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Retrato de D. Maria II, de John Zephaniah Bell, 1833. Óleo sobre tela, 232 x 134 cm. Colecção Câmara Municipal do Porto. Doação do pintor, 1835
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Retrato de D. Maria II, de John Zephaniah Bell, 1833. Óleo sobre tela, 232 x 134 cm. Colecção Câmara Municipal do Porto. Doação do pintor, 1835

JOÃO PEDRO MORAIS/OBSERVADOR

Retrato de D. Maria II, de John Zephaniah Bell, 1833. Óleo sobre tela, 232 x 134 cm. Colecção Câmara Municipal do Porto. Doação do pintor, 1835

JOÃO PEDRO MORAIS/OBSERVADOR

"M" de D. Maria II no Palácio da Ajuda: a rainha e um país "onde nunca se podia estar sossegada"

A exposição "D. Maria II. De princesa brasileira a rainha de Portugal" é uma viagem pela vida, o tempo e o legado da "Educadora", através de peças, documentos e joias. Abre ao público a 26 de maio.

Adotando o título do colóquio internacional que de 12 a 14 de novembro de 2019 teve lugar neste mesmo Palácio Nacional da Ajuda (e cujas atas ainda aguardam impressão…), a exposição “D. Maria II. De princesa brasileira a rainha de Portugal” (inaugura esta terça-feira, dia 25 de maio, abre ao público no dia seguinte) vem celebrar com inusitado atraso — que a pandemia por si só não explica — o bicentenário do nascimento de “A Educadora”, ocorrido no paço de São Cristóvão, no Rio de Janeiro, a 4 de Abril de 1819. O Brasil, onde afinal viveria apenas uma década (sai do Rio a 5 de julho de 1828, volta no fim do ano seguinte e afasta-se para sempre em 1831), consagrou-lhe em devido tempo, entre 7 de dezembro de 2019 e 21 de abril de 2020, uma exposição no Museu Imperial, em Petrópolis, com um título muito parecido, “D. Maria da Glória: princesa nos trópicos, rainha na Europa”.

Esta tripla coincidência alude sem dúvida a uma singularidade biográfica, que é também histórica pelas circunstâncias políticas absolutamente excecionais em que uma criança de 7 anos se viu investida da soberania dum país que não conhecia (nem a sua tenra idade permitiria conhecer devidamente, qualquer que fosse), e assumiria 8 anos depois, no Parlamento em Lisboa, mas também por ter sido a única monarca europeia a nascer na América, em consequência direta da enorme perturbação continental produzida pela desmesurada avidez do pequenino Napoleão.

As duas vidas de D. Maria II, uma rainha educadora em tempos de luta

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Mas estando certo, e consagrado, este título não exprime suficientemente a natureza também excecional do período do seu reinado, que Henrique Barrilaro Ruas (1921-2003) sintetizou de modo lapidar como “espectáculo triste de caos político, até 1851”, início da Regeneração — uma designação eloquente —, fazendo notar que D. Maria II teve “cuidado angustioso em conseguir paz e tranquilidade para o País”, enquanto, com a ajuda inestimável do rei D. Fernando de Saxe-Coburgo-Gotha, tentou “espalhar à sua volta princípios de humanidade, de civilização. Na medida em que os políticos e os generais os deixaram, alguma coisa de sério produziram para o bem dos Portugueses” (A Liberdade Portuguesa, ed. Real Associação de Lisboa, 2019, p. 156).

A exposição apresenta peças cedidas por colecionadores, outros museus, autarquias, algumas restauradas propositadamente para a ocasião

JOÃO PEDRO MORAIS/OBSERVADOR

A rainha D. Maria II jurou a Carta Constitucional nas Cortes a 20 de setembro de 1834. Ao morrer a 15 de novembro de 1853, diz ainda Barrilaro Ruas, “terminava, no meio do respeito geral, uma vida aventurosa”, multiplicada certamente pela sua condição excecional — ou “exorbitante privilégio”, afirma à p. 54 do catálogo a sua biógrafa Maria de Fátima Bonifácio (2007). Aos 10 anos (1829), retratada em Londres pelo pintor e presidente da Royal Academy Sir Thomas Lawrence, o inconfundível esplendor da sua beleza juvenil — uma invulgaridade familiar… — não permitia adivinhar os efeitos que os pesados trabalhos de rainha e de mãe lhe irão infligir, e que abundante iconografia irá testemunhar, como o retrato de c. 1840 tirado por João António Correia e pertencente ao Palácio da Bolsa do Porto (cat., p. 238) ou aqueles que em 1836-40 lhe foram dedicados por Joaquim Rafael e José Norberto Ribeiro a propósito do patrocínio régio à Academia Nacional de Belas-Artes de Lisboa (cat., pp. 280-81), ou a gravura de Paolo Gugliemil de 1842 (cat., p. 305). Para trás, muito para trás, na verdade, ficara — definitivamente — a figura grácil retratada no Palácio das Necessidades em 1833 (óleo sobre tela, 232 x 134 cm; cat. pp. 103, 214) pelo pintor escocês John Zephaniah Bell (1794-1883), um quadro oferecido à cidade do Porto dois anos mais tarde, a partir de Londres, depois de aí ter sido exposto num salão da Royal Academy (Patrícia Telles cit., p. 104), ou o seu retrato de pequenas dimensões, feito no mesmo ano 1833, por Simon Jacques Rochard (têmpera sobre marfim, 13 x 10 cm; cat. p. 277).

D. Maria II foi também a primeira monarca portuguesa a posar para a câmara fotográfica, uma invenção relativamente recente, de 1839, e a sua efígie aparece nos primeiros selos de correio portugueses, de 1853 — um dos quais na sua cor preferida, o azul —, desenhados em 1852 por Francisco de Borja Freire, principal gravador da Casa da Moeda, com comentário do próprio rei D. Fernando (Sardica, p. 326), seguindo modelo britânico criado em 1840 por Sir Rowland Hill sob o alto patrocínio do príncipe Alberto.

A exposição deixa à vista a grande dependência nacional de artistas estrangeiros para os melhores retratos de aparato da família real, mas algumas obras-primas portuguesas merecem a mais demorada atenção, como o retrato miniatural do rei-artista enquanto jovem por Francisca de Almeida Furtado, ou o prato de suspensão com a efígie da rainha, pela Real Fábrica de Vidros da Vista Alegre.

Na Corte carioca, artistas franceses que para escaparem ao terror revolucionário se abrigaram no longínquo e promissor Brasil (uma monarquia constitucional entre repúblicas americanas…), desde muito cedo a haviam representado em variados suportes, do leque ao medalhão e à gravura. O destacadíssimo Jean-Baptiste Debret, entre outros momentos, como o cortejo do batismo, figurou-a pelos 6 anos numa pequena tela de bom efeito — todavia inacabada — hoje do colecionador português Vasco da Câmara Pereira (cat., pp. 51, 167), e certamente uma das surpresas desta exposição, pouco antes de em 1828 a ter colocado como espectadora na Coroação e Sagração de D. Pedro I, um quadro monumental (3,80 x 6,36 m) que terá de ser visto no Museu Nacional de Belas-Artes, do Rio de Janeiro, pois não viajou até ao Palácio Nacional da Ajuda. Domingos Sequeira desenhou-a ­também — porém, ao que tudo indica, só imaginariamente — em 1826 junto ao pai, que jurava a Carta (cat., p. 60). Discípulo de Debret, Simplício Rodrigues de Sá, caboverdiano abrasileirado professor de desenho e pintura da princesa, retratou-a aos 11 anos num pequeno quadro a óleo sobre cobre, da coleção do Palácio Nacional de Queluz (cat., p. 169).

Durante a sua estada em Inglaterra, em 1828-29, onde foi particularmente apaparicada por Jorge IV, pois “comportava-se em tudo como uma rainha adulta”, a “little visitor” foi tema das caricaturas de William Heath, que lhe demonstrou divertida simpatia (cat., p. 185) numa série de gravuras a água-forte aguarelada que na exposição merecem observação cuidada. Numa dessas caricaturas, Majestade e Graça, o duque de Wellington curva-se respeitosamente diante da criança que lhe aperta o nariz, enquanto dois pagens negros, numa clara alusão ao Brasil, lhe sustêm o manto. Peter Turnerelli esculpiu-lhe o busto em mármore branco. Mas sobretudo, vivendo no campo, teve oportunidade de se deslocar uma vez por mês à embaixada portuguesa em Londres, “onde representantes diplomáticos estrangeiros iam cumprimentá-la e os emigrados portugueses recebiam o favor de lhe beijar a mão” (Bonifácio, p. 58), entre os quais o escritor Almeida Garrett e Pedro de Sousa Holstein, duque de Palmela desde 1833.

A exposição (aqui ainda durante a montagem), poderá ser visitada até 29 de setembro, na Galeria de Pintura do rei D. Luís, 10h00-18h00, todos os dias, com exceção da quinta-feira. Bilhetes a 5 euros

JOÃO PEDRO MORAIS/OBSERVADOR

Foi em Inglaterra que aos 10 anos — correspondendo a pedido do batalhão de caçadores sediado na Ilha Terceira — D. Maria II bordou em veludo, seda e fio de ouro o estandarte liberal de grandes dimensões (cat., p. 186), e que o marquês de Palmela levou ao comandante da unidade, e estaria na origem do pavilhão azul e branco oficial da Monarquia Portuguesa até Outubro de 1910. Hasteada pela primeira vez na fortaleza do Monte Brasil, esta verdadeira relíquia histórica de 138 x 202 cm pertence à Câmara Municipal de Angra do Heroísmo.

E a partir de 1831, quando voltou a Inglaterra com seu pai e ali recebeu dos exilados “portugueses leais” o ceptro de ouro com o seu monograma, D. Maria foi viver para Paris, onde passou a frequentar a corte do rei Luís Filipe de Orleães e os palácios da aristocracia titulada, que a acompanha a bailes, ópera, teatros e exposições — uma revista de época desenha-a, mesmo, com modelo de vestido “de ir à Ópera” (Marques, cat., p. 345) —, e a receber outros emigrados, ansiosos por lhe manifestarem amor e lealdade. José Miguel Sardica refere-se à “peregrinação acidentada da pequena monarca em busca do seu trono […] ao longo de oito anos de enorme incerteza política” (cat., p. 178).

Estandartes liberais bordados pela mão de D. Maria II, 1829; Série de quatro selos “D. Maria II” de 5 réis, 25 réis, 50 réis e 100 réis, Desenho e gravura de Francisco de Borja Freire (1790‑1869) 1853

A Rainha que, em carta a Victoria, de Inglaterra, datada de 8 de maio de 1842, confessou desejar — muito sensatamente — “um país que fosse uma rotina, uma sucessão certa de dias iguais e serenos” e em que “tudo corresse muito tranquilamente”, acabaria por ser o vértice duma sociedade viciada em instabilidade política e sedição permanentes, com um cortejo ininterrupto de motins, pronunciamentos e levantamentos militares e guerras civis, como a Patuleia de 1846-47 — “o reinado da frase e do tiro” descrito por Oliveira Martins, no país “tantas vezes tornado teatro da luta entre paixões” a que D. Fernando se refere num caderno de memórias redigido em francês e mantido ignorado ou inédito desde 1853, onde a dado momento se lê isto:

Toda a sua vida foi repleta de acontecimentos e na sua curta duração teve experiências tão duras, e pôde por vezes ver os homens sob um aspeto tão desfavorável, que não se lhe podia levar a mal um desprezo pelos humanos por vezes levado ao excesso” (cat., p. 79).

Do núcleo expositivo intitulado "Casa Forte" fazem parte as pulseiras da rainha com retratos em miniatura de parentes próximos ou a Rosa de Ouro oferecida a D. Maria II pelo papa Gregório XVI, num gesto de reconciliação após o restabelecimento oficial de relações diplomáticas, em 1841.

Em contrapartida, o impulso da Educação e das Artes prevaleceu no seu reinado, como na rigorosa preparação dos príncipes, onde deve ser encontrada influência quer de seu marido, muito determinante, quer dos seus parentes e confidentes Victoria e Albert, pese embora o facto de, infelizmente, a exposição — bastante influenciada pela perspetiva política, como seria de esperar de um comissariado confiado a um historiador — não desenvolver a proximidade estética de D. Maria e de D. Fernando a estes monarcas britânicos.

O rei D. Fernando II salvou in extremis a custódia de Belém de ser derretida na Casa da Moeda… A recuperação patrimonial dos mosteiros da Batalha, de Mafra e dos Jerónimos e do convento de Cristo, em Tomar, da Torre de Belém e da Sé de Lisboa deve também muito a quem transformou o abandonado convento de Nossa Senhora da Pena no palácio real de que nos orgulhamos tanto. O “Palácio da Bolsa”, do Porto, foi autorizado a erguer-se sobre o extinto convento de São Francisco. O Teatro Nacional de D. Maria II seria “escola de cidadãos” (sic) erguida em 1846 sobre os escombros do antigo palácio da Inquisição ardido dez anos antes, com projeto do arquiteto italiano Fortunato Lodi. O Palácio de Belém, quase devoluto após as invasões francesas, foi recuperado, melhorado e regularmente utilizado por ela logo a partir de 1834. O Jardim da Estrela, de inspiração inglesa, foi inaugurado um ano antes do inesperado falecimento da Rainha. Alexandre Herculano era “escutado como a um oráculo” (Vaz de Carvalho, cat., p. 123). Mas há sobremaneira o incremento e reforma do ensino, com Almeida Garrett, Passos Manuel, Rodrigo da Fonseca Magalhães e Domingos Bontempo, reorganização de escolas e institutos, criação de associações e sociedades culturais, de museus, conservatórios nacionais de música e arte dramática, e conversão do antiquíssimo convento de São Francisco a sede da Academia Real de Belas Artes e da Biblioteca Nacional (1836). Liberalismo e romantismo caminhavam a par e passo, no meio da baderna geral. Mas, como escreve Jorge Vaz de Carvalho, “D. Maria II não viveu para conhecer a obra de Fontes Pereira de Melo” (p. 127).

A herança familiar é um dos aspetos destacados na exposição do Palácio da Ajuda: dos primos Vitória e Alberto, regentes ingleses no século XIX, ao pai de D. Maria II, o rei D. Pedro IV

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A exposição também deixa à vista a grande dependência nacional de artistas estrangeiros para os melhores retratos de aparato da nossa família real — desde logo o de John Simpson (c. 1837), o primeiro após a entronização de D. Maria II, e ícone desta grande exposição, o de Ferdinand Krumholz, em 1846, mas também o soberbo Retrato de D. Pedro V por William Corden, 1954 e o Busto de D. Fernando I de Claude François Lequine, 1856 —, ainda que algumas obras-primas de punho português mereçam a nossa mais demorada atenção, como o magnífico retrato miniatural do rei-artista enquanto jovem por Francisca de Almeida Furtado, feito em 1852 (com apenas 25 anos), ou o prato de suspensão com a efígie da rainha produzido pela Real Fábrica de Vidros da Vista Alegre, de Ílhavo, algures entre 1837 e 1846, e cedido por legado privado ao Museu Nacional de Arte Antiga. (O Violino de cerâmica com retratos de D. Maria II e D. Fernando II tardiamente concebido por Wenceslau Cifka na década de 1870 para a Fábrica das Janelas Verdes, em Lisboa, é outra obra a procurar com particular curiosidade durante uma visita.)

Retrato de D. Maria da Glória em criança, Jean-Baptiste Debret (1768-1848); c. 1825

Não deve admirar, portanto, que o “serviço de escritório” da rainha, com o seu monograma “M” gótico coroado, seja de fabrico francês (cat., p. 250), ou que a sua sela de amazona e os três arreios da montada, à hussardo, oferecidos à rainha pelo Corpo dos Voluntários Reais do Comércio a Cavalo em 1834 (cat., pp. 274, 276-77), tenham sido fabricados em Inglaterra, ou que a Baixela D. Maria II tenha sido encomendada em Paris a um dos fornecedores da casa real francesa, Jacques-Augustin Gandais, e sobretudo que a cadeira de braços com as armas reais seja um trabalho de L.-E. Lemarchand, ou o serviço de mesa utilizado na celebração do casamento com D. Fernando, em 1836 — “testemunho da melhor cerâmica oitocentista de mesa e da porcelana como arte decorativa de excelência” e destinado a “servir à russa, o protocolo de mesa então em vigor”, como destaca a especialista Cristina Neiva Correia (p. 264), — tenha provindo da manufatura francesa de Édouard Honoré, ou mesmo que da oficina de Ignaz Joseph Pleyel tenha saído, em 1832, o piano de cauda tocado pela rainha sob a orientação pessoal de Domingos Bontempo. E muito menos ainda, obviamente, as melhores peças do núcleo expositivo intitulado “Casa Forte”, como as pulseiras da rainha com retratos em miniatura de parentes próximos ou a Rosa de Ouro oferecida a D. Maria II pelo papa Gregório XVI, num gesto de reconciliação após o restabelecimento oficial de relações diplomáticas, em 1841.

É todavia através da reconstituição histórica aproximada e do ensaio que no catálogo Eduardo Alves Marques dedica aos aposentos régios de D. Maria II no Palácio das Necessidades, que melhor nos podemos aproximar do gosto artístico da rainha e da sua relação com as artes decorativas na Casa Real, a que, considera, “falta até hoje um estudo exaustivo” (p. 342).

Documentação do Arquivo Diplomático e da Torre do Tombo permitiram identificar e trazer para a reconstituição dos aposentos da rainha, entre outros, o cofre guarda-jóias de c. 1830 feito em bronze, ferro e marfim pela oficina Alphonse Giroux et Cie.

Os anos em Paris, em que frequentou o topo da sociedade francesa, um mundo luxuoso e sofisticado em que lhe foi dado viver com meios reduzidos, deram à Rainha de Portugal futuramente legitimidada em Cortes uma perceção aguda das mudanças de gosto, que lhe haveria de “servir de modelo para o quotidiano no Palácio das Necessidades” (p. 346), a partir de 1836. Possidónio da Silva, Guiseppe Cinatti e Achilles Rambois foram chamados a mudar a estrutura do antigo convento-palácio, que refletia ainda um gosto decorativo e arquitetónico típico do Antigo Regime. Fez mais: ao contrário do que antes sucedera, “é a própria rainha que escolhe os objetos da sua preferência”, retratos do pai, dos irmãos e outros familiares, mas também um cofre da oficina Odiot que pertencera a sua mãe, D. Leopoldina, e algum do património leiloado de D. Carlota Joaquina, sua avó, permitindo-lhe reencontrar objetos de pedra, cerâmica e vidro que conhecera na sua infância brasileira, como os dois “cães bolonhoses” de J. J. Kändler ou o relógio de chaminé representando a deusa Diana num carro puxado por dois galgos, hoje no Palácio Ducal de Vila Viçosa, e que o rei D. Manuel II havia levado para o exílio.

Serviço de escritório (século XIX); Relógio de chaminé, 1.º quartel do século XIX

Documentação do Arquivo Diplomático e da Torre do Tombo permitiram identificar e trazer para a reconstituição dos aposentos da rainha, entre outros, o cofre guarda-jóias de c. 1830 feito em bronze, ferro e marfim pela oficina Alphonse Giroux et Cie. na “época de ouro da produção do restaurador e ebanista”, e que, certamente como as jarras de Alphonse Giroux, em vidro incolor e rubi, moldado e lapidado, com base metálica dourada, ou as chávenas da manufactura Dagoty e Honoré, refletem “o gosto moderno de D. Maria II” (p. 367). Razão pela qual Eduardo Alves Marques pergunta, a concluir:

De carácter forte, esta mulher, hoje algo ofuscada pela figura do seu último marido, acabou por ter um papel preponderante na história de Portugal, e determinante na alteração do gosto das coleções reais portuguesas. No entanto, permanecerá a dúvida relativa à propensão colecionista de D. Fernando: o que teria acontecido se D. Maria II tivesse sobrevivido e tivesse continuado a influenciar as aquisições do acervo da Casa Real?” (p. 348).

É algo que só boas condições de trabalho e estudo para as competentes equipas de historiadores da arte e museólogos que temos — de que nos devemos orgulhar e cuja proteção e incentivo nos cumpre exigir — permitirão um dia ajudar a responder.

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