Uma simples cadeira, branca, toda ela feita em plástico, leve, empilhável e barata é a peça de mobília mais utilizada e reproduzida em todo o mundo. O objeto que parecia criar um ideal de cadeira para todos é, em simultâneo, um dos maiores pesadelos ambientais alguma vez criados. Desenhada a partir de variantes em 1972, pelo francês Henry Massonet, a chamada Monobloc (que na tradução literal significa um objeto forjado numa única peça) foi reproduzida aos milhares de milhões, tornando-se um símbolo democrático da acessibilidade e adquirível por todos.
Mas é também um dos exemplos mais significativos de como o plástico – neste caso esta simples cadeira que quando se parte deixa de ser utilizável – criou um problema de lixo, com consequências ambientais determinantes. Esta cadeira está entre muitos outros objetos que fazem parte da exposição “Plástico: Reconstruir o Nosso Mundo”, que abre portas esta quarta-feira, dia 22, no Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia (MAAT), em Lisboa.
A mostra produzida em conjunto com o Vitra Design Museum, na Alemanha e o V&A Dundee (cidade escocesa que primeiro a acolheu) e que tem vários curadores envolvidos, analisa o material revolucionário e profundamente controverso a que atribuímos o nome genérico de “plástico”, mas que, na verdade, inclui um universo de produtos sintéticos, com características e utilizações diferentes. Chega agora ao museu português como chamada de urgência para os efeitos que este material tem na vida quotidiana, bem como dar a conhecer um percurso com mais de 150 anos de história e analisar a narrativa tão espantosa quanto preocupante da sua invenção e disseminação.
Trata-se de uma exposição, nas palavras da curadora responsável Anniina Koivu, “educacional e de reflexão”, que deixa antever soluções de futuro face a um material que ao contrário do que se esperava nos seus primórdios é também limitado.
“Quando criámos esta mostra, não era o nosso objetivo que se tratasse de um espetáculo demoníaco sobre tudo aquilo que correu mal na história do plástico. É sim, uma forma de entendimento sobre a origem do plástico, do porquê de estarmos rodeados deste material e sobre aquilo que aconteceu nos últimos cem anos que nos trouxe até aqui. Depois, podemos especular sobre o futuro e onde é que podemos ir parar se continuarmos a usar o plástico da forma como o usamos”, explicou ao Observador a curadora.
Entre o passado e o futuro, existe um percurso antológico e arqueológico, onde se mostra como na origem o plástico surge como uma solução positiva para os recursos de origem natural que, eventualmente, se iriam esgotar. Do momento em que se tornou imprescindível até ao momento em que se tornou num material letal e perigoso, funcionando como contributo para a incontornável crise de poluição ambiental que hoje vivemos.
Uma sinfonia de Strauss para abordar a poluição dos oceanos
Comecemos pelo princípio dos tempos. Como uma espécie de prelúdio, a exposição abre com a instalação videográfica KALPA (tradução sânscrita para a criação e destruição do mundo), sobre a relação geológica fundamental entre plástico e natureza, concebida pelo arquiteto britânico Asif Khan. Entre dois grandes ecrãs assistimos, num lado, à evolução natural do planeta, a partir da biodiversidade dos oceanos e, no outro, ao momento destrutivo proporcionado pela era do plástico e do petróleo. No meio desse salto com dois mil milhões de anos escuta-se, em tom de ironia, a valsa “Danúbio Azul”, do compositor austríaco Johann Strauss II, composta em 1866 e tocada no ano seguinte na Exposição Universal de Paris, onde se celebrou a produção de alguns dos primeiros objetos feitos com materiais artificiais.
No meio do que é simbólico, a exposição avança depois para o concreto desta narrativa que começa e termina nos oceanos e na poluição. Dividida em três secções, a mostra segue para uma primeira abordagem histórica. Desde a origem, o grande desafio prendia-se com a “produção de objetos moldáveis e que pudessem ter diferentes escalas”, sustenta a curadora. As primeiras soluções, encontradas nos finais do século XVIII e com o início da industrialização, encontravam-se nos mais variados recursos naturais.
A borracha natural, partes de insetos ou o marfim foram alguns desses recursos utilizados e que contam também uma parte importante do que foi a época colonial. Foi, afinal de contas, tanto no continente africano, como no asiático, que muitas nações ocidentais encontram materiais para criar os objetos mais diversos, entre pentes, discos de vinil, óculos, mobília e cabos que seriam transformadores para a indústria das telecomunicações.
No meio desse advento de novos objetos, está o inventor belga Leo Baekeland que, em 1907, desenvolveu a baquelite, um plástico à base de fenol e formaldeído até hoje usado em processos industriais. “É o nascimento da indústria”, realça Anniina Koivu, e que precede o facto de se ter entendido como todos os outros materiais usados até então se estavam a esgotar. “A necessidade do plástico vem de um ponto claro de que era preciso encontrar um material que trouxesse uma espécie de alívio à natureza.” A baquelite, como o “material de mil usos”, isolante e não inflamável, foi prontamente usado para as luzes, rádios, telefones e aparelhos elétricos que começaram a povoar a vida e a casa moderna. “Foi a primeira vez que surgiu um material que se podia colocar em qualquer tipo de molde e que podia ser reproduzido em massa.”
O despertar para o problema
Com a implosão das duas grandes guerras e o desenvolvimento das industrias bélicas e de petroquímica, assiste-se a um impacto significativo na escala de produção do plástico e a crescente preocupação com o planeta a partir de finais do século XX. É este o segundo foco da exposição, onde vamos do final da Segunda Guerra Mundial até ao princípio da década de 1970. Da indústria da moda, ao imobiliário, passando pela produção de brinquedos, estão ali presentes as linhas futuristas que inspiraram muitos dos grandes designers do século passado.
Os termos plastificados – criados pela indústria do cinema, mas também no domínio da gastronomia fast food – evidenciam os famosos pratos descartáveis de plásticos, bem como os não menos célebres tupperwares. “Nessa época, viveu-se uma espécie de sonho e de utopia, face ao que era higiénico e de fácil utilização”, explica a curadora. “Estamos perante objetos tão visualmente atraentes quanto cómodos e que passaram a entrar nas nossas casas, como sinónimo de um modo de vida sem preocupações”, sintetiza.
Entre os exemplos mais significativos, Anniina Koivu destaca o projeto de arquitetura Monsanto House of the Future, construída pela empresa petroquímica Monsanto na Disneylândia, na Califórnia, em 1957. A casa, ali exposta em maquete, era composta em armações de poliéster reforçado com fibra de vidro, foi visitada por dez milhões de pessoas, nos seus dez anos de existência, e vista realmente (como o seu nome indica) como a casa do futuro. Ainda na mesma secção da mostra, no entanto, como na década de 60 emergiu um “despertar para o problema do plástico associado à produção de lixo”.
Nesses anos publicaram-se os primeiros artigos de biólogos marinhos que davam conta da presença de partículas de plástico no mar. Embora as primeiras constatações tenham tido pouca atenção por parte da opinião pública, sucederam-se eventos que despoletaram uma primeira vaga de ativismo ambiental. “Em 1969, houve um derrame de petróleo de grandes dimensões na Califórnia e a primeira crise petrolífera em 1973, ambos eventos que despertaram consciências e foram muitos os especialistas que deixaram claro que os combustíveis fósseis não eram ilimitados”, salientou a curadora.
Entre os movimentos ambientalistas e a criação do Dia Mundial da Terra, criado a 22 de abril de 1970, chega-se então à terceira secção de “Plástico: Reconstruir o Nosso Mundo”. Aquilo que outrora foi encarado como uma bênção – a durabilidade e resistência do plástico – acabou por transformar-se em maldição, lê-se numa das notas colocadas ao longo da exposição e que o MAAT fez questão de produzir utilizando apenas materiais recicláveis. Quase como um laboratório de futuro, é nesta secção que se faz um balanço dos atuais esforços para repensar o plástico, desenvolver alternativas, reduzir a sua produção e consumo e promover a sua reutilização. Há protótipos, mas também soluções que nos últimos anos ganharam vida em diferentes setores.
Há propostas singulares: sacos de compras que se dissolvem na água, toldos usados na agricultura que se integram nos solos sem impactos nocivos, objetos criados com recurso a vários tipos de fungos, e outro tipo de soluções encontradas em plantas e insetos. “Da era fantástica do plástico, passamos para um momento em que nos sítios mais bizarros encontramos restos de plástico. Felizmente, há neste momento muita investigação a decorrer para se encontrarem alternativas. Basicamente, estamos a recriar a história. O plástico que no inicio foi visto como uma solução positiva vai ter de ser reduzido para dar espaço a outras possibilidades.” Mas o cenário não termina por aí, nem a narrativa deste material artificial. “Ele continuará a existir, mas há muita coisa que se pode fazer”, realça Anniina Koivu.
A história que se conta em “Plástico: Reconstruir o Nosso Mundo” é também a história da industrialização e do capitalismo como sistema dominante. Porém, no entendimento da curadora, não se trata apenas de “um problema político ou dos setores industriais”. É um problema de todos, diz. “Tornou-se individual no sentido em que todas as pessoas vão de ter de mudar a forma como abordam o consumo de plástico, tal como está a acontecer com os problemas gerados pela poluição, nomeadamente as causas climáticas.”
Entre os brinquedos presentes numa das vitrines da exposição, estão os famosos Lego, que não deixam de suscitar a questão: é possível fazer com que uma empresa como a Lego mude a sua produção toda ela baseada no uso de plástico? Perante os bons exemplos que se veem no setor da moda, mas também dos restaurantes – veja-se o exemplo das palhinhas de plástico que rapidamente caíram em desuso –, há sinais de esperança. “Há uma parte importante da equação que reside no individual e na forma como cada um de nós pode fazer parte da solução. A Lego, por exemplo, tem tentado desenvolver alternativas, não sei em que ponto estão, mas acredito que todos podem mudar. A certa altura, acredito que mesmo para as maiores empresas, vai haver um estímulo para se fazer parte da solução e não do problema.”