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O IDE como elemento de uma política económica global
Portugal precisa de melhorar os níveis de bem-estar económico e social e de contrariar a tendência, que se verifica desde 1996, de caminhar para a cauda da Europa em nível de riqueza produzida por habitante (PIB per capita em paridades de poder de compra), pois não basta apenas crescer acima de uma média baixa europeia muito influenciada, nos últimos anos, pelas fracas “performances” dos países mais ricos (França, Itália, Alemanha), quando as outras economias do nosso estádio de desenvolvimento, também em fase de “upgrading”, crescem continuamente mais do que nós. Para tanto, é imperativo para o nosso país um processo sustentado de crescimento económico, o que exige, ao longo do tempo, um conjunto continuado e articulado de políticas nos três pilares estratégicos determinantes do desenvolvimento económico e social: pilar político-institucional; pilar económico e financeiro; e pilar social.
A presente reflexão sobre uma política activa de captação de investimento directo estrangeiro (IDE) abrange apenas uma das políticas que se enquadram no designado “pilar económico-financeiro”, o qual deverá integrar uma combinação (“mix”) coerente de políticas macroeconómicas, microeconómicas e empresariais viradas para o incremento do PIB potencial (no nosso conceito de uma Política Económica Global).
O chamado “stock de capital” numa economia é uma variável estratégica crítica do crescimento económico, a par do “stock de capital humano” e da produtividade. No quadro estratégico de actuação sobre os factores estruturais, é crucial o aumento de investimento na economia portuguesa face à evolução desfavorável na última década. Na realidade, a formação bruta de capital fixo (FBCF), na década de 2011-2020, evidencia um valor médio anual de 16,5% do PIB, o que compara com 25,5% do PIB, no período de 1991-2000, e 23,3% do PIB em média de 2001 a 2010. Donde se conclui que a expansão do investimento (público e privado, nacional e estrangeiro) deve constituir um desígnio nacional, não só quanto ao seu volume, como também no que respeita à sua qualidade, pois a evolução da produtividade marginal do capital (coeficiente capital/produto) mostra uma tendência que indicia uma reprodutividade insuficiente do investimento. É neste contexto que entendemos a necessidade estratégica de uma política activa de captação de investimento directo estrangeiro (IDE).
Estrutura, evolução e perspectivas
O IDE no nosso país, ao longo das décadas de 1970 e início dos anos 1980, nunca atingiu valores superiores a 0,5% do PIB. Foi a partir de 1989 que se verificou uma onda de crescimento que se traduziu, em 1990 e 1991, em valores equivalentes a cerca de 3,8% do PIB e 14% da FBCF. Nas últimas décadas, o peso dos fluxos (líquidos) do IDE no PIB tem variado bastante em função de factores externos e internos. A estabilidade política alcançada em 1985 com os governos de Cavaco Silva, o sucesso das suas políticas económicas, a entrada em 1986 na Comunidade Económica Europeia (CEE) e o aumento dos fluxos globais de comércio e investimento no período foram elementos decisivos de uma evolução positiva do IDE na economia portuguesa. Nas últimas duas décadas e meia, não se verificou, contudo, a explosão que se poderia esperar, em consequência de novas condicionantes ou desafios a que não soubemos responder, nomeadamente: aparecimento da concorrência na indústria transformadora dos países do Leste Europeu; má qualidade das políticas económicas nacionais em alguns períodos; deslocalização de algumas indústrias para os países emergentes (nomeadamente China e Índia) por razões de competitividade de custos e de menores exigências ambientais e de organização do trabalho.
Olhando para as várias estatísticas disponibilizadas pelo Banco de Portugal, e concentrando-nos no período de 2008-2019, o total dos fluxos (líquidos) do IDE apresenta naturalmente oscilações anuais, mas com uma nítida tendência crescente desde 2011 e com um pico a preços correntes em 2019. No entanto, a quota de Portugal nos fluxos do IDE mundial é pequena, tendo atingido 0,53% em 2019 (0,46% em 2011 e 0,58% em 2013), evidenciando também o nosso posicionamento no “ranking” como receptor no “stock” do IDE mundial, uma participação muito reduzida e mesmo decrescente (0,75% em 2008, 0,60% em 2013, e 0,44% em 2019).
Na economia portuguesa, o peso relativo do IDE nos vários sectores permite concluir que a indústria transformadora tem vindo a perder terreno no total da estrutura da composição do “stock” de IDE (em posição em fim de ano, 9% em 2008 e 5,5% em 2019), enquanto o sector dos serviços tem consolidado o seu peso sempre acima dos 70%. Por origens, os países da UE são, como é natural, largamente maioritários, com uma participação superior aos 70%, destacando-se historicamente a Alemanha, o Reino Unido, a França e, mais recentemente, a Espanha.
Para além das estatísticas, note-se que a evidência empírica do IDE de algumas empresas internacionais em sectores-chave da nossa estrutura económica mostra o seu grande impacto na modernização do tecido produtivo, nas exportações, na transmissão de conhecimento técnico e de gestão e na balança de transacções correntes. Elas operam em vários sectores da economia e, nomeadamente, as instaladas há mais tempo, no da indústria transformadora e, mais recentemente, no dos serviços de valor acrescentado a empresas. Só é pena que o seu peso do IDE não seja mais significativo, aumentando o número de multinacionais já com raízes em Portugal (como acontece, por exemplo, com as empresas Volkswagen (Autoeuropa), Renault, Siemens, Bosch, etc.), e atraindo novas empresas de média dimensão para investimentos de expansão que densifiquem as cadeias de valor e reforcem o valor acrescentado nacional. Numa política activa de captação de IDE, não poderá ignorar-se a dinâmica de algumas economias asiáticas, como o Japão, a China ou a Coreia do Sul, origens de bons exemplos de investimentos no passado.
A China representa cerca de 17% da economia mundial, o mesmo peso relativo que o da sua população, e terá um papel crescente. O seu processo de internacionalização através do IDE noutros países está em curso. Portugal tem sido um dos receptores europeus, tendo os fluxos anuais de IDE de origem chinesa aumentado na última década, mas ainda com uma quota reduzida no nosso “stock de IDE” em comparação com os grandes investidores externos na economia portuguesa. Portugal acordou uma parceria estratégica com a China e goza no quadro europeu de relações históricas privilegiadas. Esta vantagem competitiva do nosso país tem de ser devidamente potenciada, pois entendemos que Portugal deve desempenhar um papel activo no desenvolvimento da cooperação UE/China e na criação de um clima de cooperação internacional que ultrapasse as tensões actuais (EUA/China), no contexto de um quadro de comércio global livre e equilibrado. Na nossa avaliação a experiência concreta da participação de empresas chinesas em empresas nacionais do sector da energia (detém 21,47% da EDP e 25% da REN) tem sido positiva. Na realidade: investiram capital (quando os outros fecharam o acesso) em período difícil de obtenção de financiamentos externos; reforçam os núcleos duros accionistas, protegendo as empresas de movimentos “predadores” (um risco sempre presente); têm apoiado a gestão estratégica das empresas e o seu processo de internacionalização, incluindo projectos de investimentos conjuntos nalguns países; respeitam as regras de funcionamento do mercado de capitais e os bons princípios de “Corporate Governance”.
Por outro lado, é conhecido que a Galp fez há anos com uma congénere chinesa uma parceria no veiculo que detém posições no segmento de exploração de jazidas de petróleo no Brasil e que tem evidenciado, tanto quanto se sabe, sinais positivos para ambos os sócios, tendo permitido uma boa “alavancagem” à Galp para financiamento da sua expansão.
Entendemos que no âmbito da cooperação UE/China, e num mundo cada vez mais multipolar, Portugal não poderá desperdiçar a oportunidade de continuar a aprofundar as suas relações económicas com a China. Atendendo às características de centralização do modelo político chinês, a defesa dos nossos interesses, em projectos “win-win”, deverá passar por um regime contratual de longo prazo específico e adaptado a cada investimento significativo.
Nalgumas situações será possível igualmente captar investidores externos para a constituição em Portugal (sede jurídica, centro de gestão, consolidação de contas, e pagamento de impostos) de “plataformas de expansão internacional” para certos mercados geográficos, em associação com empresas portuguesas sempre que adequado e possível. Portugal tem hoje condições fiscais para as SGPS semelhantes às existentes no Luxemburgo ou Holanda (estas praças foram obrigadas pela UE a alterar esquemas do passado), mas falta-nos gerar confiança nos investidores na estabilidade das regras, definir estímulos adequados aos quadros para a sua fixação em Portugal e reforçar as acções de “marketing focalizado”.
Entendemos que Portugal, no contexto dos próximos anos, tem condições para ser mais ambicioso na captação de IDE, desde que não se esqueça que tem de alcançar um nível de atractividade não inferior (e desejavelmente superior) ao dos países concorrentes. A nível macro, deveríamos fixar o objectivo de caminharmos a prazo para um nível global de FBCF no PIB da ordem dos 25% e obtermos uma quota do IDE na FBCF na casa dos 20%, em média anual ao longo de ciclos económicos completos. Esta ambição, no tocante ao IDE, deveria contemplar objectivos desagregados orientadores das acções de captação nos sectores mais estruturantes do nosso tecido produtivo.
Nos próximos tempos, vai acentuar-se uma certa tendência para a chamada “reindustrialização” da Europa (e também dos EUA) e para a “regionalização” de algumas cadeias de produção globais. Este movimento já se vinha detectando antes da crise sanitária global e mesmo antes da guerra comercial EUA/China. Na realidade, podemos distinguir dois tipos potenciais de deslocalização (“reshoring”): o conduzido pelos governos em sectores considerados politicamente “estratégicos”; e o determinado por fundamentos de racionalidade económica empresarial. O segundo tipo já estava em curso antes da crise de 2020, por razões de diversificação de riscos e de gestão geográfica do portfólio das actividades da cadeia de valor por parte de empresas multinacionais. O primeiro tipo de “reshoring” vai ser estimulado pelos governos na sequência da pandemia do coronavírus que criou a percepção na opinião pública de que é insuportável a dependência externa da Europa (como também acontece nos EUA) de algumas produções de bens, nomeadamente da produção na indústria farmacêutica e na de equipamento médico. Esta interiorização veio dar força aos defensores da “reindustrialização”, apontando malefícios que vêm para a indústria transformadora da “deslocalização” das últimas décadas e sobretudo após a entrada da China na Organização Mundial de Comércio (2001).
Oportunidades e potencial de crescimento
Assim, é natural que a nível europeu, e de cada um dos países, surjam novas oportunidades de IDE em consequência das “novas políticas industriais” e de políticas empresariais de multinacionais em alguns segmentos da indústria transformadora. No entanto, na nossa opinião, a amplitude do processo de “reshoring” vai estar condicionada no espaço europeu por uma análise objectiva da questão estratégica e económica. Na realidade: (i) a Europa é, em geral, excedentária nos saldos da balança comercial com os países emergentes em produtos industriais; (ii) a queda do peso do emprego na indústria transformadora é essencialmente devida aos ganhos de produtividade derivados do progresso tecnológico; (iii) a escala é, em muitas actividades, um factor de competitividade de custo determinante; (iv) os custos de produção industrial, em muitos países avançados, são impactados negativamente por sobrecustos elevados ligados: aos custos sociais sobre o factor trabalho; a normas ambientais, sanitárias e de organização do trabalho; ou à carga excessiva de impostos e taxas, e esta realidade não vai mudar rapidamente; (v) a “deslocalização” industrial ocorreu frequentemente em segmentos da cadeia de produção de fraco valor acrescentado, sendo paradigmáticos, por exemplo, os casos dos “ingredientes“ da indústria farmacêutica ou o da produção de componentes na electrónica, onde os segmentos de maior valor estão concentrados nos países mais avançados.
Para além da realidade objectiva, a percepção das pessoas constitui, porém, uma força importante com reflexo na esfera política. Por outro lado, as maiores economias da UE (Alemanha, França e Itália), ainda que por motivações diferentes, estão hoje de acordo, no seio da UE, para a definição de estímulos para uma “nova política industrial” europeia relativamente aos designados “sectores estratégicos” e para a criação de “campeões europeus” (empresas europeias com a dimensão adequada que possam vencer no jogo competitivo em sectores globais).
Neste ambiente, Portugal poderá ter uma nova oportunidade para a dinamização do IDE, tanto mais que irá dispor de fundos europeus significativos a fundo perdido (que ainda não é possível quantificar) no âmbito do Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027 e do novo “Economic Recovery Plan” proposto pela Comissão Europeia (CE), com o apoio do eixo franco-alemão. Isto para além do reforço da capacidade de acesso a empréstimos e garantias da UE e do BEI, e das iniciativas do seu veículo Fundo Europeu de Investimento (FEI) que actua nas economias europeias numa lógica de “fund of funds” de investimento para a dinamização de projectos empresariais com potencial de expansão (em Portugal, estão a ser lançados os novos fundos “Portugal Growth” e “Portugal Blue Economy”).
Estas novas políticas da UE, aliadas ao ambiente de taxas de juro baixas decorrente da política monetária expansionista do BCE, que permite a redução do “risco país”, estimulam a criação de condições para a realização de reformas estruturais e para um novo ciclo de expansão do investimento produtivo na economia portuguesa, incluindo um aumento dos fluxos de IDE. Assim saibamos aproveitar, executando em tempo projectos reprodutivos de harmonia com as prioridades estratégicas da economia portuguesa.
Portugal deve ter uma nova ambição de crescimento, pois tem recursos, capacidades e competências para incrementar a riqueza e as quotas de recepção de IDE em todos os sectores: indústria extractiva; agricultura e agro-alimentar; actividades ligadas ao mar; fileira da floresta; segmentos da indústria transformadora (aprofundando a renovação dos chamados sectores mais tradicionais e introduzindo novos segmentos ou “nichos”); energia; turismo “premium”; saúde; ambiente; serviços de valor acrescentado, etc.). O nosso país também está bem posicionado na adaptação estratégica exigida pela transição ecológica e pela transição digital, graças à base empresarial embrionária que já soube criar no campo das energias renováveis, nas tecnologias de informação, na internet e nas telecomunicações.
Desafios face aos outros países concorrentes
Na concepção de uma política activa de captação de IDE, temos de potenciar os nossos pontos fortes e encarar os pontos fracos como desafios a vencer. Note-se, pontos fortes e fracos relativos, ou seja, em comparação com o padrão do núcleo de países considerados concorrentes principais. Portugal tem factores positivos que pode potenciar e/ou melhorar: clima; qualidade de vida; níveis de segurança de pessoas e bens; infra-estruturas de mobilidade e de telecomunicações; população activa com qualificação crescente e vontade de aprender novas competências; sistema universitário, de investigação e inovação em processo de “upgrading”; sistema de saúde de qualidade (público e privado), etc. Mas os agentes políticos, económicos e sociais têm de ter consciência dos nossos pontos fracos relativos (ou desafios) face aos concorrentes e a coragem de acções estruturais para o vencer.
Os concorrentes na atracção de IDE serão seguramente: a Espanha; os países de Leste; os países da OCDE no nosso estádio de desenvolvimento e alguns países emergentes, como a Turquia (no turismo) ou Marrocos (na agricultura, sector automóvel ou logístico). O ”benchmarking” dinâmico poderá ter especificidades de sector para sector. O que importa é a identificação do “grupo concorrente padrão” e a vontade política para a execução de acções estruturais conducentes ao nosso melhor posicionamento nos “rankings” de competitividade. Os relatórios anuais de algumas instituições internacionais fornecem indicações preciosas sobre as medidas estruturais exigidas (exs.: World Economic Forum, Banco Mundial, IMD). Só nos falta vencer o “vírus da inacção estrutural”, que nos tem tolhido a acção, misturado com um certo “vírus ideológico antiempresas” em segmentos influenciadores do processo de decisão política.
No entanto, o sucesso relativo do programa de ajustamento macroeconómico executado no período de 2011-2019 tem permitido, nos últimos anos, alguma melhoria ligeira nos “rankings”, mas ainda insuficiente. Na análise publicada muito recentemente pelo IMD (Institute for Management Development, com sede na Suíça) sobre o “Ranking 2020”, Portugal aparece na 37.ª posição entre 63 países. Nela são referidos como principais desafios para o nosso país: a recuperação do crescimento no actual contexto internacional desfavorável e a adopção de uma política fiscal “amiga das empresas e do investimento” para melhorar a competitividade. A análise do IMD destaca outros factores de competitividade relativa (sobejamente conhecidos) onde temos de progredir de forma contínua: sistema educativo e de formação técnica profissional; redução da burocracia; eficiência do sistema de justiça, atacando a morosidade dos tribunais administrativos e fiscais; nível relativo elevado (face à riqueza per capita em comparação com outros países concorrentes) da carga fiscal sobre as empresas e sobre o factor trabalho; normas laborais que prejudicam a organização eficiente das empresas; falhas no sistema de concorrência e regulação dos mercados, etc.
Esta avaliação do IMD identifica, uma vez mais, as linhas principais das acções-chave para a melhoria da produtividade e competitividade e para uma maior capacidade de atracção de investimento, em geral, e de IDE, em particular. A estratégia de captação de IDE, com metas a prazo bem definidas, deve enquadrar-se nos objectivos globais e sectoriais da economia portuguesa. O plano global de desenvolvimento económico e social do país deveria estar articulado com programas de acção prioritários para os vários sectores-chave da nossa estrutura produtiva e para o aumento da dimensão das empresas e obtenção de uma adequada estrutura financeira hoje mais enfraquecida em muitos sectores por efeitos da recessão profunda de 2020 provocada por decreto dos governos por opção política quanto à natureza e amplitude das medidas tomadas perante a pandemia do coronavírus.
É neste quadro que se deverão incluir as acções prioritárias para um novo salto qualitativo no programa transversal de promoção do IDE na economia portuguesa nos vários sectores, e procurando, no domínio da indústria transformadora, incrementar o seu peso relativo nos fluxos mundiais e no “stock de capital”, por forma a tirarmos proveito das tendências referidas de “reindustrialização europeia” e de “regionalização” de cadeias de produção globais. Em particular devem reforçar-se as oportunidades de consolidação de alguns “clusters” embrionários, incluindo segmentos do sector dos bens de equipamento com efeitos multiplicadores induzidos importantes em vários sectores.
Parece-nos crucial aproveitar os programas da UE do Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027 e os novos apoios europeus à recuperação económica para reforçar o nosso pacote de incentivos fiscais e financeiros a oferecer com base contratual negociada caso a caso com potenciais investidores. O sector de captação de “shared service centres”, recentemente iniciado, constitui um bom vector de expansão nos Serviços, mas há também que aliciar investimento externo financeiro noutros serviços de valor acrescentado, incluindo a indústria de “equity capital” e “venture capital”.
A promoção activa de IDE pode, ainda, contribuir, por exemplo para: o aumento necessário da dimensão das empresas; reforçar a sua estrutura financeira; operacionalizar a embrionária estratégia do “cluster do mar”; assegurar o investimento público (justificado numa análise custos/benefícios) nas infra-estruturas logísticas de conectividade externa através de parcerias com operadores e financiadores estrangeiros (aproveitando nomeadamente o potencial dos nossos portos e desenvolvendo o transporte ferroviário de mercadorias de bitola europeia).
O IDE pode ser levado a cabo, na prática, por duas vias distintas, mas complementares: actuando de uma forma activa sobre a oferta do conjunto dos investidores potenciais, ou passiva sobre a procura; na primeira, com uma apresentação junto dos investidores externos dos factores de atractividade face à concorrência de outros países receptores de IDE; na segunda, a actuação será a oposta e traduz-se por acolher os investidores que nos procuram e gerir da melhor forma a nossa panóplia de contrapartidas.
Defendemos essencialmente uma política activa de captação de IDE, sem menosprezarmos as oportunidades derivadas dos investidores que nos batem à porta. Portugal tem, em todos os sectores, casos empresariais de sucesso competitivo, tanto de empresas nacionais, como de empresas estrangeiras. O nosso desafio competitivo passa por multiplicar o número de projectos empresariais de sucesso que impactem positivamente nas exportações, na balança comercial, no valor acrescentado nacional e no desenvolvimento de competências tecnológicas e de gestão.
O programa activo de atracção de IDE deve estimular continuadamente as empresas já instaladas no nosso país a: aumentarem a sua dimensão; terem um peso crescente na estrutura da cadeia de valor das empresas-mãe no quadro das suas opções de crescimento regional e global; e desenvolverem parcerias com empresas de raiz portuguesa com potencial de expansão, de internacionalização e de densificação de “clusters” regionais à escala europeia. O programa de atracção de IDE deve também visar logicamente novas actividades e novos grupos empresariais ainda sem presença no nosso país em sectores de futuro, através do reforço das acções de “marketing” focalizadas em alvos bem definidos em função dos nossos critérios estratégicos. Tal deve inserir-se coerentemente numa estratégia global de crescimento económico sustentado e de renovação da nossa estrutura produtiva.
As políticas de promoção do IDE ao longo das últimas três décadas têm vindo a ser melhoradas por aproximações sucessivas, mas é possível, agora, dar um novo salto qualitativo através de um trabalho mais articulado entre a AICEP, os ministérios sectoriais, a diplomacia económica e as associações empresariais e as empresas. Os investimentos apoiados através da AICEP nos vários regimes têm permitido uma evolução positiva, por exemplo, em termos de diversificação das origens, consolidação de alguns “clusters”, uma maior penetração nos sectores automóvel, aeronáutico, agroalimentar, turismo, e o desenvolvimento de Centros de Serviços e Competências (exs.: serviços partilhados, centros de competências, “hubs digitais”, I&D, centros tecnológicos, etc.).
A política de captação do IDE deve criar cada vez mais um ambiente “win-win” para ambas as partes na negociação. Portugal só terá a ganhar se conseguir introduzir a componente “factor conhecimento”, projectando parcerias com as Universidades e com o Sistema Nacional de Inovação, onde temos entidades em processo de contínuo “upgrading”. Ainda recentemente, no “European Innovation Scoreboard 2020”, o nosso país conseguiu subir ao grupo dos “Strong Innovators” (imediatamente abaixo do “Leaders Innovators”), ao lado de países como a Áustria, a Bélgica, a França e a Alemanha, o que evidencia um novo factor de atractividade para o IDE.
O desenvolvimento de “parcerias de conhecimento” permitiria reforçar a competitividade, a estabilidade dos investimentos e a ligação às cadeias de valor regionais e globais. No campo negocial dos projectos mais complexos, as entidades oficiais envolvidas só teriam a ganhar com o recurso (através de um órgão adequado) ao apoio de especialistas e gestores com conhecimento da economia real experientes no campo da negociação internacional.
Ainda no domínio dos desafios para atracção de IDE, a experiência com investidores internacionais leva-nos a concluir que, se existe um conjunto de fatores de maior ou menor atratividade que são avaliados, o pacote de incentivos fiscais e financeiros é realmente importante. O novo nível dos apoios da UE cria condições para uma revisão da nossa oferta em concorrência com outros países. Neste domínio, entendemos que não podemos ignorar a realidade de um quadro de concorrência fiscal internacional, lutando sistematicamente pela atração e retenção de investimento, capital e de talento humano.
Sem prejuízo da necessidade de um exercício integrado a nível do sistema fiscal, olhando a globalidade dos impostos (IRS, IVA, Património, Aduaneiros, etc.), nesta reflexão, contudo, tendo em consideração o objetivo (contributo para a competitividade de Portugal na atração de IDE), vamo-nos focar apenas na tributação do rendimento das empresas (IRC).
Assim, sendo inegável que as decisões dos agentes económicos a respeito da localização de investimentos ponderam vários fatores (exemplos: eficácia e rapidez do sistema judicial, nível de burocracia, estabilidade política, regulação e concorrência, logística, etc.) também é inquestionável que o fator fiscal assume uma importância crítica nesses processos de decisão. Do mesmo modo, em períodos politicamente sensíveis, muitos países lançam mão deste mecanismo de efeito rápido de reforço das economias na ótica de atração de IDE (veja-se o caso da generalidade dos países de Leste) ou enquanto argumento de manutenção do “status quo” (exemplo, a reforma fiscal dos EUA e as opções anunciadas pelo Reino Unido imediatamente após terem sido conhecidos os resultados do referendo sobre o Brexit).
Numa análise rigorosa à evolução deste tema a nível global, deixamos claro que a competitividade fiscal é encarada como um objetivo estratégico tanto por economias consolidadas como por países menos desenvolvidos. Nalguns casos, os países tomam a opção de adotar regimes fiscais muito atrativos em matéria de tributação do rendimento das empresas que aí operem, enquanto noutros casos privilegiam mais setores económicos ou regiões geográficas.
Ao contrário do que muitas vezes é referido, Portugal compara mal neste plano quando confrontamos o nosso sistema de tributação das empresas com aquele que vigora nas economias europeias com quem diretamente concorre.
A taxa nominal de IRC (21%) quase nunca corresponde à taxa efetiva, seja por desconsideração fiscal (IRC) de vários custos efetivamente incorridos e contabilisticamente registados pelas empresas, seja por via da tributação autónoma de determinados encargos suportados, seja ainda pela limitação à dedução fiscal de prejuízos fiscais apurados em exercícios anteriores ou por efeito da cumulação de derramas municipais e estaduais que – tudo considerado – “atiram” a taxa efetiva para cerca de 30%.
O nosso regime fiscal de tributação das empresas não atende ao respetivo lucro, mas àquilo que “o legislador” considera ser o correspondente rendimento tributável. A isto acrescem inúmeros outros fatores que reforçam a falta de competitividade fiscal na ótica das empresas, designadamente os encargos sociais com os rendimentos do trabalho, a complexidade e imprevisibilidade do sistema fiscal, assim como a lentidão e inconsistência da atuação da Autoridade Tributária (AT) e dos Tribunais. Todos estes fatores representam um obstáculo e um custo para as empresas que operam ou projectam vir a investir em Portugal. Para além dos efeitos negativos na avaliação da competitividade de Portugal enquanto destino de investimento (das empresas portuguesas e estrangeiras), eles distorcem de forma vincada a coerência e simplicidade que se deve atingir no desenho de um sistema “amigo” do investimento e da criação de riqueza.
Em Portugal, numa visão para o futuro, importa recordar a anulação em 2016, por pressão da esquerda radical, do acordo envolvendo os três principais partidos (PS/PSD/CDS) para o reforço da competitividade do nosso sistema fiscal por via de uma redução progressiva da taxa nominal de IRC e desenvolver activamente no actual contexto político novas iniciativas com coragem e visão de longo prazo.
Neste âmbito, importa ter presente que uma decisão política de avançar neste sentido deve ter em conta, por um lado, os efeitos na receita fiscal (uma óbvia preocupação orçamental no curto prazo) e a necessidade de “seduzir” o investimento através de medidas que efetiva e reconhecidamente “mexam o ponteiro”, ou seja: os “paliativos” ou “remendos” a que frequentemente assistimos não produzem qualquer efeito relevante, contribuindo, apenas, para uma quebra imediata na receita sem qualquer impacto enquanto estímulo para o investimento. Para este efeito, exige-se que as diferentes forças (políticas, económicas, sociais) isolem as visões dogmáticas que frequentemente perturbam a discussão à volta do tema e que compreendam o que está em causa: pretende-se, ao fim e ao cabo, melhorar sustentadamente os rendimentos das pessoas e o bem-estar social.
Uma opção de política fiscal coerente seria a redução da taxa nominal de IRC e a eliminação das “alcavalas” que fazem disparar a taxa efectiva de todas as empresas que operem em Portugal. Sendo certo que esta medida só teria efeitos em matéria de competitividade internacional caso nos aproximássemos das taxas (efectivas) de outras economias com quem concorremos, o efeito desta opção na receita fiscal (pelo menos, no curto prazo) seria certamente desfavorável. Os constrangimentos orçamentais com que nos deparamos são neste momento o maior obstáculo à medida, para além das “resistências” habituais de certos segmentos políticos que teriam de ser vencidas.
Uma outra via de política fiscal a explorar, e que nos parece de imediato muito interessante (e que mitiga aqueles inconvenientes de curto prazo), seria a adoção de um regime de estímulo ao investimento produtivo novo (conceito delimitado no âmbito da microeconomia e a concretizar em diploma legal), aumentando a competitividade de Portugal enquanto destino de IDE e, assim, expandindo a criação de riqueza e de emprego. Tratar-se-ia de um regime fiscal dirigido a todas as empresas (grandes, médias, pequenas e micro, incluindo start-ups) já existentes ou a constituir e operando em qualquer sector de atividade, sem qualquer valor mínimo de investimento e provindas de qualquer geografia (excluindo os denominados off-shore). Esta abrangência do regime talvez permitisse assegurar uma maior rapidez de decisão política e, sobretudo, respeitar o regime europeu que trata dos Auxílios de Estado.
Do ponto de vista técnico, o regime poderia consistir na tributação dos resultados apurados durante 10 anos pelas empresas que a ele adiram à taxa de IRC de 10%, sem quaisquer “alcavalas” (derramas, sobretaxas, etc.); os prejuízos fiscais apurados em cada ano (sobretudo no início dos investimentos) poder-se-iam deduzir nos 10 anos seguintes; os investimentos em ativos imobiliários indispensáveis para o projeto estariam isentos de ITM e IMI. Para evitar o risco de utilização abusiva deste regime, as entidades que a ele recorram ficariam sujeitas a um regime especial de inspeção da AT e deveriam disponibilizar à AT a informação contabilística do projeto (IES e dossier de preços de transferência).
Esta última opção de política fiscal foi estudada, em 2014-2015, por um grupo de especialistas em fiscalidade, economia e normas comunitárias (integrando o atual ministro das Finanças, então alto quadro do Ministério da Economia), tendo então sido desenhado todo o pacote legislativo e solicitado o acordo de Bruxelas para medidas de estímulo ao investimento produtivo novo. Nesse âmbito, concluiu-se que o regime em causa respeitava o regime de auxílios de Estado e das regras de concorrência (confirmado em reunião presencial em Bruxelas). Por outro lado, demonstrou-se que o impacto na economia e na receita fiscal seriam positivos por duas razões: em primeiro lugar, porque, de acordo com dados académicos disponíveis, há uma relação direta entre a redução do corporate tax e o crescimento do investimento; em segundo lugar, porque este regime só seria aplicado a investimento produtivo novo, o que significaria que a taxa geral de IRC não seria alterada e, portanto, a receita recorrente de IRC não baixaria (ou seja: este regime de 10% só seria aplicado aos resultados de investimentos novos/incrementais a estimular).
A opção de um regime fiscal específico para o “investimento produtivo novo”, poderia ser acompanhada por “sinais” aos investidores de eliminação gradual de actuais “alcavalas” ao IRC mais difíceis de justificar tecnicamente em comparação com países concorrentes, no sentido de se apontar o caminho a percorrer na criação de um ambiente fiscal “mais amigo” do investimento e das empresas.
Portugal e os denominados “campeões europeus”
Por último, vamos referir brevemente uma questão que entendemos dever ser reflectida no domínio da internacionalização e do IDE: o posicionamento estratégico português face às iniciativas dos grandes países da UE quanto à criação de “campeões europeus”.
A criação de empresas de grande dimensão consideradas “campeões europeus” que possam competir adequadamente à escala global aparece, como atrás referido, como um movimento forte defendido pelas grandes economias da UE, por exemplo, nos sectores de produção de equipamentos pesados para várias indústrias, no sector da energia, nas telecomunicações, ou no sector bancário. Na nossa opinião, Portugal não terá interesse estratégico em que as poucas grandes empresas que ainda têm centros de comando de gestão no nosso país (ainda que com capital essencialmente de origem externa por fragilidade de capital nacional), e que a partir dele constroem plataformas de crescimento e de internacionalização, venham a transformar-se em meras “filiais” de empresas multinacionais “campeões europeus” que acabam por definir uma estratégia de confinamento das actividades das suas subsidiárias apenas ao mercado doméstico (ou pouco mais).
No passado, na nossa opinião, o Estado português não se esforçou o suficiente no sentido de tentar acautelar devidamente este desiderato (exs.: sectores das telecomunicações, bancário e cimento), mas ele deverá estar presente no foro das negociações no âmbito da UE por forma a podermos dispor de flexibilidade jurídica para se tentar a formação nas nossas grandes empresas (com comando de gestão em Portugal) de “núcleos duros” accionistas (mesmo estrangeiros, com a participação possível de nacionais), que negoceiem contratualmente o estabelecimento de “plataformas de internacionalização” instaladas em Portugal (como atrás se referiu, com sede jurídica no nosso país, e nele façam a gestão, a consolidação de contas e o pagamento dos impostos devidos), detentoras de participações financeiras em empresas no estrangeiro, pelo menos em certas áreas geográficas. Estamos a pensar, por exemplo, no caso concreto das empresas de energia, embora cada uma apresente características diferenciadas.
Neste sector, políticas activas de captação de IDE permitiram, até ao momento, a consecução do essencial do objectivo de manutenção do centro de comando em Portugal, ao mesmo tempo que se logrou um modelo de estrutura accionista que tem posto as empresas ao “abrigo” de meros investidores financeiros de curto prazo, incluindo “predadores”, que funcionam numa lógica “pura e dura” de criação de valor apenas para os accionistas financeiros e não tanto para o “stakeholders” da economia nacional numa perspectiva de longo prazo. As estruturas accionistas são evolutivas pelo que estas preocupações deverão continuar presentes, no quadro das regras de funcionamento do mercado no contexto da UE, mas sabendo fazer crescer de forma activa os nossos argumentos de pressão política, jurídica e técnica no alcance de um enquadramento legal favorável ao objectivo (dentro da máxima: “não somos obrigados a conseguir todos os objectivos difíceis mas devemos lutar por eles”).
Portugal precisa de uma vontade política reformadora e de ter uma visão estratégica para ultrapassar os bloqueios existentes ao progresso económico e social. Em particular, no domínio do investimento, em geral e do IDE, um dos factores críticos que explicam que Portugal não tenha ainda conseguido implementar as medidas necessárias para o alcance do objectivo de uma maior atractividade em vários factores-chave reside na obstaculização das forças políticas que não estão interessadas na criação de um ambiente propício às empresas, ao investimento e à internacionalização.
As crises geram oportunidades. Neste novo ciclo de oportunidades de reformas, em que a crise pandémica aparece como um catalisador potencial, esperamos que os agentes levem à prática acções estruturais em todos os domínios críticos dos pilares estratégicos do processo de desenvolvimento económico e social. A promoção activa de investimento de qualidade na economia portuguesa, em geral, e a do IDE, em particular, são elementos essenciais na construção de políticas para uma economia dinâmica, competitiva e socialmente inclusiva.
Eduardo Catroga é economista, foi ministro das Finanças do XII Governo Constitucional. J. M. Fernandes é engenheiro e chairman da FREZITE.
Agradecimentos ao Luís Magalhães da KPMG e ao Pedro Reis, pelos seus comentários
e sugestões.