“Onde estejas, aguenta. Não vamos desistir e vamos encontrar-te”. A mensagem surge por baixo da fotografia de um homem de meia idade a cortar a meta de uma prova, sorridente. Está um pouco por todo o lado. Na porta da igreja, impressa num papel meio curvado pelas formas esquinadas da porta de madeira. Uns metros ao lado, colada de forma tosca em cima de um cartaz político — escondendo-lhe o essencial das frases de ordem. Nos panfletos que se distribuem a quem passa. Em três outdoors colocados estrategicamente à beira da estrada — um em Alverca, outro na Arruda dos Vinhos e outro em Castanheira do Ribatejo, entre Areias de Cima e Areias de Baixo.
Está também na estrada que liga Cachoeiras a Cadafais, multiplicada por dois papéis pregados numa paragem de autocarro. É nessa estrada que encontramos Vítor Cunha. Vem a pedalar no sentido oposto ao nosso, de fato vermelho justo e óculos grandes e espelhados que lhe tapam as feições. O rosto está carregado. Luís Miguel Grilo, o homem da fotografia, o homem dos outdoors, o homem dos cartazes, é seu amigo. Desapareceu no dia 16 de julho, quando saiu para um curto treino de bicicleta na zona onde vive, as Cachoeiras — uma povoação com pouco mais de 700 habitantes perto de Vila Franca de Xira. Nunca mais voltou.
Vítor Cunha é triatleta amador, tal como Luís Grilo. Há sete anos que ambos correm, pedalam e nadam na mesma equipa, a Wikaboo. Foi ele que colou os três outdoors e que tratou de toda a logística de cartazes e panfletos através da empresa de impressão onde trabalha. É ele também um dos muitos que, desde aquele dia 16, tem percorrido, em paralelo com as autoridades, toda a área circundante, vezes e vezes sem conta, pelos caminhos mais lógicos e pelos outros, os mais descabidos. Tudo em busca do amigo que desapareceu e que deixou todas as vidas paradas, em suspenso.
“Ainda temos esperança. Ela é a última a morrer. Mas claro que, se pensarmos bem, as percentagens vão diminuindo à medida que o tempo passa”, diz, ao Observador, com o desalento a sacudir-lhe os ombros. “Sabe?” — acrescenta — “Isto é um pesadelo e estamos à espera de acordar. Estou a aguardar que, a qualquer momento, o telefone toque e me digam que ele está ali e que o encontraram. Mas já estamos fartos de esperar…”.
As teorias vão e vêm, mas, no fundo, todas esbarram na mesma perplexidade: Luís Grilo e a sua bicicleta desapareceram sem deixar pistas. “Ou ele está raptado em algum sítio, ou viu alguma coisa que não devia ter visto, ou estava no sítio errado à hora errada…”, especula Vítor Cunha. Uma coisa é certa: a hipótese de uma fuga não entra nas contas. Até porque, esclarece o amigo, Luís Miguel tinha uma vida estável e vivia feliz com a mulher Rosa e o filho Renato, de apenas 12 anos. “Não há um indicador de problemas, nem financeiros, nem de saúde, nem a nível familiar. Nada”, explica Vítor. “A vida dele é o filho, é vidrado nele… Não faz sentido nenhum. Se fosse outra pessoa até podia ser, mas ele…”. Mesmo sem saber, o próprio Luís Grilo dá-lhe razão. Num texto escrito por si no jornal local Mirante, diz: “O mais importante para mim na vida, além de correr, é a família e o meu filho. Espero poder vir a dar-lhe ferramentas para ele ter um bom futuro”.
Nas Cachoeiras, todos os caminhos desaguam na Associação Desportiva e Recreativa Cachoeirense. É lá que, diariamente, se juntam os amigos à volta de um copo e de dois dedos de conversa. Como Tiago Caldeira, Ricardo Martins e Humberto Reis, que estão à porta e vão trocando algumas palavras com Carlos Santos, o proprietário, que está do lado de dentro, ao balcão. Todos garantem apenas conhecer Luís Grilo de vista. “Fazia disto dormitório, quase ninguém o conhece aqui. De vez em quando passava aí com o cão”, esclarece o dono do espaço. “Ele não é da terra, não é conhecido nem tem grande convivência com as pessoas daqui”, acrescenta Humberto.
Mas nem por isso deixam de tricotar teorias sobre o que terá acontecido. “Há aí qualquer coisa muito estranha”, começa por assinalar Tiago. “Uma pessoa não desaparece assim do nada, ainda para mais um adulto de 50 anos”, concorda Humberto. Ricardo sentencia: “Só há uma hipótese: levou um toque de um carro e foi para dentro do Tejo”.
Tiago, o cunhado, concorda. Parece ter uma teoria. “Sabe se têm procurado bem no rio? O rio tem muita mata e há sítios onde não se consegue aceder. Eu sou daqui, pesquei muitas vezes no rio, ali em baixo nas Cachoeiras, e há sítios onde não se consegue ir, têm muito mato, muitas silvas. Se for ao pé da ETAR, não consegue aceder, nem você nem ninguém. Só se se atirar para as canas e sair de lá toda esfolada”. Ato contínuo, chama Ricardo:
— Como é que foi quando tentámos ir lá abaixo ao rio ao pé da ETAR?
— Ui!
— Era impossível lá aceder. Ainda tentei, mas saí de lá todo picado pelas silvas, lembras-te?
“Às vezes fala-se disto”, continua Tiago. “Porque é muito estranho não haver vestígios de nada… Se fosse uma pessoa a dar-lhe um toque de carro, teria tendência para ir embora, haveria algum vestígio na estrada… Não ia pegar no corpo e levá-lo sem deixar rasto…”.
A pouco menos de 20 quilómetros dali, em Alverca do Ribatejo, as perguntas também ficam sem resposta. Mas ali, Luís Miguel Grilo é mais conhecido. Afinal, foi lá que nasceu e viveu até casar, distribuindo o tempo que lá passava com aquele vivido em Vila Franca de Xira, onde estudou na Escola Professor Reynaldo dos Santos — conhecida como a Escola do Bom Retiro. Foi precisamente no apartamento onde cresceu que, anos mais tarde, fundou a Gsystem — a empresa que dirige e onde trabalha como engenheiro informático, a par da mulher, que é responsável pela área administrativa.
A poucos metros, no café La Bambolina, é detrás do balcão que Ana Baião recorda Luís Grilo, com quem se cruza diariamente há mais de 20 anos. Luís costumava frequentar aquele espaço mas, desde que adotou uma cadela de grande porte — a quem deu o nome de Analice, em homenagem à atleta Analice Silva, que morreu aos 73 anos vítima de cancro —, começou a optar pelo café ao lado, porque tem esplanada. “Gosto muito dele. A mulher é uma pessoa muito alegre, com muita vida, muito simpática, e ele é mais calmo, mas com um grande sentido de humor“, assinala Ana, recordando também uma das grandes paixões de Luís Miguel: o Benfica. “Temos isso em comum. Ele gostava sempre de mandar a sua boquita”, conta, com um sorriso nostálgico. De repente, a feição muda. Ana trava o raciocínio e desliza a mão pelo braço esquerdo. “Estou toda arrepiada. Tenho muitas saudades dele…”.
Assim como o casal Domingos e Jesuína Lopes, que moram no mesmo prédio onde Luís tem a sua empresa — ele no 1.º esquerdo, eles no 2.º direito — e onde é administrador do condomínio. “As pessoas no prédio sentem muito a falta dele”, assegura Jesuína. “Ele é uma pessoa tão simples que eu nem sabia que ele era engenheiro…”. O marido concorda. “É impecável, muito prestável. Até já me arranjou o computador duas vezes e não me levou nada…”.
As pistas e os becos sem saída
Segunda-feira, 16 de julho. Era um dia como outro qualquer. O relógio marcava as 16 horas quando Luís Miguel Grilo saiu de casa numa bicicleta vermelha e preta, de marca Cannondale, e com um capacete negro na cabeça. Não levou documentos — apenas o relógio, para marcar os tempos, e o telemóvel, que costumava acondicionar numa bolsa de plástico no interior da roupa de treino para proteger o aparelho do suor. Disse à mulher, Rosa Grilo, que ia fazer um treino curto e que voltaria, no máximo, em duas horas. Não voltou. E foi aí que aquele deixou de ser um dia como outro qualquer.
“Estávamos de férias, mas como eu ia fazer um exame no dia seguinte, e que exigia alguma preparação e acompanhamento, ele ficou comigo em casa. Senão estaríamos fora. Excecionalmente, foi treinar àquela hora”, conta ao Observador a mulher, Rosa. Luís não ia demorar muito: às 18h, contava fazer outro treino, desta vez de natação, acompanhado pelo filho Renato. “Na maioria dos dias os treinos são bi-diários”, esclarece.
As duas horas passaram mas, mesmo assim, Rosa não estranhou a demora. “Era normal prolongar um pouco o treino”, explica. Só começou a ficar preocupada quando as chamadas insistentes para o marido deixaram de ter resposta. E quando o dia começou a tornar-se noite. Foi então que, já em pânico, contactou a GNR de Castanheira do Ribatejo. Tinham passado quatro horas desde que Luís Miguel tinha saído de casa.
As buscas na zona das Cachoeiras arrancaram logo na noite do desaparecimento, mas só no dia seguinte os meios foram reforçados. Além do pedido de localização celular, foram destacados cerca de 20 militares da Guarda Nacional Republicana — incluindo binómios homem-cão. A Polícia Judiciária viria a juntar-se às buscas e houve ainda a ajuda dos Bombeiros, de grupos de amigos que percorreram (e ainda percorrem) toda a zona e até de uma associação cinotécnica (com vários cães). “Foram recriados os percursos que pensávamos que ele podia ter feito”, explica o amigo Vítor Cunha. “Normalmente ele descia as Cachoeiras, virava para o Carregado, passava pelo Carregado e ia até baixo, junto a uma fábrica elétrica, depois voltava para trás e subia pela zona dos Casais da Marmeleira. Outras vezes ia até à Arruda ou Sobral de Monte Agraço”.
As três pessoas que dizem ter visto Luís Grilo
Logo no dia seguinte ao desaparecimento, surgiu a primeira pessoa que disse ter visto Luís Grilo. “Pelas nove da manhã, eu e um amigo fomos bater toda a zona. Estávamos a colocar cartazes e uma pessoa veio dizer-nos que tinha visto um ciclista às 16 horas, na estrada que vai para o Carregado“, conta Vítor Cunha. “Coincide com a hora a que ele saiu de casa, mas lá está, viu um ciclista… há milhares de ciclistas”.
A suposta pista tornava-se um beco sem saída, mas ainda haveria (muitos) mais. Logo depois, uma vidente portuguesa residente na Irlanda deixou um comentário no Facebook de Luís Grilo com a localização precisa de onde estaria o corpo. A Polícia Judiciária seguiu essa possível pista, de acordo com Vítor Cunha, assim como dois amigos de Luís Grilo. Nada feito: mais uma vez, era alarme falso.
A pista seguinte chegou um dia depois, a 21 de julho. Uma professora contactou amigos e familiares, dizendo que tinha visto Luís a discutir com um homem, no dia do desaparecimento, pelas 18 horas, na zona de Arruda dos Vinhos — a cerca de 20 quilómetros das Cachoeiras. Depois de ver as notícias do desaparecimento, a mulher lembrou-se do que tinha visto e colocou-se à disposição das autoridades. Mais um beco sem saída mascarado de pista. “A senhora apenas disse que tinha visto um ciclista na zona da Arruda, mas nem sabia como ele estava vestido ou se tinha sido mesmo naquele dia”, conta Rosa Grilo ao Observador.
O telemóvel e as câmaras de videovigilância
A pista de maior porte chegaria ao terceiro dia de buscas, na quarta-feira à noite. Através do sistema de localização GPS, foi encontrado o telemóvel de Luís Grilo. Estava desligado, fora da bolsa de plástico onde costumava ser transportado e atirado para uma berma de estrada em Casais da Marmeleira — a seis quilómetros da casa do homem desaparecido. Ainda assim, terá permitido à PJ reconstituir o percurso traçado por Luís Grilo e será, por esta altura, a prova mais sólida.
Em simultâneo, as câmaras de videovigilância de uma fábrica a cerca de 100 metros do local onde foi encontrado o aparelho mostraram um ciclista a seguir em direção às Cachoeiras. As imagens foram captadas por voltas das 17h40, a cerca de 20 minutos da hora a que era suposto Luís Grilo ter regressado a casa. Ainda assim, explica Vítor Cunha, “as imagens apenas captam um vulto, não é possível perceber se é mesmo ele”. Ou seja, mais uma pista que não o chegou a ser.
Ainda assim, o facto de o telemóvel ter sido encontrado — e sobretudo a forma como foi encontrado — mudou o rumo da investigação. Não só o perímetro foi reduzido — antes disso as buscas estendiam-se pelos concelhos de Arruda dos Vinhos, Sobral de Monte Agraço e Vila Franca de Xira —, como levantou a suspeita de o desaparecimento estar associado a um crime e, por isso, o caso passou para a alçada da Polícia Judiciária. Numa primeira instância, o processo esteve a cargo da unidade de desaparecidos, segundo apurou o Observador, tendo depois passado para a equipa de homicídios — embora o decorrer da investigação ainda não tenha confirmado esse cenário. A hipótese que ganha mais peso é a de ter havido um acidente e de o corpo não ter sido ainda encontrado, mas o caso não é apenas um quebra-cabeças para os amigos e familiares; também o é para a própria PJ.
Enquanto a verdade vai sendo adiada, os amigos prometem não desistir. Ainda que já não saibam o que fazer mais. “Já estamos nisto há duas semanas, todos os dias. Junto à estrada já batemos tudo, tudo até Montejunto. Não imagina, já fizemos centenas de quilómetros. Não sabemos onde procurar mais“, desespera Vítor Cunha. O amigo de Luís Grilo explica que a Judiciária lhes “deu indicação para deixarem trabalhar as autoridades” e disse que “se precisassem, entravam em contacto”. O que foi encarado como uma forma “subtil” de os afastar do terreno. Por isso, as buscas por conta própria abrandaram — nos primeiros dias aconteciam de forma diária, em colaboração com a GNR, que controlava a investigação. Agora, ocorrem apenas ao fim-de-semana. “Em vez de treinarmos nas nossas zonas, vimos todos para aqui e aproveitamos para procurar por ele”, explica Vítor.
A paixão pelos animais, a obsessão pelo Benfica
Luís Grilo chegou àquele dia 16 de julho, àquele treino que era suposto demorar duas horas, apenas 15 dias depois de regressar de Frankfurt, na Alemanha. Foi lá que participou no terceiro Ironman da sua carreira — a prova mais exigente do triatlo, que inclui 3,8 quilómetros de natação, 180 de ciclismo e 42 de corrida (o equivalente a uma maratona). Ficou no lugar 663 da geral (em 2.300 participantes) e no 55.º do seu escalão (em 298 atletas).
Pedro Pisco estava lá (e ficou meia hora atrás de Luís, apesar de ser mais novo seis anos), assim como estava lá na primeira prova de todas — o Triatlo de Lisboa, em 2015. “Inicialmente, corríamos maratonas mas, em 2015, resolvemos passar aos triatlos. Naquela prova, que foi a primeira para os dois, lembro-me de olharmos um para o outro e pensarmos: ‘No que nos fomos meter?'”, recorda o amigo e companheiro de equipa. “Tenho 40 e tal anos, ele 50, mas no fundo somos miúdos, não é?”, atira. “Queremos sempre mais coisas e mais difíceis. Já tínhamos feito todas as maratonas, que são a prova de atletismo mais difícil. Pensámos: ‘Vamos só complicar isto um bocadinho e, em vez de praticarmos um desporto, vamos praticar três ao mesmo tempo”.
Daí até começar nas longas distâncias foi um salto — não só temporal, mas também de fé e dedicação. Apesar de amador, Luís costumava treinar como um profissional: duas vezes por dia quando se aproximavam as provas, isto sem falar dos longos treinos ao fim-de-semana, na companhia dos colegas de equipa. Chegava a pedalar quatro horas seguidas em Setúbal, o destino escolhido para as sessões mais longas. “O que o move é a superação”, garante ao Observador a mulher, Rosa. “O Luís é uma pessoa muito persistente, muito determinada e gosta de ser desafiado. O desporto é uma superação boa. Podem doer as pernas mas, no dia seguinte, há a vontade de fazer mais e mais”. O esforço deu frutos: em 2016, participou no seu primeiro Ironman, no sul de Espanha. Que o marcou tanto que está tatuado na perna direita. “Fui eu que o incentivei a fazer”, conta Rosa. “Os colegas também têm, é algo que marca. Se há coisa que se pode tatuar na pele é o que se sofreu e passou numa prova dessas, não é?”.
Não admira que, mais do que um amigo, Luís Grilo seja uma inspiração para o jornalista da TVI, José Gabriel Quaresma. Conhecem-se desde os tempos da Escola do Bom Retiro, há quase 40 anos, e a vida colocou-os, já adultos, em rotas parecidas. “Tal como eu, há uns cinco anos o Grilo era obeso”, revela. “Decidi mudar de vida e começar a praticar desporto, ele fez o mesmo. Nunca lhe disse, mas ele sempre me serviu de inspiração, como era mais velho e mais obeso do que eu. Pensava: ‘Se o Grilo consegue, eu também hei-de ser capaz’. Vê-lo treinar com aquela determinação dava-me uma dose extra de motivação”, conta o jornalista, que costumava encontrar Luís Grilo no jardim Constantino Palha, em Vila Franca de Xira, onde ambos faziam treinos de corrida.
Para lá do desporto, para lá da engenharia informática, há ainda a paixão por animais. “Temos uma catrefada de bichos”, diz Rosa Grilo. E enumera: “Três gatas, um gato e uma cadela. Dão-se todos bem, mas têm dias, como os humanos”. Dois dos gatos, Luís adotou da Associação Tiarama — de onde também saiu a cadela Analice, sua grande companheira. “A cadela pirou-se da Associação e foi a correr atrás dele, fizeram juntos um treino de 20 quilómetros”, recorda a mulher. “Quando chegou ao fim, ligou-me a dizer que uma cadela lhe tinha entrado para o carro. Eu disse-lhe para a trazer”.
Luís é também apaixonado por tudo aquilo que está para lá dos horizontes diários. Apesar de viver numa terra pequena, o mundo é grande aos seus olhos e feito para ser explorado. África é a grande paixão: já esteve em São Tomé, Cabo Verde, África do Sul e Moçambique. Na lista de destinos a conhecer pelo casal, a Patagónia está em primeiro lugar.
Todos quantos conhecem Luís Grilo falam de um homem reservado. Mas as reservas caem sempre que joga o clube do coração, o Benfica. Em casa, nunca houve dúvidas a respeito do canal a sintonizar na televisão: a BTV. “É um dos defeitos que ele tem”, brinca Pedro Pisco. “Quando começavam os jogos, ele ia para a bicicleta para dar força. Se o jogo tivesse 90 minutos, eram 90 minutos; se tivesse 120, eram 120”, recorda. Rivalidades à parte, “o Luís era o amigo com quem se podia sempre contar”. “Vivíamos a 70 quilómetros um do outro, mas era mais fácil combinar coisas com ele do que com pessoas que estão mais perto”.
“Parece que um objeto voador não identificado pegou nele e o fez desaparecer”
Quando se fala de Luís Grilo, os verbos começam, cada vez mais a ser conjugados no passado. Mesmo quando isso não acontece de forma intencional e o inconsciente trai o que as palavras procuram apagar. Os últimos dias têm sido vividos numa zona estranha, onde a esperança e o desalento — ou o medo — se tocam no espaço de segundos. José Gabriel Quaresma chama-lhe “uma espécie de Twilight Zone”. “Sinto que estou a viver duas vidas paralelas: há a minha vida normal e depois uma outra vida em que, a qualquer momento posso ser surpreendido, seja por uma mensagem ou por um telefonema”, explica.
“A sensação que tenho é que veio um objeto voador não identificado, pegou nele e na bicicleta, levantou-os no ar e desapareceu com eles”, concretiza o jornalista. “Não há uma única pista, isso é que é inacreditável. Se isto não estivesse a acontecer, diria que era digno de um filme. O drama é que está mesmo a acontecer…”.
O tempo passa, as perguntas continuam sem resposta, a perplexidade e a impotência vão dominando os estados de espírito. O medo está mesmo ali à mão, mas os amigos vão preferindo abrir a gaveta da esperança. “Às vezes penso que ele pode já não estar entre nós”, assume Vítor Cunha. “Mas ainda tenho esperança de o voltar a ver sorrir e treinar connosco”. José Gabriel Quaresma partilha o mesmo estado de alma. “Vou fazer a minha primeira maratona em setembro. Antes ia fazê-la por mim, agora vou fazê-la por mim e por ele. É uma espécie de tributo, de homenagem. E espero que ele a veja, claro. Ainda acredito que me vou cruzar mais vezes com ele no jardim“.