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Já têm um centro em Lisboa, nas Laranjeiras, há 20 anos, mas a partir de agora vão ter na cidade a sede global da comunidade ismaili. Por estes dias, os ismaelitas (ou ismailis) invadem a capital do país, onde se celebra o jubileu de Diamante da designação do seu líder espiritual. O Imã príncipe Aga Khan Shah Karim Al-Husseini que chega esta sexta-feira a Lisboa, aliás, vai mesmo passar a ter na capital portuguesa uma residência oficial, estatuto diplomático e até um regime fiscal especial acordado com o Estado português.
Até ao dia 11, estima-se que passem por Lisboa cerca de 45 mil ismaelitas, para celebrarem o seu Imã, numa série de eventos que se concentram sobretudo no Parque das Nações, mas que também passam pelo Centro Ismaili e pelo palácio no centro da cidade que está a ser recuperado, para acolher a sede do Imamato. O Imã vai ser recebido pelo Presidente da República, pelo Governo e vai discursar na sala do Senado da Assembleia da República. Quem é este príncipe sem Estado que é recebido com honras de Estado em Portugal? De onde vem a sua fortuna e porque tem tanta influência junto de alguns dos principais líderes do mundo? Que fé professam os seus seguidores? O Observador procurou respostas às principais perguntas sobre esta comunidade secular e o seu líder.
Quem são os ismaelitas?
São muçulmanos. Acreditam na existência de um único Deus, a que chamam Alá, que Maomé foi o último profeta e que revelou o Alcorão. Os ismaelitas pertencem ao lado xiita do Islão, aquele que acredita que Alá tinha revelado em vida que com ele terminava a era da profecia, ele era o último profeta abraâmico, e depois dele começaria a era do Imamato. Nessa nova era, o primeiro Imã seria o seu genro Ali (Shi’at Ali significa precisamente “partidários de Ali”, shiitas ou xiitas) e dali em diante a sucessão seguiria a linha genealógica. Os restantes muçulmanos, os sunitas, acreditam que a sucessão pertence ao líder mais velho.
Mas as divergências não se ficam por esta grande cisão do Islão que pôs para cada lado xiitas e sunitas. Dentro do xiismo, as divisões continuaram ao ritmo a que se multiplicavam os entendimentos sobre quem, entre os descendentes diretos de Maomé, deveria ser escolhido como líder. Os ismaelitas acreditam que a sucessão válida é a da linha da união de Ali com Fátima, filha de Maomé, sendo o Imã designado pelo seu antecessor. Não tem de ser o filho mais velho do atual Imã, por exemplo. Aliás, o atual líder espiritual dos ismaelitas era neto do anterior. No ismaelismo seguem um Imã vivo, são os únicos xiitas que o fazem, seguem a linha de um dos dois filhos do sexto Imã, que se chamava Ismail.
Regem-se por uma constituição, que foi promulgada em dezembro de 1986, e onde está definida a obediência ao Imã vivo que é o responsável por orientar a comunidade na sua vida espiritual e material e também é o responsável pela interpretação dos textos sagrados. Os países onde esta comunidade é mais expressiva são os Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, Tajiquistão, Irão, Afeganistão, Índia e Paquistão.
Quem é o atual Imã dos ismailis?
Shah Karim Al-Husseini tem 81 anos, nasceu em Genebra, e é o 49.º imã, descendente direto de Maomé. Foi designado pelo seu avô Sultan Muhammad Shah, a 11 de Julho de 1957, para liderar espiritualmente os 15 milhões de ismailis espalhados por 25 países do mundo. Tinha 20 anos e estava nessa altura a estudar História do Islão em Harvard. No seu testamento, o avô explicou que a escolha se deveu às “grandes mudanças” do mundo naquele período: “Estou convencido que é do melhor interesse da comunidade muçulmana, xiita, ismaelita, que eu seja sucedido por um homem jovem que tenha sido educado nesta nova era e que traga uma nova perspetiva da vida ao cargo de Imã”.
A vida de playboy do pai de Sahah Karim, Ali Khan, foi sempre vista como desfavorável a uma nomeação. Aly, como era referido muitas vezes nas revistas do social, tinha, naquela altura, acabado de se divorciar no seu segundo casamento, desta vez com a estrela americana de cinema Rita Hayworth. Karim foi fruto da sua primeira união, com Joan Barbara Guinness (Tajuddawlah foi o seu nome, depois da conversão ao islamismo). O atual Imã já foi casado duas vezes: primeiro com a modelo britânica Sarah Croker-Poole (de quem teve uma filha e dois filhos), durante 25 anos, depois com a princesa Gabriele de Leiningen (de quem teve um filho). Já tem netos e é desta descendência que sairá o seu sucessor que, já se sabe, será um homem — questionado sobre a hipótese de ter uma mulher na liderança, numa entrevista ao Público em 2008, o atual Imã respondeu “absolutamente não”.
O que é Aga Kahn e porque é o líder ismaili tratado por “Sua Alteza”?
Aga Khan é um título que foi concedido ao 46º líder ismaili, Hasan Ali Shah, no século XIX, pelo casamento com a filha do xá da Pérsia, na dinastia Qajar. A partir dessa altura, o Imã passou a ser referido por Aga Khan, o atual é apenas o 4º a usá-lo. O mesmo Hasan Ali Shah foi um aliado dos britânicos na primeira guerra anglo-afegã, em meados do século XIX, e este seu apoio acabou por ser recompensado pela coroa britânica com o título de “Sua Alteza”. O atual Imã, Shah Karim, viu o mesmo título ser reconhecido, na altura da sua designação, pela atual rainha de Inglaterra, Isabel II. É por tudo isto que o líder dos ismaelitas é referido como “Sua Alteza o príncipe Karim Aga Khan”. O circuito social em que se move é o de toda a realeza internacional. “É efetivamente um príncipe, vem de uma linhagem reconhecida como nobiliárquica, e é visto como um par sem Estado”, nesse meio, explica ao Observador Faranaz Keshavjee, investigadora do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL.
Qual a maior marca dos 60 anos como Imã?
Dez anos depois de ter sido designado Imã, Shah Karim criou uma Rede com propósitos humanitários — a Rede Aga Khan para o Desenvolvimento — que opera em três áreas distintas: desenvolvimento económico, desenvolvimento social e desenvolvimento cultural. A AKDN (é assim a abreviatura da rede) é a face mais visível e reconhecida do princípe Aga Khan. Tem atividade em mais de 30 países, sobretudo nos continentes africano e asiático, mas não só (está em países como o Canadá, Estados Unidos, Alemanha, Madagascar, Moçambique, Quénia, Senegal, Mali, Paquistão ou Índia). É constituída por várias instituições de carácter não confessional e conta com cerca de 80 mil colaboradores por todo o mundo. O seu orçamento anual fica entre os 600 e os 900 milhões de euros e o braço económico da rede é o único que tem fins lucrativos, tendo no ano passado registado uma receita que ascendeu aos 3,5 mil milhões de euros, que a rede garante “reinvestir noutros projetos de desenvolvimento”.
Os lucros do fundo de desenvolvimento económico vêm de serviços prestados por empresas que pertencem à rede nas áreas do turismo (sobretudo hotéis de luxo), indústria, banca, seguradoras, aviação e comunicação. Exemplos? O emblemático hotel Polana, em Maputo, pertence à AKDN, bem como o maior banco privado paquistanês, Habib Bank Ltd, ou o Development Credit Bank da Índia. Também é dona da companhia aérea Air Burkina, no Burkina Faso, e de várias fábricas ou empresas espalhadas por países como Afeganistão, Paquistão, Moçambique, Quénia, Senegal, Tanzânia ou Uganda. A ideia é que os projetos que têm lucro possam financiar a atividade da restante rede.
O ramo mais significativo em termos de ação social humanitária é o do desenvolvimento social, no qual se insere a Fundação Aga Khan (que inclui todas as que existem), e todos os projetos na área da educação, saúde e habitação direcionados para as populações mais vulneráveis dos países onde a rede está presente. É também aqui que se inserem as academias Aga Khan, escolas de excelência que pretendem ter também um envolvimento social nas comunidades onde se inserem. Não são reservadas à comunidade ismaelita, nem apenas a jovens com posses. A primeira escola do género apareceu em Mombaça, no Quénia em 2003, a segunda na Índia e a terceira em Moçambique. Está prevista uma academia também em Lisboa (ver mais abaixo).
O príncipe é milionário? E de onde vem essa fortuna?
A maior parte do património do atual Imã é herdado dos seus antepassados e esta riqueza cresceu muito por via de donativos que foram sendo feitos aos líderes espirituais da comunidade durante a sua história. Aliás, no tempo do avô do atual Imã, existiram, por mais de uma vez, cerimónias em que os fiéis tinham de oferecer o correspondente ao peso do líder espiritual em metais e pedras preciosas. Em 2008, a Forbes colocou o príncipe Karim como o 11º membro da realeza mais rico do mundo, com uma fortuna pessoal avaliada em mais de 800 milhões de euros. Na entrevista já citada, o Imã brincou com esta classificação de “milionário”: “Se alguma vez os bancos me emprestassem dinheiro com base no que dizem os relatos dos jornais, eu seria muito rico! Mas não poderia competir com o senhor [Bill] Gates nesta matéria, posso assegurar-lhe”.
Karim rejeitou ter “alguma coisa a ver com empreendedorismo”: “No islão, um imã, xiita ou sunita, tem responsabilidades, antes de mais, pela segurança do povo; em segundo lugar, tem responsabilidade pela qualidade de vida material, pelo quotidiano. A natureza do imamato é, portanto, a de se envolver nas atividades com impacto direto na qualidade de vida das pessoas”, assegurava. O único negócio privado que admitia manter era “uma longa tradição de organização de corridas e de criação de cavalos” que os filhos continuam: “Mas não sou, nem nunca me tornarei num empresário”.
Na celebração do jubileu de ouro, há dez anos, o Imã “mudou o paradigma das doações”, explica Faranaz Keshavjee, quando instituiu o “Time and Knowledge Nazrana”. A ideia era que, em vez de se cingirem às doações materiais, “cada seguidor oferecesse voluntariamente uma parte do seu tempo e do conhecimento em função do Imamato, o que inclui a Rede de Aga Khan para o Desenvolvimento”, adianta a especialista. Ainda assim, há um contributo material que não se extingue: cada fiel tem de oferecer regularmente à comunidade um décimo (o dassond) dos seus ganhos.
Porque é o líder ismaeli tão influente e a sua comunidade tão bem posicionada?
A capacidade de investimento, o reconhecimento de obra feita e a rede de contactos que o líder da comunidade foi estabelecendo ao longo dos anos são elementos que o aproximaram da elite. Sem ter um Estado é tratado como soberano de um, é recebido com honras de Estado em vários países e o seu estatuto real é reconhecido até pela coroa britânica. Esta posição faz com que o seu nível de informação sobre os países onde a comunidade está seja muito elevado. “Por gozar desta relação com muitos estados e governos, tem um conhecimento da realidade geopolítica e consegue formar uma opinião com muita razoabilidade”, explica Khalid Jamal, da direção da Comunidade Islâmica de Lisboa.
Um ponto decisivo para cumprir um dos seus desígnios: orientação espiritual, sim, mas também material, ou secular. Os ismailis pautam-se pelo equilíbrio entre a vida espiritual e a material. Um equilíbrio para o qual as orientações do seu líder, em ambas as vertentes, é fundamental. Por exemplo, antes de Portugal começar a sentir a crise financeira, os ismaelitas em Portugal terão recebido conselhos do líder para investirem fora do país para minimizarem o impacto desse mau momento da economia portuguesa nos seus negócios. Outro exemplo foi o aconselhamento para saírem de Moçambique, depois do 25 de abril, para Portugal (ver em baixo). E outro ainda: o conhecimento e uso fluente da língua inglesa desde a infância, além da língua do país onde os membros da comunidade se inserem.
Os ismaelitas que se fixaram em Portugal têm uma forte ligação ao meio empresarial e financeiro, o que Khalid Jamal entende ter uma possível explicação na região da Índia de onde são oriundos, o Gujarat (ver abaixo). Os indianos desta região “eram uma comunidade mais letrada e erudita, e a maior parte com uma forte vertente empreendedora que a caracteriza”, explica Jamal, que acredita ainda que o facto de a comunidade ser pequena também facilita uma maior circulação da informação e maior proteção (também nos negócios). O líder da comunidade em Portugal, Rahim Firozali, explica o sucesso no meio empresarial de alguns ismailis em Portugal com “a conduta diária que procura a excelência e a meritocracia, a mensagem do Imã é de meritocracia e de uma educação de excelência”.
Quantos são e de onde vieram os ismaelitas que vivem em Portugal?
Atualmente a comunidade ismaelita em Portugal terá entre 9 mil e 10 mil membros. São sobretudo descendentes de famílias que, no final do século XIX, se fixaram em Moçambique, vindas do Gujarat, Índia, em busca de melhores condições de vida. Os ismailis ficaram essencialmente pela zona norte do país (nas província de Nampula e Cabo Delgado) que, na altura, estava sob o domínio português. Dedicavam-se maioritariamente à atividade comercial, sobretudo na área alimentar — a atividade continua a ser a que mais se repete na comunidade nos dias de hoje. Quando o país entrou em guerra civil, na década de 70, a comunidade ismaelita (cerca de 600 famílias) saiu de Moçambique e o destino foi Portugal. A indicação para que escolhessem Portugal como nova casa foi do próprio Imã.
Quem são?
Alguns exemplos de ismailis que vingaram no meio empresarial: os irmãos Sacoor, fundadores e donos da multinacional de vestuário; o grupo VIP Hotels que é da família Kurgi, o grupo hoteleiro Sana cujo CEO é Nazir Din.
Porque razão estão tantos ismaelitas em Portugal por estes dias?
A comunidade ismaili celebra entre 5 e 11 de julho deste ano, em Lisboa, o jubileu de diamante da designação do seu líder atual, com grande parte dos eventos e encontros relativos a estas comemorações a decorrerem no Parque das Nações. Além disso, a partir daqui, Lisboa passará a acolher a sede mundial do Imamato. “É a primeira vez que esta designação surge na história”, nota ao Observador Faranaz Keshavjee.
A comunidade ismaili tem estruturas espalhadas por vários países como França (é onde se tem fixado de forma mais permanente nos últimos tempos, em Aiglemont, perto de Paris), Suíça, Canadá e Grã-Bretanha. A escolha do país é explicada pelo posicionamento geográfico e pelo bom relacionamento do Estado com a comunidade. Em 2008, Karim já tinha estado no país para a celebração do jubileu de ouro e, nessa altura, elogiou o “o pluralismo em construção” na sociedade portuguesa, “o desejo político de reconhecer estruturas de fé e de lhes dar um papel apropriado na sociedade” e também a “história extraordinária”. O estabelecimento da sede da comunidade no país foi consagrado num acordo, assinado em julho de 2015, entre o Estado Português e o Imamat Ismaeli, aprovado na Assembleia da República e ratificado pelo Presidente da República.
Rahim Firozali diz que esta relação próxima já tem mais de 30 anos, e o atual Aga Khan tem-se relacionado com todos os chefes de Estado portugueses desde então. Quando há um ano esteve em Portugal e recebeu o grau de doutor honoris causa, pela Universidade Nova, o príncipe Karim já se referia à “partilha de valores” entre Portugal e a comunidade. “Nós portugueses não valorizamos o pluralismo que existe no país, mas Sua Alteza vê isso como um enorme ativo “, defende o presidente do Conselho Nacional da Comunidade Ismaili.
Lisboa vai passar a ser um centro de peregrinação ismaili?
Não, responde a especialista em estudos islâmicos Faranaz Keshavjee, essa não é uma prática dos ismaelitas. Os 45 mil crentes esperados em Lisboa para estes dias vêm para marcar, juntamente com o seu líder espiritual, o encerramento das celebrações do jubileu de diamante, uma celebração global da comunidade. E o facto de a sede se estabelecer em Lisboa também não transforma a cidade num centro de peregrinação, trata-se apenas da instalação do gabinete do Imã. Ainda assim, Keshavjee (que também pertence à comunidade) sublinha o movimento que se sente nos últimos tempos: “Lisboa está a ser vista como um sítio apetecível para muitos ismaelitas com capacidade económica e financeira”.
Onde será a sede? E o príncipe vai passar a viver em Portugal?
Para instalar a sede, Aga Khan comprou à Universidade Nova de Lisboa o Palácio Henrique Mendonça — um edifício do início do século XX, classificado como imóvel de interesse público desde 1982. A obra de reabilitação do edifício (que o príncipe visitará, mas que ainda não está concluída) foi orçamentada em 6 milhões de euros. O palácio fica na Rua Marquês de Fronteira, junto ao Corte Inglês. Vai acolher o gabinete do líder da comunidade, como também a estrutura responsável pela Rede Aga Khan para o Desenvolvimento, em particular a Fundação Aga Khan. Karim também terá em Lisboa a sua residência oficial, foi pelo menos isso que ficou fixado no acordo com o Estado português. O local onde será essa residência ainda não estará escolhido e também não significa que o príncipe venha a fixar-se permanentemente em Lisboa. Nesta visita, o líder ismaelita deverá ficar hospedado no Hotel Ritz, como é seu hábito nas deslocações a Portugal.
O que já existe e o que se pretende fazer em Portugal?
A Rede Aga Khan para o Desenvolvimento começou a atividade em Portugal em 1983, através da Fundação Aga Khan Portugal, e é desde esse ano que o Imã tem um representante diplomático no país, Nazim Ahmad. O Governo português reconhece a tradição de tolerância da comunidade e também a rede de contactos que tem pelo mundo, a relação do atual Imã com os governantes e chefes de Estado portugueses tem sido sempre estreita e de muita colaboração.
A Fundação Aga Khan emprega atualmente cerca de 100 pessoas no país, mas também envolve 600 voluntários (uma prática que faz parte do espírito ismaili) e pretende dar resposta a situações de exclusão social e pobreza urbana. Tem também uma forte componente ao nível cultural e da educação dos mais jovens. É neste último capítulo que se insere um dos objetivos que o príncipe tem, a curto prazo, para Lisboa: a criação de uma Academia Aga Khan, uma escola de “ensino de excelência”, como as 18 que já existem no mundo e onde a principal ambição é formar futuros líderes, que possam apoiar o desenvolvimento das sociedades onde se inserem.
Já há vontade, abertura do Estado português, mas falta o terreno para a edificação da escola, não existindo ainda uma data prevista para o arranque definitivo do projeto que envolve um investimento de vários milhões de euros no país (segundo as estimativas iniciais, pode ultrapassar os 100 milhões de euros). Na Academia, os alunos são admitidos depois de um teste de mérito, independentemente da sua condição financeira ou credo. O objetivo é que metade dos alunos que ingressam nas academias seja constituída por jovens que possam precisar de ajuda financeira para pagar as propinas (um apoio que é prestado pela própria academia) de um ensino a que dificilmente teriam acesso por ter características de escola de elite. O programa é o do bacharelato internacional.
Esse é um dos principais projetos em plano para o país onde já tem investimento feito. Em 2009, a Fundação Aga Khan Portugal passou a gerir um centro de educação de infância nos Olivais, numa parceria com o Governo e a Associação Criança, num programa de educação inclusiva para crianças mais desfavorecidas. Além disso tem também algum contributo ao nível cultural, como a doação de 200 mil euros ao Museu Nacional de Arte Antiga para adquirir o quadro “Adoração dos Magos” de Domingos Sequeira, ou o apoio à trienal da arquitetura, a cerimónia do prémio Aga Khan para a Arquitetura em Lisboa, ou o apoio de 450 mil euros durante três anos (de 2008 a 2010) ao Plano Nacional de Leitura. No último verão, depois da vaga dramática de incêndios, a Fundação doou 500 mil euros para a apoiar a reabilitação de aldeias afetadas pelos fogos.
Além disso, em Lisboa, mais concretamente nas Laranjeiras, existe há 20 anos o Centro Ismaili (no mundo só existem seis, além de Lisboa há dois no Canadá, um no Tajiquistão, outro em Londres e outro no Dubai). Um complexo que ocupa cerca de 18 mil metros quadrados onde existe um espaço para que a comunidade possa fazer o seu recolhimento em oração (dois momentos diários, ao nascer do sol e ao final do dia). O espaço também acolhe as instituições Aga Khan.
Com que teve de se comprometer o Governo português?
A primeira “facilitação” que está especificada no acordo de 2015 é a emissão de “cartões de identidade diplomáticos para os membros da sede”. O imamato terá tratamento igual ao das missões diplomáticas em Portugal, mas sobretudo gozará de um regime fiscal especial. Os “donativos e legados feitos pelo Imamat Ismaili ou pelo Imã” e os rendimentos recebidos pelos mesmos (incluindo mais-valias e bens) “não serão sujeitos a qualquer imposto, incluindo impostos sobre rendimentos ou património”, consta no texto do acordo. E o mesmo acontece com as remunerações pagas aos altos funcionários do Imamat. Ficam de fora desta exceção os rendimentos que provenham de negócios.
O imamato ficará ainda isento do pagamento de IMI, do imposto de selo, impostos sobre transações normalmente cobrados na aquisições de bens móveis e imóveis. E pode transacionar veículos terrestres, aéreos e marítimos também sem pagar impostos na compra, propriedade ou registo. O Imã terá o “tratamento diplomático cerimonial” que é concedido em Portugal às altas entidades estrangeiras e terá “imunidade de qualquer ação judicial e procedimentos legais relacionados com atos praticados no exercício das suas funções” no Imamato. O acordo tem data de 3 de junho de 2015 e foi assinado pelo então ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete, e pelo princípe Aga Khan, aprovado pelo Parlamento e ratificado pelo Presidente da República.
Qual a prática religiosa de um ismaili?
O dia começa com oração e termina com oração, ao nascer do sol e ao pôr do sol. A entrada na sala de oração — jamatkhana (traduzido, quer dizer Casa da Comunidade)–, que está virada para Meca, é feita de pés descalços para deixar para trás o que prende o crente à vida terrena. Mulheres para um lado, homens para o outro, todos sentados no chão. Até aqui poucas diferenças face aos muçulmanos sunitas. A separação de géneros na sala “evita a distração e ajuda a estarmos focados na oração”, explica Cheinaz Vissram, uma crente que vive em Moçambique e que está em Portugal para as celebrações do jubileu.
As orações diárias são um dever do ismaelita, mas não têm de ser feitas no jamatkhana. A oração é feita com versículos do Corão e, por vezes, também com textos de discursos do Imã feitos em alguns encontros religiosos pelo mundo. São muçulmanos, não comem carne de porco, mas não há nenhum sinal de chamamento para a oração, como acontece nas mesquitas e as mulheres não têm de usar o véu islâmico. Celebram as festas normais do calendário muçulmano e ainda datas importantes da comunidade ismaili, como por exemplo esta que agora se celebra, o dia em que foi designado o Imã.
“A prática da religião não é vista como algo separado da vida do dia-a-dia. Há orações nos locais de culto a horas pré-determinadas. Se não é possível a participação ao longo do dia, podemos fazê-la onde estivermos”, explica Rahim Firozali. Khalid Jamal (sunita) explica que há uma diferença muito visível: “A oração sunita é não só espiritual como também física”, diz fazendo referência aos gestos corporais que acompanham o momento de oração nas mesquitas. Os ismailis são menos evidentes a este nível, vivem o momento de forma interior e muito reservada. Nas salas de oração, nos momentos da celebração, só são permitidos crentes e não se pode recolher imagens dos espaços.