Carien dormiu três horas. O sono junta-se à falta de habilidade na hora de vestir de o fato de licra. “É a primeira vez que vou fazer surf. Quero perceber se tenho jeito para isto”, responde a survey designer holandesa. É também a primeira vez que está em Portugal. Apanhou um voo de madrugada de Amesterdão, na Holanda e juntou-se aos 200 participantes do Surf Summit para fazer surf, ioga, paddle e BTT na Ericeira no fim de semana que antecede a maior cimeira tecnológica da Europa, que este ano se realiza pela primeira vez em Portugal, a Web Summit.
O passadiço de madeira da praia da Foz do Lizandro está cheio. Além das pranchas e dos surfistas locais, há líderes de startups, designers, programadores, consultores e engenheiros prontos para entrar no mar. É o caso de Florine e Karine. Conheceram-se no autocarro da organização que as levou de Lisboa à Foz do Lizando. A primeira é conterrânea de Carien e principiante nestas andanças do surf. “Venho para fazer conhecer e fazer networking [criar contactos]”, afirma a consultora de inovação.
Já Karine é profissional no desporto e no país. “Passo férias em Sagres e aproveito para surfar”, explica a consultora médica. Desta vez não foi o surf que a trouxe a Portugal. “É o 4º ou 5º vez que vou estar presente no Web Summit”, conta a irlandesa ao Observador que vem conhecer as novas tendências na área de investigação da doença de Parkinson. Sente-se como peixe na água.
O evento de tecnologia só começa na segunda-feira, dia 7, no Parque das Nações e na FIL, em Lisboa mas Paddy Cosgrave, fundador da Web Summir, e sua equipa decidiram iniciar as festividades mais cedo. Os surfistas Garrett McNamara, Tiago Pires, Anastasia Ashley e Andrew Cotton também se juntaram aos líderes tecnológicos, durante o fim de semana, para partilhar as suas experiências. A ideia do Surf Summit, noem do evento que decorreu na Ericeira, partiu, na verdade da mulher de Paddy Cosgrave, a modelo Faye Dinsmore, praticante da modalidade.
É uma espécie “icebreaker” [quebra gelo] para quem vai participar. Partilham-se expectativas quanto ao evento. Falam-se dos motivos que os trouxeram até Portugal. Comentam-se como o tempo é agradável, apesar da carga de água que caiu a poucos minutos da chegada da autocaravana da Web Summit. Lá dentro estava Paddy Cosgrave, fundador da Web Summit e o secretário de Estado da Indústria, João Vasconcelos. “O tempo não importa. O que importa é que há boas ondas e o mais importante são as pessoas. Há aqui pessoas de todo o mundo”, começa por explicar Paddy.
Depois dos 12 mil quilómetros percorridos por 28 cidades em 23 países, Ericeira, a primeira reserva de surf da Europa, foi a última etapa da caravana. Do lado de fora, está o presidente da câmara de Mafra, Hélder Sousa Silva. “É uma oportunidade para projetar Ericeira e os seus ativos estratégicos, entre eles o surf, para os quatro cantos do mundo”, explica o autarca.
Isto não é Silicon Valley. Isto é Portugal
Miguel Silva, um dos sócios da escola de surf e do bar de apoio “Na Onda”, acredita que o evento vai trazer grandes oportunidades à região. “Desde que abrimos, temos crescido cerca de 20% a 30% todos os anos. E muito, deve-se ao surf”, refere-se o proprietário do espaço aberto há oito anos. “Apostamos num no bom atendimento para garantir que eles voltem”, afirma.
Ao atrair os 200 participantes durante o fim de semana, a Ericeira regista uma taxa de ocupação na ordem dos 90 a 100% nas unidades hoteleiras, e de 80% nos alojamentos locais, quando nesta época costumam estar a 40%, segundo o presidente da câmara de Mafra, Hélder Sousa Silva. “Convido-o a tornar a Ericeira a capital do Surf Summit”, desafiou o autarca.
Paddy sorriu e agradeceu. O fundador da Web Summit considera que é importante olhar para impacto do evento a longo prazo.”É muito natural as pessoas pensarem que isto é ótimo para os hotéis, restaurantes e taxistas. Mas temos que pensar no impacto a longo prazo para um país. Se olharmos o que o The Guardian escreveu, estamos a mostrar o brilho de Portugal de uma forma que, se calhar, nunca tinha sido feita. E isso é muito positivo”, reforçou o fundador.
Para o líder da conferência que vai trazer 50 mil pessoas a Lisboa entre 7 e 10 de novembro, a Web Summit é importante para o futuro do país. “É uma espécie de inspiração para os mais jovens, para pensarem que também é possível, colocando-os à frente dos mais famosos engenheiros do mundo, aqueles que construíram o Facebook, a Amazon, entre outros. E repararem que são apenas homens normais, como eles”, comenta.
O Secretário de Estado da Indústria, João Vasconcelos, aproveitou o momento para lançar oficialmente a campanha This is Portugal, da Startup Portugal. “Não somos mais ou melhores que Silicon Valley ou Berlin. Somos diferentes. Somos Portugal. Temos a nossa identidade e história. E é isso que queremos dizer ao mundo. Obrigada Paddy, por nos permitir fazer aqui a Web Summit e mostrar a tanta gente como é Portugal”, agradeceu o governante.
Nas últimas semanas, com a atenção internacional sobre Portugal a aumentar, vários órgãos de comunicação social compararam Portugal com os ecossistemas tecnológicos de Berlim ou São Francisco. Não faltam títulos no media apontando Portugal como a nova Silicon Valley.
“Para muita gente é estranho, juntar o surf aos negócios Em Portugal não. E quando falamos em startups e empresas de tecnologia, falamos de futuro, de qualidade de vida e recursos humanos. Queremos que empresas tenham tudo isso. E aqui é possível”, destacou João Vasconcelos, acrescentando que o país pode ser um local excelente para as indústrias tecnológicas e para as startups se sediarem.
Com a iniciativa Startup Portugal, o governo português disponibilizou uma linha de financiamento de 400 milhões de euros (200 milhões que vêm de investidores privados e 200 do Estado), lançou benefícios fiscais para os investidores iniciais, uma rede com mais de 80 incubadoras certificadas e ainda a estrutura nacional de banda larga, que abrange inclusivamente todas as escolas. “Estamos aqui todos com 3G. Disponibilizamos a banda larga em todo o país. Ainda é raro. Não acontece em todos o país”, reforça o secretário de estado. Durante o Surf Summit, a go wi-fi-pt garantiu a cobertura de internet para os participantes.
“O surf é importante para atrair investimento para Portugal”
Paddy Cosgrave e João Vasconcelos desceram até à praia para observarem de perto as atividades. “É muito estranho um secretário de Estado estar na areia a dizer que o surf é importante para atrair investimento para Portugal. Mas garanto-vos que isto é fundamental. Assim atraímos dinamarqueses, irlandeses ou alemães a vir viver para Portugal”, explica.
Em grupos de 8 e 10 pessoas, os participantes começavam o aquecimento e recebiam atentamente as informações dos monitores. No mar, as ondas estavam calmas, próprias para a iniciação da modalidade. Encontramos Simon, um web designer freelancer que veio de propósito de Zurique para o Web Summit. Pede algumas instruções ao monitor da escola “Na Onda” da Ericeira. “Estou um bocado nervoso porque nunca subi para uma prancha. Vai ser giro”, diz, entre risos. Além de assistir às conferências, Simon quer aproveitar a cidade.“É a minha segunda vez em Lisboa. Adoro as pessoas. Os portugueses são muito “friendly”, descreve ao Observador.
João Vasconcelos sorri e acena com a cabeça. Acredita que estes empreendedores vão para o evento com uma ideia de um Portugal totalmente diferente. “Sabemos receber bem, há qualidade de vida, podem criar os filhos aqui e têm acesso às principais capitais europeias. Há muitos europeus que têm que apanhar voos de muitas horas para ter algo equivalente a isto. Já viu esta foz do Lizandro? Olhe que maravilha. Isto é Portugal”.
A organização da Web Summit anunciou que já esgotaram as entradas para o evento, superando os 50 mil participantes. “Sempre dissemos que queríamos atingir os 50 mil participantes e decidimos fechar as vendas de bilhetes gerais. É incrível que tenhamos atingido este número apenas seis anos depois de 400 pessoas terem estado na primeira Web Summit em Dublin”, disse, citado em comunicado, o presidente executivo da Web Summit, Paddy Cosgrave.
O evento espera 53 056 pessoas com entradas gerais que terão acesso aos quatro dias da cimeira de tecnologia entre os dias 7 e 10 de Novembro. É o dobro das entradas registadas no evento de Dublin no ano passado. Além destas entradas gerais, são ainda esperados 19 mil jovens que têm bilhetes de um dia para o palco principal.72 mil pessoas é o número que o Web Summit espera receber entre empreendedores, startups, investidores de topo e jornalistas internacionais. Os bilhetes custavam 900 euros cada um.