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Berto é o primeiro a receber-nos. Vem em passo apressado, adiantando-se às tendas onde alguns figurantes estão sentados e ao camião da maquilhagem. Fala três vezes, muito alto. Ou melhor, ladra. É que Berto é um bulldog e uma espécie de mascote das Ficción Producciones. É o cão dos donos da produtora e desde sempre (tem agora seis anos) que anda pelos sets como se aquele fosse um habitat natural para um animal. Faz lembrar Percy, o cão do filme “Pocahontas”, capaz de mostrar quem manda com o olhar, deixando qualquer humano envergonhado.
São 11h55. Estamos junto à igreja de Bertiandos, Ponte de Lima, onde a equipa de “Operação Maré Negra” montou literalmente as tendas para gravar parte da produção luso-espanhola que algures no final do ano ou em 2022 será transmitida em todo o mundo através da plataforma da Amazon Prime Video.
Berto vai à frente inclinando o focinho, primeiro para a direita, depois para a esquerda, como se indicasse: “Aqui estão as roupas para a figuração”, “deste lado fazem-se as refeições”.
No ar corre uma brisa, estão 27 graus. “Ontem [quarta-feira, 25 de agosto] estava insuportável. Para aí uns 40 graus”, lamenta uma das pessoas da equipa. Foram necessários oito dias para preparar todos os cenários usados em quatro dias de gravações.
Em quatro episódios vai ser contada uma história baseada em factos verídicos que aconteceram em novembro de 2019, quando um submarino com três toneladas de cocaína foi apreendido junto à costa da Galiza. Foi a primeira vez que um submergível foi detetado a fazer toda a travessia do Atlântico (provavelmente desde a Colômbia) carregado de droga e com destino à Europa. Da realidade para a ficção mudou muita coisa — até porque o caso ainda está a decorrer em tribunal. Surgiram, por exemplo, investigadores portugueses e narcotraficantes brasileiros. A narrativa começa com Nando (Álex González), um galego, e Sérgio (Nuno Lopes), um português, pequenos traficantes locais que, quando um negócio corre mal, se veem em plena selva amazónica prestes a embarcar num submarino construído de forma artesanal que terá de fazer mais de sete mil quilómetros.
Selva amazónica no meio de Portugal
A uns 800 metros da igreja de Bertiandos, na zona protegida das Lagoas, Nuno Lopes, Álex Gonzáles e David Trejos já estão a gravar. Demoramos dois minutos de autocarro a chegar até lá. Um casal e uma criança, em pleno passeio, escapam à atenção do polícia que está ali para delimitar a zona. Rapidamente são alcançados por um membro da produção, que lhes explica que naquele dia não vão conseguir passar. É que uns metros mais à frente, o aparato é bem maior do que o quase silêncio (só interrompido pelas ordens de Berto) estacionado às portas da igreja.
Dezenas de pessoas movimentam-se de forma mecânica, sabendo perfeitamente quais são as tarefas de cada um. Câmaras, cabos, estojos de maquilhagem, armas, uma geleira com águas e dezenas de pés que passam por cima das silvas e dos ramos fazendo “crac”. “Silêncio”, grita-se. E, de repente, o mundo pára — menos os pássaros, que continuam a ouvir-se ao longe.
Na estrada de terra batida vai gravar-se uma cena de perseguição. Angelito (David Trejos) e os seus capangas estão à procura de Nando (Álex González) e Sérgio (Nuno Lopes), que fugiram pelo meio da selva brasileira, em Manaus. Pelo menos é isso que os espectadores vão ver quando “Operação Maré Negra” se estrear na Amazon Prime Video. Com a dificuldade de filmar em plena pandemia, a produção percebeu rapidamente que levar a equipa para a Amazónia estava fora de questão.
“Tínhamos uma selva mais a norte, em Valença, mas não conseguimos autorizações por causa da proteção ambiental. Há um capítulo inteiro passado na selva e não tínhamos forma de recriar tudo no mesmo sítio”, explica ao Observador Oskar Santos, um dos três realizadores da série (os outros são o espanhol Daniel Calparsoro e o português João Maia).
Por isso, depois de Ponte de Lima, os três últimos dias de filmagens (que terminaram a 2 de setembro) aconteceram em Préstimo, Águeda. “Precisávamos de um sítio onde ele [o submarino] estivesse atracado e pudesse navegar em algum momento”, conta Oskar Santos.
O tal submarino de que fala é um de dois que foram construídos para “Operação Maré Negra” e que desde que as gravações arrancaram, em julho, esteve na Galiza, onde aconteceu quase toda a produção. Para as cenas passadas na Amazónia, foi transportado até Portugal.
“Tivemos de recriar muitas coisas. Não existem submarinos de 21 metros”, diz Mamen Quintas, produtora da série. “Existem, mas são os narcos que os têm”, responde Oskar Santos entre gargalhadas.
Quando a cena da perseguição começa, David Trejos já está dentro de um jipe, no lugar do pendura, de arma em punho. O carro arranca a grande velocidade e trava de repente uns metros mais à frente. Ouvem-se tiros e depois silêncio. De repente, vemos de novo o jipe e mais dois carros da produção a voltarem pelo mesmo caminho, em marcha-atrás. Para que a cena possa ser repetida é preciso esperar entre cinco e dez minutos. A poeira tem de assentar. Para trás e para a frente uma mulher carrega um cesto e uma enxada. Faz parte do departamento de arte e a sua tarefa é ir repor as folhas das árvores nos locais certos, como se nenhum carro tivesse passado por ali antes.
Durante uma das pausas, David Trejos sai do jipe, com a roupa transpirada. “Queres água?”, pergunta-lhe Rocío Casal, responsável pela comunicação da Ficción Producciones — que está à frente do projeto numa coprodução com a FORTA e a RTP, através da Ukbar Filmes. “Não”, responde o ator sem desmontar o semblante carregado da personagem. Angelito está ali para apanhar, e matar se for preciso, Sérgio (Nuno Lopes) e Nando (González), que se puseram em fuga por não quererem atravessar o Atlântico no submarino. Os traços rudes da cara, os braços musculados e a arma que não larga — algumas são reais, embora descarregadas, e no projeto existe um consultor especialista em armas e polícia — até a mim me dão um calafrio nos dois segundos em que esqueço que tudo aquilo é ficção.
Após mais dois takes, a cena está feita. Dos confins da mata (ou da selva amazónica, se quisermos já projetar-nos para o futuro) surgem Álex González e Nuno Lopes. Com mochilas às costas, mãos sujas de terra e caras transpiradas, passam por nós sem parar. O ator português sorri e atira um “bom dia”.
Para ele, o trabalho em “Operação Maré Negra” está quase terminado e este Sérgio agradou-lhe por não ter “nada de romântico ou sedutor”. “É diferente do que tenho feito fora de Portugal. Ultimamente tenho sido chamado para uma espécie de macho latino lover e este era o oposto disso: um miúdo que não cresceu e que só quer divertir-se”, revela ao Observador.
Na história, Sérgio é o melhor amigo de Nando e, segundo Álex González, na realidade a química também foi imediata. “Conhecemo-nos num dia de ensaios e no dia seguinte fomos logo filmar uma perseguição de lanchas. Estivemos lá os dois, num barco, 11 horas”, recorda o ator de 41 anos, conhecido pelas séries “El Príncipe” ou “Vivir Sin Permiso”.
“Foram dois dias seguidos”, corrige Nuno Lopes. “Por isso, na verdade, foram 22 horas. Essa cena específica era de ação, íamos a fugir de uns traficantes, mas foi fundamental criarmos uma ligação que, na verdade, foi imediata. Seria horrível passar esses dois dias com alguém com quem não nos déssemos bem. Tivemos sorte.”
Editada, essa sequência resume-se a alguns minutos. Foi o que pudemos comprovar numa das tendas da produção no local. Também vimos Lúcia Moniz a desempenhar o papel de Carmo, a inspetora do MAOC (o Centro de Operações e Análises Marítimas que controla a entrada de estupefacientes na Europa), obcecada em provar que há submarinos a chegarem à costa carregados de droga e focada em apanhar os responsáveis.
“Ao contrário de outros papéis, não fiz muita preparação. Este teve de ser um desempenho mais frio, prático, não tão emocional. Trabalhei muito mais no presente”, explica ao Observador.
A atriz já não tem cenas para gravar, está no set só de visita e é recebida efusivamente pelos colegas, mesmo por aqueles com quem não chegou a cruzar-se na história. “Todos os anos peço ao Pai Natal para contracenar com ele [Nuno Lopes], mas ainda não foi desta.”
Um espanhol, um colombiano e um brasileiro enfiados num submarino
A fase mais dura das filmagens já ficou para trás. Aconteceu na Galiza, quando foi necessário recriar o interior do submarino. “Com o David [Trejos] e o Leandro [Firmino] estivemos três semanas fechados com jornadas de 11 horas”, recorda Álex González.
“Quando experimentamos os fatos de mergulho pareciam um bocado quentes, mas tudo bem. Mas logo no primeiro dia transpiramos, bebemos para aí umas 15 garrafas de água e evaporava-se tudo em suor. Era um espaço reduzido e, além de nós os três, estavam ali pessoas do som, etc. Éramos 12. Quando cortavam para trocar um foco ou outra coisa qualquer, corríamos lá para fora à procura de ar”, diz David Trejos.
Para recriar os movimentos do submarino foram colocadas bombas hidráulicas, mas estas nem sempre podiam estar a funcionar. “Às vezes, por causa das câmaras, perdia o efeito. Então tínhamos de fazer as cenas assim [levanta-se e começa a cambalear]. Não é fácil porque, ainda por cima somos homens, não conseguimos fazer duas coisas ao mesmo tempo. Juro que havia vezes em que dizia o texto e não me mexia. E quando me mexia não dizia o texto”, revela González.
David Trejos está a rir às gargalhadas mas porque está a recordar-se de outro episódio. “Houve outro dia em que, quando já tínhamos tudo dominado, íamos gravar a cena em que se afunda [o submarino]. Abrimos a escotilha e pensávamos que a água ia sair por baixo. Ninguém nos disse nada. ‘Vamos ensaiar? Vamos, ensaia.’”, conta Álex González.
Trejos consegue parar de rir para acrescentar: “O Daniel Calparsolo sabia. Quero que isto fique gravado. Sabia que os jorros de água iam sair assim [faz gestos com as mãos em direção à cara]. Ficaram todos mortos de riso”.
“Havia quatro jorros por baixo e dois por cima, mas a água saía como da mangueira de um bombeiro. Foi horrível”, explica Álex González. “Eu tinha um texto para dizer e, quando abri a boca, levei com a água toda e não consegui dizer nada”, conta Trejos.
Para o ator colombiano a participação em “Operação Maré Negra” chegou no momento certo. “Depois da pandemia, estava a ser muito difícil retomar a minha carreira. Ligaram-me a dizer que me queriam diretamente para este papel. Tenho conhecido pessoas incríveis. O Nuno [Lopes] não é assim tão boa pessoa mas é bom ator.”
Sentado na mesa ao lado, de costas, o português está atento. Inclina a cadeira para trás e atira: “Prefiro que digam que sou má pessoa do que mau ator.”
Os dois riem. Ambos já despiram as respetivas personagens. Trejos está sentado alguns centímetros à minha frente e está longe do semblante de assassino que ainda há uma hora o impedia de mostrar sequer os dentes. De qualquer forma, estamos seguros: Berto continua a fazer a ronda pela zona, de orelhas esticadas, e vai ladrando quando alguma coisa não lhe agrada.
Álex González está de cara lavada mas, apesar de estarmos na pausa para o almoço — sentados em várias mesas, debaixo de tendas —, ainda tem trabalho pela tarde fora. Ele é o protagonista e seguindo o instinto inicial foi pesquisar tudo o que havia sobre a história real. “Queria muito conhecer o Agustín [Álvarez, o espanhol que em 2019 comandou o submarino cheio de cocaína que demorou mais de 20 dias a atravessar o Atlântico] mas, à medida que se aproximava a data de início das gravações, decidi que era melhor não porque isso cortaria muito a criatividade. A série não é uma história real, é inspirada em fatos reais. O corte de cabelo está inspirado em fotos que vi, mas limita-se a isso”, revela ao Observador.
Ainda assim, recorda uma história curiosa que aconteceu em julho. “O Nando é uma personagem extrovertida e imatura, quer chamar a atenção. Estávamos a gravar na rua e estava lá um especialista de motas que conheceu o Agustín e disse que a minha forma de andar era exatamente igual. O que é uma casualidade porque nunca o conheci, nem sequer sei como é que fala. Não há entrevistas dele.”
Um projeto que custa tanto como “muitas produções portuguesas somadas”
Fazer uma série baseada em algo que aconteceu há tão pouco tempo tem coisas boas e más, enumera Mamen Quintas, da Ficción Producciones. “Foi fácil porque é recente e potente, está no imaginário de toda a gente. Foi complicado porque as personagens tinham de ter uma identidade que não conhecíamos. Precisávamos que as pessoas se identificassem com o Nando. Mudamos muitas coisas para que fossem mais interessantes para a ficção.”
Tudo foi feito em tempo record. Desde o início da escrita do guião até começarem a gravar passaram seis meses. “Contratei o João [Maia] e começámos à procura de locais ainda nem tínhamos guião”, conta ao Observador Pandora da Cunha Telles, fundadora e produtora da Ukbar Filmes.
Para fazer “A Espia” (série de 2020 para a RTP), a empresa portuguesa tinha contado com a ajuda da Ficción Producciones e a parceria correu tão bem que se repetiu nesta primeira produção luso-espanhola para a Amazon Prime Video.
“A relação que já tínhamos permitiu que pudessemos conseguir financiamento, tratar de guiões e elenco muito depressa”, conta Julio Casal, da Ficción Producciones.
José Fragoso, diretor de programas da RTP1, confirma que as primeiras conversas com a Amazon Prime Video aconteceram em janeiro deste ano e que “uma parceria destas permite pensar em projetos com uma escala muito maior do que se se estivesse só a falar da RTP”.
Ninguém quer revelar o custo do projeto, mas Pandora da Cunha Telles diz que equivale a “muitas produções portuguesas somadas”. O que deixa os elementos portugueses envolvidos empolgados são sobretudo as possibilidades futuras. “Ter mais financiamento permite-nos sonhar mais alto. E essas portas, quando se abrem, depois raramente se fecham”, admite a produtora. Já José Fragoso acredita que “Operação Maré Negra” vai deixar “rasto” porque não estará apenas disponível no dia de estreia, poderá ser vista a qualquer hora e “no mundo inteiro”.
Os quatro episódios de cerca de 50 minutos têm três realizadores, o que não levantou qualquer problema a João Maia. “‘Os Sopranos’, por exemplo, tiveram dezenas de realizadores. Adaptamo-nos para que de episódio para episódio não haja uma mudança de olhar cinematográfico radical. Além disso, a série passa-se em grande parte num espaço fechado e isso também formata a linguagem.”
O homem do submarino que não sabia nadar
Dependendo do dia, podem chegar a estar 80 pessoas a trabalhar em simultâneo. No momento em que assistimos às gravações não são tantas, mas não deixa de ser fascinante a facilidade com que pessoas de diferentes nacionalidades se coordenam e comunicam entre si. Pelo walkie-talkie ouve-se uma voz espanhola, mais à frente dois técnicos de som falam português e depois há já quem misture tudo. “Saiam da estrada que vão passar os coches [carros em espanhol]”, grita um membro português da produção. E toda a gente se entende. Bom, quase toda.
“Não percebo nada de português, falam muito depressa”, diz o realizador Oskar Santos enquanto esfrega a cara com as mãos. “Entendia melhor o árabe [risos].”
A figuração, cerca de 60 pessoas, é local — neste caso, de Ponte de Lima — e é com eles que pode haver mais dificuldade na comunicação. Em caso de problema quem é que se chama? Nuno Lopes. “Às vezes faço de intérprete, sim, mas fala-se mais devagarinho e toda a gente se entende.”
Para ele, que tem no currículo inúmeros papéis em francês (“Uma Rapariga Fácil”), espanhol (“White Lines), português (“São Jorge” deu-lhe o prémio de Melhor Ator na secção “Orizzonti” de Veneza), a barreira da língua continua a ser “das coisas mais difíceis de trabalhar”. “Não temos memória afetiva. Quando digo ‘madre’, é uma palavra que disse três ou quatro vezes na vida, tem o mesmo significado para mim do que frigorífico”, explica ao Observador.
Ao preparar uma personagem francesa, pensa em francês. “Se não, não consigo dar a volta depois.” As coisas complicam-se quando tem de misturar idiomas. “Das maiores dificuldades que tenho quando estou a fazer uma personagem destas, que é portuguesa mas fala espanhol, é quando me pedem a meio da cena que diga uma frase em português. Porque parece que, de repente, entro noutra cabeça.”
Na série que ficará disponível na plataforma da Amazon Prime Video, as personagens têm de encontrar um meio termo para comunicar, mas num ponto os produtores estiveram de acordo: um ator português tem um papel português, um espanhol uma personagem espanhola e assim sucessivamente.
Foi assim que os equatorianos que fizeram parte da história real se transformaram num colombiano (David Trejos) e num brasileiro (Leandro Firmino), que na história é Walder, um mecânico que acaba por ocupar o lugar de Sérgio (Nuno Lopes) na travessia do Atlântico.
“Quando recebi o convite do Daniel Com, nunca consigo pronunciar o nome dele, Calparsoro, assim é que é, estava a filmar outro projeto da Amazon, ‘El Presidente’, no Uruguai. Tivemos uma reunião pelo Skype e eu disse logo que sim”, conta ao Observador.
Viajou diretamente para a Galiza, sem passar pelo Brasil. Claro que já todos o conheciam de “Cidade de Deus” (por mais papéis que faça, “o meu nome é Zé Pequeno” vai acompanhá-lo sempre) mas a informação que faltava é que Leandro Firmino não sabia nadar. “Tive duas semanas para aprender.” A fazer de um homem que passa mais de 20 dias no mar, com cenas que metem literalmente água, convinha ter essas noções básicas.
Antes que me levante da mesa, sou interrompida por Leandro Firmino. “Eu queria aproveitar esses dois minutos para falar que a comida portuguesa é maravilhosa. Já comi bacalhau de todos os tipos” e entramos numa troca de sugestões gastronómica na qual também participa Bruno Gagliasso, que ultimamente tem passado mais tempo em Portugal do que no Brasil. Diz orgulhosamente que é cidadão português. “Tive oportunidade de conhecer a terra do meu avô, Santo Tirso. Ele foi para o Brasil com oito anos.”
“O streaming veio para mostrar que todas as produções são uma produção mundial”
A participação de Gagliasso em “Operação Maré Negra” resume-se a um episódio, são só cinco dias de gravações, mas o ator está entusiasmado sobretudo por rever amigos. “Conheço estes dois [Leandro Firmino e Nuno Lopes] há muito tempo e nunca contracenamos juntos.
Há cinco meses que está em Espanha a gravar uma série para um streaming concorrente (“Santo”, da Netflix) e mudou a mulher e os filhos para Lisboa para poder estar com eles aos fins de semana. “Há três dias estava com outra caracterização, com uma barba gigante”, diz.
Neste momento está sentado, a beber uma Coca-Cola, enquanto abraça amigos antigos e se prepara para ser João, o narcotraficante que constrói o submarino artesanal. “Ele não é óbvio. Quando pensamos em tráfico, crime, está no nosso inconsciente associar a pessoas brutas. A minha personagem é o oposto, um sedutor, um tipo inteligente, engenheiro naval. Os maiores narcotraficantes da história eram inteligentíssimos e esta personagem é isso, um estratega.”
Em poucas frases, Bruno Gagliasso acaba por resumir aquilo que se pretende com a primeira produção luso-espanhola para a Amazon Prime Video. “O streaming veio para mostrar que todas as produções são uma produção mundial. Eu vejo séries alemãs, os espanhóis veem séries brasileiras, é isso. Este mercado não é o futuro, é o presente.”
As mesas começam a esvaziar-se pouco depois das 15 horas. Alguns atores vão descansar, outros gravar, no terreno há equipas técnicas que não abrandam. Ainda há muita coisa para filmar no acampamento que foi recriado na floresta onde ainda há pouco se perseguiam traficantes e se ouviam tiros. Estão lá quatro tendas, uma com beliches e redes mosquiteiras, outra com jerricans e roupa estendida, há uma casa de banho improvisada entre quatro placas de madeira e um balde a servir de sanita e um chuveiro com água saída diretamente de um balde pendurado. É daqui que o visionário (ou louco) João (Gagliasso) vai operacionalizar a travessia do submarino.
Está na hora da partida dos jornalistas mas, por esta altura, para já somos insignificantes para Berto. Não nos acompanha ao autocarro, não nos ladra uma última vez, nada. Para ele, business as usual: passeia-se entre o charriot com as roupas dos figurantes e a tenda do catering, pede uma festa à responsável que está a cumprir todas as regras ditadas pela Covid-19 (medir temperatura, confirmar testes, desinfetar as mãos ou entregar máscaras a quem precisar) e corre pelo campo verde como se também aquela fosse a cena de uma série.