No futebol atual, tudo gira à volta de pormenores. E quem ganha nos pormenores, sai por cima.

Há um ponto em relação a esta jornada que ainda não foi comentado. Que seja, levanta-se assim a questão. O que necessita uma equipa para ser melhor do que o adversário? Ser profissional e competente. Assim, tudo é estudado. Incluindo os pormenores: as próprias nuances táticas, as características do adversário, o campo onde se joga, o tempo que se espera (não é preciso ser como na Fórmula 1 onde existem especialistas em meteorologia, mas jogar com ou sem humidade e com muita ou pouca chuva não é a mesma coisa), o árbitro nomeado (para se perceber como gere o jogo, quais são as estatísticas a nível de cartões etc.). Esta noite, o último ponto não foi preparado por ninguém porque apenas durante o dia foi conhecida a nomeação de Rui Costa.

Não foi por isso que Desp. Aves e FC Porto empataram a uma bola, longe disso. Mas este é também o espaço para discutir futebol. E se as ações dos árbitros perante o atual clima que se vive no desporto nacional são totalmente compreensíveis, se é verdade que nenhum agente ou mero adepto deve sequer estar preocupado se vai ou não sofrer ameaças (como tem acontecido), esconder nomeações não é solução, apenas esconde um problema. Um problema que não devia sequer existir nem ser tema mas que necessita de uma verdadeira solução.

Feita esta análise, então porquê é que o líder do FC Porto deixou dois pontos na Vila das Aves em vésperas de clássico com o Benfica (os encarnados, se ganharem este domingo o V. Setúbal, reduzem a distância para três pontos, ao passo que o Sporting pode ficar a dois se vencer em Paços de Ferreira)? Porque não foi competente na abordagem ao jogo. Porque, em termos individuais, metade da equipa esteve muito abaixo do que é normal. Porque não ligou a alguns pormenores. Um deles, evidente: os jogadores azuis e brancos passaram o encontro todo entre escorregadelas. Foram muitas mesmo. Mas não podemos apenas falar das botas.

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Ficha de jogo

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Desp. Aves-FC Porto, 1-1

12.ª jornada da Primeira Liga

Estádio do CD Aves, na Vila das Aves

Árbitro: Rui Costa (AF Porto)

Desp. Aves: Quim; Rodrigo Soares, Diego Galo, Defendi (Ryan Gauld, 59′), Ponck, Nildo; Vítor Gomes (Braga, 72′), Paulo Machado (Falcão, 86′); Salvador Agra, Amilton e Arango

Suplentes não utilizados: Adriano Fachini, Mama Baldé, Nélson Lenho e Derley

Treinador: Lito Vidigal

FC Porto: José Sá; Ricardo Pereira, Felipe, Marcano, Alex Telles; Danilo Pereira, Herrera; Corona, Brahimi (André Pereira, 87′), Soares (Maxi Pereira, 56′) e Aboubakar (Marega, 68′)

Suplentes não utilizados: Casillas, Diego Reyes, André André e Sérgio Oliveira

Treinador: Sérgio Conceição

Golos: Ricardo Pereira (6′) e Vítor Gomes (63′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Alex Telles (30′), Corona (41′ e 52′), Amilton (54′), Quim (73′), Marcano (74′), Braga (78′) e Ryan Gauld (90′); cartão vermelho por acumulação para Corona (52′)

De regresso à fórmula habitual com dois avançados na frente, recuperando a dupla Soares-Aboubakar de início (o brasileiro já não jogava desde 1 de outubro, quando foi suplente utilizado a Alvalade), Sérgio Conceição adotou uma estratégia de jogo que visava claramente entrar a dominar e materializar esse ascendente em golos, sabendo que o relógio podia ser um problema na Vila das Aves e na ressaca de mais um jogo intenso de Liga dos Campeões na Turquia. No entanto, os visitados, mais rodados no modelo de Lito Vidigal, estiveram quase irrepreensíveis em termos táticos na primeira parte, conseguindo dar uma réplica que ninguém conseguira dar ao líder até agora.

A primeira ocasião pertenceu mesmo aos avenses, com as três flechas ofensivas (Amilton-Arango-Salvador Agra) a trabalharem bem uma transição rápida que culminou com o remate cruzado do ala português a rasar a baliza de José Sá (4′); dois minutos depois, a eficácia foi bem diferente: Soares recuou para desposicionar a defesa visitada, fez uma fantástica assistência nas costas de Nildo (primeiro passe para golo do brasileiro desde que chegou ao Dragão) e Ricardo Pereira, vindo de trás, recebeu de pé direito e rematou de pé esquerdo para o 1-0 (6′).

Imperou o binómio eficácia-ineficácia (uma bonita forma de dizer que quem não marca, sofre) e assim continuaria, à passagem dos dez minutos: Salvador Agra conseguiu ir recuperar uma bola morta na linha de fundo, saiu um bom cruzamento da direita e Arango, de primeira, acertou com estrondo na trave da baliza azul e branca. Pouco depois, aos 14′, foi Paulo Machado a ganhar uma segunda bola perto da entrada da área (e esse foi um pormenor que aconteceu de forma recorrente) e a rematar para defesa segura de José Sá.

O FC Porto tinha mais posse de bola, sempre acima dos 60%, mas era o Desp. Aves que melhor sabia o que fazer com ela: bem arrumados no plano da organização, os comandados de Lito Vidigal raramente permitiram saídas em transição dos dragões ou situações de 1×1 das principais individualidades (com Brahimi à cabeça), ao mesmo tempo que, de quando em vez, lançavam contra-ataques explorando a profundidade que causava alguns problemas à defesa azul e branca. Aos 36′, José Sá saiu disparado da baliza e, depois de uma má receção de Agra quando estava isolado, conseguiu fazer a “mancha” e invalidar (mais) uma grande oportunidade para o empate.

Os dragões chegavam ao intervalo em vantagem, mas cientes que nunca tinham sentido tantas dificuldades numa primeira parte como esta noite (e já jogaram, por exemplo, em Alvalade): o apoio dos alas aos laterais “secou” Corona e Brahimi; os três centrais prenderam Soares e Aboubakar; os médios Vítor Gomes e Paulo Machado bloquearam o corredor central. E, entre tudo isto, o Desp. Aves tinha capacidade para sair em transição.

No segundo tempo, a entrada do FC Porto foi ainda pior. A nível individual, com a expulsão por acumulação de Corona após uma entrada muito dura sobre Vítor Gomes já com um amarelo (se fosse vermelho direto, não iria chocar) que coloca o ala mexicano fora do jogo com o Benfica (52′); e a nível coletivo, pela passividade que toda a equipa revelou no lance que culminou no empate do Desp. Aves, com Amilton a cruzar à vontade da esquerda do ataque para a entrada de rompante de Vítor Gomes, de cabeça, sem oposição na área (63′).

Mesmo reduzida a dez unidades, a equipa portista, por influência de Danilo Pereira, conseguiu equilibrar-se de novo, beneficiou de uma oportunidade flagrante de Aboubakar, isolado pelo médio (68′), mas acabou por deixar levar-se pela ansiedade até ao sexto minuto de desconto contra um adversário que, mesmo não conseguindo colocar essa teoria em termos práticos, foi mexendo para tentar chegar ao golo da vantagem.

O final, esse, foi polémico. Ou melhor, foi, está a ser e será polémico: à entrada dos descontos, numa bola perdida no ar após um corte, Amilton tentou limpar na sua área e Danilo apareceu no chão. Inicialmente, não se percebeu ao certo o que podia ter acontecido mas, após a repetição, percebe-se que, ao querer fazer a interceção, o avançado avense acerta com o seu pé na perna do internacional português. Houve muitos protestos, Rui Costa mandou jogar. E, após o último minuto, tiveram mesmo de ser os jogadores a travarem Sérgio Conceição quando se aproximou, ou tentou aproximar, do árbitro.

A revolta dos azuis e brancos era visível e, em relação a esse lance, parece mesmo haver motivo para grande penalidade. Mas houve pormenores, muitos pormenores, que falharam esta noite no FC Porto. E entre tanta escorregadela, não se pode falar apenas das botas.