferramenta de inteligência artificial pelos juízes desembargadores Alfredo Costa, Hermengarda do Valle-Frias e Margarida Ramos de Almeida na redação de um acórdão no final de outubro, que reverteu a decisão instrutória e pronunciou para julgamento os arguidos, entre os quais Helena Lopes da Costa, social-democrata que foi vogal da mesa da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e vereadora da Câmara de Lisboa, e Davide Amado, líder da concelhia do PS e presidente da Junta de Freguesia de Alcântara.

O texto, segundo revelaram os advogados, apresentava “parecenças várias com um texto gerado por inteligência artificial ou alguma outra ferramenta de natureza informática ou digital”, segundo o requerimento inicial apresentado e divulgado pelo Correio da Manhã. Na participação apresentada na semana passada e adiantada aqui pelo Observador, os mandatários consideraram que se justificava uma averiguação da situação pelo CSM e uma avaliação da possível aplicação de procedimentos disciplinares.

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Os advogados criticaram o acórdão por “citar artigos legais que não existem, nem sequer alguma vez existiram, e louvar-se em jurisprudência que não existe”, indicando ainda que 12 dos 14 acórdãos citados no contestado acórdão da Relação de Lisboa “não existem nas bases de dados internas dos respetivos tribunais superiores”.

Foram também criticados os erros relativos aos crimes imputados, em que, por exemplo, sobre um alegado abuso de poder é citado o artigo do crime de peculato, “levando os arguidos a ser julgados por crimes pelos quais não foram acusados pelo Ministério Público”.

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Apelo “urgente” para reformas sobre o tratamento de dados na Justiça

Sem se alongar mais sobre a participação por um eventual uso de IA neste processo, o CSM defendeu, todavia, “uma reflexão estruturada e a adoção de medidas que orientem o uso destas ferramentas pelo poder judicial”. Nesse sentido, a deliberação do Conselho Permanente considerou ser “urgente uma reforma legislativa abrangente sobre o regime de tratamento de dados no sistema judicial, incluindo a definição de competências para a certificação de ferramentas de inteligência artificial utilizadas na Justiça”.

A ideia da criação de uma Alta Autoridade para o Sistema de Tratamento de Dados no Sistema Judicial é recuperada pelo organismo de gestão e disciplina dos juízes. Segundo a deliberação desta quarta-feira, a entidade seria constituída por “representantes das principais instituições judiciais” e teria a missão de “regulamentar e adaptar o sistema judicial ao quadro normativo europeu e o desenvolvimento e uso da IA no sistema de justiça”.

A medida faz parte de uma proposta de lei para tratamento de dados no sistema judicial consensualizada no início de 2024 com o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, o Tribunal de Contas e a Procuradoria-Geral da República. “Esta proposta retoma uma reforma de 2019 vertida num decreto parlamentar que foi objeto de veto presidencial e não teve, ainda, posterior reavaliação pelo Parlamento”, esclareceu o CSM, que lembrou que já foi publicado o Regulamento da União Europeia sobre a IA e que este estará plenamente em vigor em 2026.