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Os meninos e as meninas não são iguais na escola. E isso importa

A polémica com os livros da Porto Editora deixou perguntas importantes sem resposta. Na educação, rapazes e raparigas são diferentes? E devem ser tratados por igual? Ensaio de Alexandre Homem Cristo.

A recente polémica à volta dos blocos de actividades para crianças (4-6 anos) da Porto Editora reavivou uma discussão antiga, sobre discriminação sexual, que nunca surge sem incendiar os ânimos pelo caminho. Desta vez não foi excepção, com a agravante de se tratar de uma discriminação no contexto educativo. Envolve crianças, escola e materiais pedagógicos. E esse pormenor revelou-se decisivo, uma vez que foi essa dimensão educativa dos blocos de actividades que, aos olhos de muitos, legitimou a intervenção do governo, que deu orientações para a retirada do mercado das publicações. Mas se a dimensão pedagógica foi tida em conta na denúncia, para a agravar, desapareceu rapidamente no meio da polémica, estando omissa das análises, incluindo no parecer da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG). Do ponto de vista pedagógico e da aprendizagem dos alunos, os blocos de actividades são maus porquê? A pergunta ficou sem resposta.

Ora, a pergunta é mais importante do que muitos pensarão. Desde logo, porque nos força a sair do reino das emoções e do conforto das análises simplistas. Sim, os blocos de actividades distinguem entre rapazes e raparigas, mas a existência dessa distinção não tem de ser sempre reprovável e há contextos em que pode até ser benéfica para a promoção de equidade. Depois, porque nos impõe perguntas difíceis, mas necessárias para lidar com este tema. Que diferenças existem entre rapazes e raparigas na educação e no seu percurso escolar? O que está por detrás dessas diferenças – serão características biológicas ou serão aspectos sociais/familiares? E para construir um contexto de igualdade e equidade entre sexos, basta tratar todos os alunos por igual ou há abordagens pedagógicas distintas que se justifiquem? É para essa reflexão que este ensaio visa contribuir.

Na escola, as raparigas superam os rapazes (em quase tudo)

Não faltam teorias e recomendações sobre “igualdade de género” nas escolas. É todo um mundo de artigos, que percorrem os mundos da academia, da política e do activismo social. Institucionalmente, existe também um guião elaborado pela CIG (e validado pelos serviços do Ministério da Educação) que orienta a comunidade escolar quanto ao tema. Mas, antes de mergulhar em explicações e recomendações, nada melhor do que medir o pulso à realidade e começar pelos dados do sistema educativo. E o que revelam esses dados? Que, quando o tema é educação e igualdade entre sexos (ou “género”), as raparigas superam (em média) os rapazes. Em quase tudo. Têm melhores desempenhos e obtêm resultados escolares superiores, exibem melhor comportamento, manifestam maior resistência à adversidade e apresentam indicadores menores quanto ao abandono escolar. Dito de forma simples: em média, as raparigas são melhores alunas.

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Comece-se pelos desempenhos escolares, usando as avaliações de 2016 como referência. Nas provas finais do 3.º ciclo do ensino básico (9.º ano) (gráfico 1), os resultados da prova de matemática dão uma ligeira vantagem às raparigas, embora sem que a diferença de resultados para os rapazes seja muito acentuada. Mas os resultados da prova de português contam toda uma outra história. A português, entre os alunos que obtiveram a nota mais alta (5 valores), 72% são raparigas e 28% são rapazes. Inversamente, entre os alunos que obtiveram a nota mais baixa (1 valor), a maioria é do sexo masculino (73%) e apenas 27% são raparigas. Nos resultados intermédios, a tendência mantém-se: quanto mais alta a nota, maior a percentagem de raparigas e menor a percentagem de rapazes. Ou seja, no domínio da língua, as raparigas mostram-se inequivocamente superiores aos rapazes.

Nos exames nacionais, no final do ensino secundário, essa vantagem das raparigas dissipa-se, tornando-se mínima ou até inexistente (gráfico 2). Nas disciplinas que têm maior número de inscrições, a favor das raparigas, a diferença entre sexos é de +0.8 em Português, +0.8 a Matemática, +0.6 a Física/Química, + 1.2 a Filosofia. A favor dos rapazes, surgem História (+0.3), Geografia (+0.6) e Geometria Descritiva (+2.2), onde aparece a diferença mais acentuada entre sexos. Verificando-se que, em anos anteriores, a tendência é a mesma, a conclusão possível é que, no final da escolaridade obrigatória, a diferença de desempenhos entre sexos é praticamente irrelevante.

Isso é nos desempenhos escolares. Se olharmos rapidamente a outro indicador, o do abandono escolar precoce, voltamos às diferenças relevantes: o abandono escolar é estruturalmente mais elevado nos rapazes do que nas raparigas desde há vários anos (gráfico 3). E, apesar da redução dos níveis médios de abandono escolar precoce tanto nos rapazes como nas raparigas, a distância entre sexos diminuiu apenas ligeiramente.

Não surpreende, por isso, que, olhando por fim aos dados de frequência do ensino superior, se observe um número mais elevado de inscrições de jovens raparigas do que de jovens rapazes. Os dados relativos à frequência no ensino superior dos últimos dez anos evidenciam uma tendência estável de maior frequência feminina do que masculina (gráfico 4), sendo que, nos dados mais recentes, a discrepância é de cerca de mais 24 mil mulheres. À primeira vista, isto quer dizer que, entre a população qualificada, as mulheres estão a impor-se. Mas, mais do que apenas em número, também nos cursos mais competitivos (i.e. os que requerem nota mais alta para aceder) a participação feminina se sobrepôs à dos rapazes (gráfico 5). Nos cursos de Medicina, as mulheres representaram mais de dois terços dos novos alunos em 2016. Nos doze cursos cujas notas de entrada são as mais elevadas, os homens apenas constituem a maioria em quatro – e todos estes com um número de vagas diminuto. No total destes doze cursos, as mulheres preenchem 70% das vagas existentes. Uma razia completa.

Ora, vistos os dados, onde é que estes nos levam? À constatação de que nos desempenhos escolares, nos níveis de abandono e no acesso ao ensino superior prevalecem diferenças entre sexo. Diferenças que, em determinados aspectos, são pouco relevantes – como nos desempenhos escolares médios nos exames nacionais do ensino secundário. Mas que noutros se mostram analiticamente significativas – como nas provas finais do 9.º ano, assim como nos níveis de abandono escolar e no acesso ao ensino superior (tanto em número como em acesso aos cursos mais competitivos), onde as raparigas sobressaem. Se as diferenças existem, fica agora a questão problemática por responder: o que está por detrás dessas diferenças – factores biológicos ou factores sociais?

As diferenças biológicas existem… mas vão tornando-se irrelevantes

Os rapazes e as raparigas são biologicamente diferentes. Óbvio, certo? Ora, menos óbvia (mas muito polémica) é a questão sobre se essas diferenças biológicas têm influência nos desempenhos escolares. Ou, dito de forma simples, se as diferenças acima salientadas entre raparigas e rapazes são explicáveis pelas suas características biológicas, nomeadamente de desenvolvimento cognitivo, que se reflectiria no seu percurso escolar. Há uma resposta mais detalhada e com algumas nuances, mas comece-se pela simples: as diferenças biológicas não produzem impacto relevante na aprendizagem.

Primeira dúvida: que diferenças biológicas poderiam ter impacto na aprendizagem? Vejam-se alguns exemplos. Os cérebros das raparigas produzem mais serotonina e oxitocina do que os dos rapazes, o que comparativamente as torna mais calmas, atentas e com maior enfoque em ligações emocionais. O hipocampo, onde no cérebro estão “alojadas” a memória e a linguagem, é maior e desenvolve-se mais rapidamente nas raparigas do que nos rapazes – o que, na teoria, estaria relacionado com o seu vocabulário e as suas competências linguísticas, escritas e orais. E os rapazes têm, no seu córtex cerebral, maior propensão para a compreensão espacial – o que, na teoria, os torna mais susceptíveis de aprender através de experiências visuais.

Segunda dúvida: têm estas características biológicas algum impacto nas competências cognitivas? Sim, se contarmos com os primeiros meses de vida – de forma simplista, seria possível dizer que as raparigas levam um pequeno avanço face aos rapazes. Não, se tivermos em conta a idade escolar, quando os efeitos dessas diferenças já se dissiparam – o que não significa que desapareçam por completo, apenas que deixam de ser analiticamente relevantes para a diferenciação.

Há alguns consensos (ou, pelo menos, de conclusões dominantes). Em média, as mulheres superam os homens em tarefas que exijam semântica e memória verbal. Inversamente, os homens tendem, em média, a superar as mulheres em tarefas que requeiram capacidades espaciais

Há que ir com cautela, pois o tema é potencialmente explosivo e o seu esclarecimento empírico, através de resultados metodologicamente fiáveis, não se alcança facilmente. Sem surpresa, há todo um debate sobre quais os melhores instrumentos metodológicos para avaliar capacidades cognitivas e até a inteligência, de modo a obter resultados que correspondam à realidade. Contudo, isso não impediu a obtenção de alguns consensos (ou, pelo menos, de conclusões dominantes). Quais? Primeiro, no domínio das capacidades cognitivas, há uma extensa literatura académica que confirma que, em média, as mulheres superam os homens em tarefas que exijam semântica e memória verbal (por exemplo: Johnson & Bouchard, 2007; Lubinski, 2004). Inversamente, os homens tendem, em média, a superar as mulheres em tarefas que requeiram capacidades espaciais (Voyer et al., 1995). E, maioritariamente, a investigação tem concluído que essas diferenças perdem força/relevância ao longo do crescimento – embora haja muita literatura que identifique efeitos duradouros. Segundo, no domínio da inteligência (isto é, num ângulo mais abrangente do que apenas as capacidades cognitivas), sem surpresa, a maioria da literatura académica verifica não existirem diferenças entre os sexos.

O que une toda esta investigação? O reconhecimento de que, mesmo existindo diferenças entre homens e mulheres no desempenho de tarefas específicas, os factores biológicos não são o factor explicativo. Isto é: o sexo explica uma diferença mínima e irrelevante das variações nos níveis de desempenhos, incluindo nos alunos. Quão irrelevante? Quase totalmente: num estudo experimental de 2011 (ver aqui artigo publicado), em que se mediram os desempenhos de alunos entre os 5 e os 16 anos em termos de expressão oral, capacidades espaciais e capacidades visuais, constatou-se que apenas 1% a 3% das oscilações de desempenhos poderia ser justificada pelo sexo.

Ou seja, para o debate sobre políticas públicas de educação, sobressaem duas ideias. A de que as diferenças entre rapazes e raparigas até podem ser relevantes em termos de pedagógicos (por exemplo, na distribuição de lugares numa sala de aula, sabendo que os rapazes mais novos têm, em média, menor capacidade de concentração). E a de que, em termos de desempenhos escolares, a biologia é um factor explicativo irrelevante.

O contexto social e familiar conta

O que está, então, por detrás dos indicadores sistémicos acima mencionados, que em média colocam as raparigas como melhores alunas? Não sendo a biologia, resta o contexto social e familiar dos alunos. Mas, em concreto, que aspectos desse contexto têm impacto no percurso escolar? A lista é potencialmente longa, mas vale a pena destacar quatro.

Primeiro, os trabalhos de casa. Há todo um debate à volta da necessidade de os alunos levarem trabalho para casa. Há quem os recomende, por via do impacto positivo que têm nos desempenhos escolares. E há quem os critique, por via de sobrecarregar os alunos e de os impedir de dedicar tempo a outras actividades igualmente importantes para o seu desenvolvimento. Aqui o ponto não é tomar partido por uma das posições – ambas têm méritos e o tema justificaria um ensaio próprio. O ponto é olhar para os indicadores e realçar que as raparigas passam muito mais horas do que os rapazes a realizar trabalhos de casa ao longo de um ano escolar – no geral, pelo menos mais uma hora por semana (gráfico 6). Ora, estando comprovada a existência de uma correlação positiva com os desempenhos escolares, não surpreende que as raparigas daí tirem benefício, face aos rapazes, ao longo do seu percurso escolar. E que, portanto, isso explique parte importante das diferenças de desempenhos entre sexos.

Segundo, os videojogos. Não constitui surpresa dizer que os rapazes dedicam mais tempo aos videojogos do que as raparigas (gráfico 7). O que raramente se acrescenta a essa afirmação é que existe uma relação negativa entre o tempo dedicado aos videojogos e os desempenhos escolares de um aluno. Seja directamente – maior dificuldade de concentração em ambientes menos estimulantes do que um videojogo (por exemplo, a escola). Seja indirectamente – as horas em que um jovem brinca com videojogos poderiam ser usadas para fazer trabalhos de casa ou actividades físicas, ambas com uma relação estabelecida com a melhoria dos desempenhos escolares. De resto, a questão não se coloca somente ao nível dos videojogos em geral, mas tem em conta o tipo de videojogo. Os efeitos negativos são particularmente acentuados nos jovens que passam mais tempo em jogos online, em colaboração com outros jogadores, do que aqueles que jogam sozinhos. Ora, não somente os rapazes jogam muito mais videojogos, como o fazem maioritariamente em ambientes online e colaborativos.

Terceiro, as expectativas familiares. A relação entre o perfil socioeconómico da família do aluno e os seus desempenhos está solidamente estabelecida na investigação. E um dos factores relevantes nesse perfil é a expectativa dos pais para o futuro dos filhos – se essas expectativas forem baixas, é maior a probabilidade de o aluno ter resultados baixos. Ora, os inquéritos às famílias no âmbito das avaliações internacionais do PISA apontam para uma diferenciação significativa entre sexos quanto às expectativas dos pais. Por exemplo: entre uma rapariga e um rapaz com os mesmos níveis de desempenho a matemática, os pais têm maior expectativa de uma carreira nas áreas científicas e tecnológicas para os seus filhos do que para as suas filhas (gráfico 8). Esta questão tem um importante impacto nas escolhas dos alunos e no seu percurso escolar – por exemplo, nas escolhas de curso superior.

Quarto, as normas sociais. Da mesma forma que as expectativas familiares têm influência, também os costumes e as expectativas de uma comunidade têm impacto nas opções dos jovens. A questão surge como evidente perante um exemplo extremo: numa sociedade onde o papel das mulheres for menorizado e associado a responsabilidades domésticas, a probabilidade de as mulheres não concluírem os estudos é maior. Ora, no caso das sociedades ocidentais, entre as quais a portuguesa, está-se felizmente muito longe dessa realidade extrema. O que não significa, contudo, que não existam enviesamentos nas normas sociais, cujos efeitos se manifestam no percurso escolar e de vida dos jovens. Um deles é particularmente relevante para este ensaio. Há vários estudos (por exemplo, este: González de San Román and De la Rica Goiricelaya, 2012) que verificaram que nas sociedades com maiores níveis de igualdade de género as diferenças entre sexos nos desempenhos a matemática diminuem – ou seja, quanto menor diferenciação entre sexos houver na vida social, menores serão as diferenças entre raparigas e rapazes nos desempenhos a matemática. O que estes resultados sugerem é, portanto, que a existência de bons modelos sociais, nomeadamente para as raparigas, contribui como incentivo positivo para determinadas escolhas de percurso escolar e de vida.

So what? As três ideias a reter

Primeira ideia: há diferenças entre sexos masculino/feminino muito relevantes na educação, em termos de resultados. Em Portugal (de resto, um pouco por toda a Europa), os desempenhos escolares das raparigas tendem a ser superiores aos dos rapazes (o grau da diferença varia ao longo do crescimento), as taxas de conclusão são superiores nas raparigas (os rapazes têm mais abandono escolar), as vagas no ensino superior são preenchidas mais por jovens mulheres do que por homens. É este o retrato de desigualdade entre sexos que os dados do sistema educativo desenham.

Segunda ideia: o que está por detrás dessas diferenças é sobretudo derivado de aspectos sociais. Sim, há diferenças biológicas entre rapazes e raparigas que têm um ligeiro impacto nos primeiros anos de desenvolvimento e que depois se dissipam. O fundamental do que, ao longo do percurso escolar, vai separando rapazes e raparigas, explica-se com uma série de questões concretas, que são sociais e familiares. Uma das mais evidentes está nas expectativas dos pais face aos seus filhos, verificando-se que, por exemplo, entre alunos com os mesmos níveis de desempenho a matemática, os pais têm mais expectativas de uma carreira científica/tecnológica para rapazes do que para raparigas. Conclusão: se a raiz das diferenças é social, então as diferenças são reversíveis.

Terceira ideia: só percebendo o que está por detrás das diferenças entre rapazes e raparigas na educação será possível combatê-las e ultrapassá-las. Dito assim, parece evidente: se não se entender um problema, não se pode desenvolver uma solução. Mas, na prática, não é assim tão evidente neste caso, onde há dois tipos de solução. Aquele que se discute: o da mudança nos aspectos sociais – por exemplo, sensibilizar os pais para que as suas expectativas não variem à medida do sexo dos filhos. E aquele que não se discute: aplicar tratamentos diferenciados quando isso for pedagogicamente benéfico. Por exemplo, sabendo que os rapazes têm em média maior dificuldade de concentração, devem os professores usar essa informação na distribuição dos lugares na sala de aula, lidando diferentemente com os seus alunos (seleccionando rapazes para as primeiras filas), ou devem obrigar-se a um tratamento absolutamente igualitário (distribuição aleatória) que ignora essa informação? Equidade na educação não é tratar todos por igual, mas sim dar a cada um as condições específicas de que necessita para, no final, todos alcançarem os objectivos.

A análise dos indicadores de desempenhos de alunos, de abandono escolar e de acesso ao ensino superior demonstra, sem margem para dúvidas, que existem diferenças significativas entre rapazes e raparigas no domínio da educação. Não é preconceito ou perseguição, é a realidade dos factos.

O que é que isto diz sobre o parecer da CIG na polémica contra a Porto Editora?

Na sequência da denúncia de discriminação sexual em dois blocos de actividades para crianças (4 a 6 anos), a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG) emitiu um parecer recomendando alterações ao seu conteúdo. E fê-lo a partir de uma argumentação sustentada na análise de três questões – (1) o reforço da segregação de género; (2) o reforço de estereótipos de género; (3) diferenciação por sexo do grau de dificuldade das actividades – para concluir que os cadernos de actividades da Porto Editora estavam desadequados. E, desses três ângulos, as suas conclusões são razoáveis.

No entanto, sobressai uma importante ausência no parecer da CIG: uma reflexão sobre o tema em causa da perspectiva da educação, do sistema educativo e das diferenças entre sexos. O parecer, tal como foi redigido, poderia aplicar-se a um desenho animado, a um pacote de bolachas, a um brinquedo. Isto porque, na base das críticas da CIG, prevalece a ideia de que haver diferenciação entre rapazes e raparigas é, por definição, negativo. E sim, quase sempre assim é. Mas, neste caso concreto, ignorar o contexto educativo em que a discussão se inseriu abre a porta a um preconceito enganador – o de que, na educação, tratar todos por igual é condição para a promoção da equidade. Ora, não é necessariamente assim.

Há vários exemplos de como a diferenciação por sexo pode ser pedagogicamente benéfica e feita com pés e cabeça. Aqui vai um. Ao sabermos que os rapazes, sobretudo nas idades a que se destinam os blocos de actividades em questão, têm (em média) pior domínio da língua e pior compreensão de texto, seria legítimo uma opção editorial que, distinguindo entre rapazes e raparigas, procurasse no bloco de actividades para meninos reforçar o interesse na leitura – por exemplo, inserindo mais exercícios com texto. Ou seja, estar-se-ia a adequar os conteúdos do bloco de actividades às necessidades educativas dos alunos. E fazê-lo não seria aceitar a premissa que os rapazes, por serem rapazes, têm maiores dificuldades linguísticas. Seria, simplesmente, reconhecer que, objectivamente e seja por que razão for, os rapazes têm em média mais dificuldades nesses exercícios do que as raparigas.

Acontece que a lente analítica da CIG está omissa nesse aspecto. Condena porque é diferente, sem procurar perceber se a natureza dessas diferenças tem valor pedagógico. É que, para assinalar a inadequação de materiais educativos, não basta afirmar que a existência de dois blocos “contraria o princípio de igualdade de oportunidades independentemente do sexo a que se pertence”. Ou que “o facto de haver um maior número de actividades com maior grau de dificuldade no bloco de actividades para meninos poderá reforçar a ideia de que há desigualdade nas capacidades cognitivas de meninos e meninas”. Sim, isso está tudo certo. Mas, porque a finalidade dos cadernos é educativa, falta sublinhar o fundamental: o problema de raiz não está em haver diferenças entre blocos, mas sim no facto de essas diferenças não reflectirem qualquer enquadramento científico ou pretenderem qualquer efeito pedagógico. São meramente estéticas, artificiais e desnecessárias. Como tal, não têm fundamento, acentuam preconceitos sociais e não deveriam existir.

A análise dos indicadores de desempenhos de alunos, de abandono escolar e de acesso ao ensino superior demonstra, sem margem para dúvidas, que existem diferenças significativas entre rapazes e raparigas no domínio da educação. Não é preconceito ou perseguição, é a realidade dos factos. E isso importa na hora de avaliar aquilo que a CIG qualifica de “igualdade de tratamento”. Sim, a existência de cadernos por sexo e a variação nos conteúdos que a Porto Editora aplicou é problemática. Mas não o é apenas devido às razões que a CIG identificou. É problemática porque, para além de tudo mais, se diferenciou entre rapazes e raparigas de forma desnecessária, sem qualquer objectivo pedagógico e sem expectativa de ganho educativo. A raiz do problema sempre esteve aí. E dizê-lo não é uma questão de pormenor. É centrar o debate no que interessa, e meter um travão nos equívocos igualitários que enviesam o debate público.

Alexandre Homem Cristo foi Conselheiro Nacional de Educação e, entre 2012 e 2015, foi assessor parlamentar do CDS na Assembleia da República, no âmbito da Comissão de Educação, Ciência e Cultura. É autor do estudo “Escolas para o Século XXI”, publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, em 2013.

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