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O caso levantou polémica e já chegou à imprensa internacional: o jornal espanhol El País, por exemplo, dá destaque à decisão da Câmara Municipal de Lisboa em ceder a Madonna, de forma temporária, um terreno para estacionamento privado. “Madonna provoca uma tempestade política em Lisboa pelos seus lugares de estacionamento”, aponta o jornal espanhol.
[As imagens do parque de estacionamento alugado pela Câmara à cantora Madonna:]
A controvérsia cresceu, sobretudo, por causa do modo como o negócio foi revelado. Inicialmente noticiado pelo jornal Expresso, não mereceu comentários da Câmara Municipal de Lisboa, presidida por Fernando Medina. O Diário de Notícias chegou a veicular que o acordo entre a cantora americana e Medina era apenas “oral”, mas o acordo escrito acabou por ser divulgado já esta sexta-feira pela autarquia. Assinado em janeiro, tornado público agora na sequência da polémica, traz algumas respostas. Mas há dúvidas ainda por esclarecer.
Quanto (e quando) é que Madonna pagará pelo aluguer da zona de estacionamento?
O valor está referido no “auto de cedência de utilização de espaço municipal”. A Câmara Municipal de Lisboa (CML) divulgou-o esta segunda-feira, na sequência da polémica em torno do aluguer temporário de um terreno camarário à cantora, para estacionamento de veículos.
No documento lê-se que “a cedência é feita a título oneroso, por aplicação do previsto na TPORM — Tabela de Preços e Outras Receitas Municipais –, sendo devida contrapartida mensal no valor de €720,00 (setecentos e vinte euros), a pagar por cada mês de ocupação efetiva”. O valor será pago apenas no final do contrato. Por dia, o valor oscila entre os 23 e os 25 euros (consoante o número de dias de cada mês).
De acordo com a autarquia lisboeta, esta tabela de preços é também a que serve de referência à tabela praticada pela EMEL.
Quantos automóveis pode Madonna estacionar no terreno que alugou?
O terreno, apurou o Observador junto da Câmara Municipal de Lisboa, permite à cantora estacionar pelo menos dez veículos. Porquê “pelo menos”? Porque, considerando os metros quadrados do espaço, esse seria o número de lugares de estacionamento que existiriam com as divisórias padrão da EMEL. Como o terreno é “selvagem” e não tem lugares de estacionamento marcados, Madonna pode estacionar mais de dez carros. Fazendo as contas a apenas dez veículos, o estacionamento dos automóveis custaria a Madonna entre 2,3 e 2,5 euros por dia. O valor diminui se a cantora estacionar mais automóveis no terreno.
Na imprensa, foi difundido que Madonna pretende estacionar uma frota de 15 automóveis no terreno cedido. Ao Observador, fonte da Câmara Municipal de Lisboa esclarece que no pedido de aluguer, não foi nunca mencionado o número de automóveis que a cantora precisava de estacionar no terreno que procurava.
Quanto é que custaria a Madonna alugar um parque de estacionamento “normal” para colocar os seus automóveis?
A comparação deve ser feita com uma ressalva: o aluguer da zona de estacionamento foi feito a título provisório, durará apenas até ao fim das obras que Madonna está a fazer nos imóveis que adquiriu em Lisboa e pode ser interrompido pela câmara a qualquer momento (desde que com um aviso de oito dias de antecedência). Algo que não aconteceria se a cantora alugasse uma zona de estacionamento a título vinculativo.
O preço que Madonna teria de pagar num parque normal é difícil de calcular. É verdade que, como referia esta segunda-feira a revista Sábado, o aluguer de um lugar de estacionamento no parque mais próximo, o de Santos-o-Rio, tem um custo de 65 euros mensais por automóvel. O que, caso a cantora estacione 15 carros no terreno cedido pela câmara, representaria um custo adicional de 255 euros mensais face à solução encontrada com a CML. No entanto, o valor é meramente teórico, já que não se sabe ao certo quantos lugares de estacionamento vai, de facto, utilizar e, na prática, seria muito difícil à cantora conseguir alugar mais de dez lugares de estacionamento num parque próximo do Ramalhete, zona que agora habita de forma temporária.
Madonna poderá usufruir do espaço de estacionamento de forma permanente?
Não. A cedência é temporária e o terreno deixará de estar à disposição da cantora quando foram concluídas as obras “nos imóveis vizinhos sua propriedade”. É isso que vem escrito no contrato, ao qual o Observador teve acesso. O aluguer pode ainda cessar “a qualquer momento que o Município assim pretenda”. A Câmara Municipal de Lisboa explicou, em comunicado, o que motivou a decisão de alugar o espaço à cantora “a prazo”: “A CML não tem condições para tornar o espaço (…) num parque de estacionamento definitivo, daí o vínculo precário da cedência, que pode ser terminado a qualquer momento, dado encontrar-se em negociações com a República de Timor Leste para que o Palácio Pombal possa vir a ser o espaço da futura embaixada deste país”.
O que é um “contrato de cedência muito precária”? Em que enquadramento legal se baseia?
É um contrato temporário que pode ser anulado a qualquer altura pela câmara, desde que informe a outra parte com uma antecedência de oito dias. “O município poderá fazer cessar a cedência a qualquer momento (…) desde que o motivo de interesse público ou mera conveniência de serviço o justifique”, lê-se no contrato.
O documento divulgado pela câmara dá como enquadramento legal o artigo 148º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo. Acontece que há quem tenha dúvidas de que o enquadramento legal seja suficiente, com o argumento de que o artigo em questão, o 148º do Código do Procedimento Administrativo, se limita a remeter para as disposições gerais do ato administrativo.
É o caso do CDS. O gabinete jurídico do partido na câmara de Lisboa, tem dúvidas de que este seja o enquadramento legal adequado para justificar os contratos precários de cedência de utilização. “O artigo invocado não se aplica, não diz nada que justifique a cedência de um espaço, não há cobro legal”, diz ao Observador o vereador centrista João Gonçalves Pereira.
Num parecer jurídico datado de fevereiro deste ano, sobre “cedências a título precário”, o gabinete jurídico do CDS procura explicar ponto por ponto essa falta de enquadramento legal, levantando dúvidas sobre a razão de não se celebrar um contrato normal de arrendamento, que também poderia ter uma cláusula no sentido da cessação por motivos de interesse público.
Primeiro, o parecer jurídico nota que o único critério que parece decidir as autorizações municipais que permitem a ocupação precária de espaços por parte de terceiros é um critério “discricionário”, apenas sustentado na ideia de “interesse público”. Depois, diz que “não é claro o enquadramento destas cedências no artigo 149º do Código do Procedimento Administrativo”.
Dizem os centristas que “o resultado seria o mesmo caso se optasse por celebrar um contrato de arrendamento”. Funcionaria para o mesmo efeito e eliminaria as dúvidas jurídicas que estão associadas aos contratos de cedência precária.
Que razões invoca a câmara para ceder o terreno a Madonna?
O contrato revelado esta segunda-feira desvenda os argumentos utilizados pela Câmara Municipal de Lisboa para justificar o acordo com Madonna. Os argumentos em causa foram incluídos no auto porque a decisão de alugar um terreno nestes moldes depende de uma análise caso a caso. Isto é, a câmara não estará legalmente obrigada nem a recusar nem a aceitar pedidos como o de Madonna, entende o executivo camarário.
Porque é que a CML aceitou ceder o terreno a troco de 720 euros por mês? O acordo começou a nascer quando Madonna adquiriu imóveis “na zona envolvente à Rua das Janelas Verdes”. À data do acordo, estes entrariam “brevemente em obra”. Atendendo a isso, acrescenta o auto, foi “solicitado ao Município a cedência das áreas de estacionamento”. Ao Observador, foi revelado que os imóveis adquiridos por Madonna são “dois ou três prédios”, que ficam muito próximos do terreno que Madonna alugou para estacionamento temporário.
Que razões invocou a câmara para ceder o terreno público?
O facto do Palácio Pombal estar “desocupado” e “dotado de um espaço interior que sempre tem vindo a ser utilizado para estacionamento”; a CML considerar que é “adequado e conveniente adotar medidas” que evitem “estacionamento abusivo/desordenado” na Rua das Janelas Verdes; não ser “previsível” que a CML “venha a necessitar no curto prazo do espaço em causa”; ter sido “superiormente autorizado” pelo executivo; e ser uma cedência temporária, apenas até Madonna concluir as obras “nos imóveis vizinhos sua propriedade”.
A câmara podia mesmo aprovar a cedência do terreno público sem ouvir ninguém?
Sim. Quem o garante é o jurista Paulo Saragoça da Mata, que em declaração ao Observador refere que “os executivos camarários têm legitimidade para praticar todos os atos de gestão relativos ao território da autarquia e podem fazer autos de cedência temporária de espaços públicos”.
Apesar disso, a tradição é que decisões como esta sejam tomadas em reunião de câmara, ouvindo os outros partidos. E se fonte do gabinete do Bloco de Esquerda na câmara de Lisboa disse ao Observador que “não podemos esperar que cada cêntimo que sai da câmara passe por reuniões de câmara”, o vereador do CDS João Gonçalves Pereira afirmou que “já houve vários contratos de cedências precárias que passaram por reuniões de câmara, mas este não”.
A câmara esclarece em comunicado que se trata de um “contrato oneroso de cedência de utilização similar a dezenas de contratos efetuados pela autarquia”. Ao Observador, fonte do executivo camarário diz que estão em vigor 20 contratos deste género. Certo é que, segundo o vereador do CDS, nada lhes foi comunicado desta feita. “Não temos conhecimento do contrato por via oficial”, diz, acusando Medina de não ter dado justificações nem depois de a notícia ter sido tornada pública. O mesmo diz o vereador do PSD João Pedro Costa, que garante ao Observador que na última reunião de câmara, na passada quinta-feira, o assunto não foi tratado. O contrato celebrado com a cantora tem, na verdade, a data de 4 de janeiro deste ano.
Há precedentes na cedência de terrenos como este, nestes moldes, a particulares?
Segundo o jurista Paulo Saragoça da Mata, sim. “Já vi autos de cedência de espaços a particulares” de forma precária, aponta o especialista em Direito Administrativo. Saragoça da Mata diz, por exemplo, que já viu casos em que câmaras cederem lugares de estacionamento a particulares devido à “instalação de estaleiros em obras”.
Se eu quiser, posso alugar um terreno semelhante nos mesmos moldes em Lisboa?
Dificilmente. Apesar de haver precedentes em cedências de terrenos de estacionamento a particulares noutras câmaras do país, na Câmara Municipal de Lisboa os requisitos para alugar um terreno nestes moldes são apertados. Um munícipe que esteja a fazer obras no seu próprio andar dificilmente consegue que a câmara dê luz verde ao aluguer temporário de um terreno de estacionamento.
Os motivos são variados. Incluindo o impacto e a duração das obras feitas num apartamento — bastante mais curtos do que no caso de Madonna, que está a fazer obras profundas em dois ou três prédios adjacentes à Rua das Janelas Verdes. É preciso, portanto, que as obras sejam bastante significativas para que a câmara valide uma candidatura a aluguer precário de estacionamento. Mas não é só: é também preciso que haja um espaço público próximo com condições (de espaço e de ausência de uso) para o munícipe colocar os veículos.
É por isto que contratos do tipo não são muito habituais entre a Câmara Municipal de Lisboa e outras entidades. Há cerca de 20 na cidade — revela fonte camarária ao Observador — mas a maioria são celebrados com “empreiteiros de maior dimensão” ou com pequenos comerciantes que “são afetados com obras de grande dimensão que não são da sua responsabilidade, por exemplo se houver intervenções de fundo no Metro”.
Quando é que o acordo foi assinado? E porque é que só agora foi tornado público?
O auto foi assinado dia 4 de janeiro deste ano. Foi tornado público esta segunda-feira, meio ano depois. Ao Observador, fonte da Câmara Municipal de Lisboa (CML) explicou que a divulgação do contrato foi uma decisão “excecional”, motivada pela polémica levantada em torno do caso.
A CML entende que não tem obrigação de divulgar à comunicação social os contratos deste tipo, assinados com uma segunda parte. No entanto, o executivo liderado por Fernando Medina está disposto a divulgar estes documentos na próxima reunião de câmara, se tal for solicitado pelos restantes partidos.
O que disseram os partidos à direita e à esquerda de Medina sobre o caso?
Assim que o Expresso, no sábado, noticiou que a câmara de Lisboa tinha cedido terreno a Madonna para estacionar os seus carros, e o Diário de Notícias acrescentou que o contrato era meramente “verbal”, não escrito, os partidos entraram em ebulição — incluindo o Bloco de Esquerda, que é parceiro de coligação do PS em Lisboa. Todos se apressaram a pedir esclarecimentos, formulados oficialmente esta segunda-feira.
Ao Observador, o gabinete do vereador bloquista Ricardo Robles disse durante a tarde que estava a ser ultimado um pedido de esclarecimentos para perceber os moldes e os critérios usados na celebração deste contrato. “Para já estamos mais satisfeitos por saber que afinal existe um acordo escrito que obedece a regras conhecidas por todos, o que não pode haver é uma coisa para a Madonna e não haver a mesma coisa para os outros”, disse fonte do gabinete.
Ao final da manhã, o PCP já tinha dado entrada com um pedido formal de esclarecimentos ao gabinete de Fernando Medina. O requerimento, contudo, é genérico. Pergunta, por exemplo, se “estamos perante algum tratamento de exceção” e, se sim, “o que o justificou”, e pergunta a que “entidades e/ou particulares” foi já cedido este terreno no passado, e em que condições.
Do lado do PSD, a vereadora Teresa Leal Coelho já tinha dito ao Expresso que “o PSD também pede explicações sobre este caso e gostaria de saber a razão para o presidente da Câmara ter autorizado tal exceção”. E, esta segunda-feira, o vereador João Pedro Costa (também do PSD) acrescenta em declarações ao Observador que o tratamento dado a Madonna tem de ser igual ao tratamento dado a todos os lisboetas. “Se ela é lisboeta como nós, então todos temos de ter o mesmo tratamento. E se é possível oferecer estacionamento mais barato, então que seja para todos”, disse. No Facebook, o vereador social-democrata ironizou com o tema, “por Madonna, ficámos a saber que o tarifário da EMEL vai baixar 25%”. E também que, “por Madonna, ficámos a saber que quando algum de nós fizer obras em casa, a Câmara trata de recolher as nossas viaturas gratuitamente”.
As dúvidas do CDS são sobretudo de cariz legal. “As nossas dúvidas agora são mais de natureza legal, de conteúdo e substância, porque a forma já percebemos que é uma trapalhada”, diz o vereador João Gonçalves Pereira ao Observador, que acrescenta que “a bitola tem de ser igual para todos”. “Este presidente é tão duro com os lisboetas mas depois é subserviente com uma figura pública”, diz.
No pedido de informação escrita que o CDS apresentou a Fernando Medina esta segunda-feira, os vereadores do CDS perguntam se o artigo 148º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo “justifica o enquadramento legal”, e perguntam se esta cedência é excecional ou se a câmara tem outros contratos deste tipo celebrados com particulares. “No considerando f) do contrato refere-se que a cedência foi superiormente autorizada. Por quem? Solicitamos a disponibilização de cópia do Despacho que autorizou a cedência”, lê-se ainda no pedido de esclarecimento, onde se pergunta ainda por que razão a celebração deste contrato não foi submetida à apreciação do órgão executivo camarário.
Todos os partidos, contudo, aguardam agora respostas formais do gabinete de Fernando Medina.