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Um fim de semana com Costa e Rio. Do Toy ao porco no espeto, a estrada é a mesma, mas os caminhos são diferentes

Costa e Rio tiveram dias intensos. Dispararam fogo cruzado, mas não se cruzaram. Andaram perto (fisicamente), mas distantes (nas ideias). Observador passou o fim de semana com os líderes do PS e PSD.

Rui Rio tem horror a comícios. António Costa não dispensa um. Rio censura o uso abusivo da bazuca. Costa não tira o dedo do gatilho. Rio precisa que estas eleições lhe deem um balão de oxigénio. Costa parece levitar movido a hélio. Rio tem a sombra de Rangel e muita gente à espera que tropece. Costa tem quem lhe queira fazer sombra mas ainda é o Rei-Sol — para o partido, para o Governo e para o  destino dos milhares de milhões de euros que aí vêm.

Os estados de espírito de Rui Rio e António Costa não podiam ser mais diferentes. O Observador acompanhou o fim de semana de campanha dos dois e cruzou os dias de ambos. Na medida do possível, claro: Rio nunca acabou o dia de campanha muito depois das quatro da tarde; Costa nunca abalou antes das dez da noite; Rio teve quatro ações de campanha em dois dias; Costa teve Toy, galos de Barcelos, violonistas, pétalas rosas e bolas de futebol com o símbolo do PS. Rio aproveitou o último fim de semana de campanha eleitoral para recuperar energias. Costa esteve ligado à corrente.

Líder social-democrata e primeiro-ministro estão em fases diferentes da campanha autárquica. Rio está na estrada desde o final de agosto e tem milhares de quilómetros acumulados nas pernas. Costa só vestiu verdadeiramente o fato de secretário-geral do PS nesta reta final, mas fê-lo a toda a velocidade. Há 63 autarquias a separar os dois e Rio joga tudo no encurtar desta diferença para prolongar a sua liderança. Costa joga tudo para reforçar a sua marca.

10h30 Vem aí um dia intenso, de comícios de terra em terra pelo distrito de Braga. António Costa chega à hora certa a Póvoa de Lanhoso, vem num SUV preto da BMW (ao serviço do partido), sem gravata e de sapatos desportivos, mas ainda de blazer. Meio vestido para o terreno, meio vestido para o Executivo. A sua volta de 15 localidades em 48 horas que se segue seria precisamente marcada por essa dupla identidade do político que ao mesmo que lidera o partido do Governo, lidera o Governo do partido que lidera.

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Frederico Castro, candidato do PS por ali, convida-o para um café, brinca que é o secretário-geral que paga, faz o direto para as redes sociais com a carta mais alta do baralho socialista ao lado. E siga. Consigo, sempre os mesmos ao longo do dia: o secretário-geral adjunto, José Luís Carneiro, e homem que lidera a federação de Braga do PS, também conhecido pelo deputado que faz esperas ao primeiro-ministro no fim de cada debate parlamentar em que este participa para lhe puxar pelo braço e pela atenção, Joaquim Barreto.

11h00 Rui Rio senta-se finalmente à mesa do café, bem junto à margem norte do Rio Lima, em Viana do Castelo. Para trás tinha ficado uma mini-arruada feita em passo de corrida, onde colecionou mais umas quantas lojas tradicionais, despachou mais uns quantos panfletos de campanha e somou mais umas palavras de circunstância, sempre embalado pelo hino gritado dos megafones atrelados à carrinha de apoio (“Nós somos um rio, que não vai parar…”) e pelos irritantes bombos, cortesia de Eduardo Teixeira, candidato-cicerone numa terra que Rio chama de segunda casa.

“Vem cá”, Eduardo Teixeira chama um dos operacionais da campanha. “Os bombos que se calem”, ordena baixinho o candidato, já sentado na esplanada com Rio. Mesmo com os bombos mudos, o líder social-democrata não desata em grandes conversas. “Quero um café”. “Ok, ok. Quantos?”, pergunta-lhe diligentemente Eduardo Teixeira. “Quero um café”, devolve-lhe Rio. “Aumhh, sim, mas quantos…?”, hesita Teixeira. “Não sei, manda vir uns oito, sei lá”, corta Rio.

(Rui Oliveira/Observador)

À volta da mesa, a vintena de militantes olha para o grupo que se sentou com Rio à espera que algo de extraordinário aconteça, como se de um banalíssimo café pudesse nascer uma história para contar aos netos. Não acontece. “Isto está muito silêncio aqui, ninguém fala”, atira para o ar um dos militantes que assistia à cena, bandeira encostada ao ombro, chapéu pousado na cabeça, respiração pesada e um terço da proeminente barriga à mostra. O apontar do óbvio não tornou o momento menos constrangedor, e, aos poucos, a pequena multidão (incluindo jornalistas) foi virando costas à cena, deixando que todos terminassem em paz os seus cafés.

Conquistar a Câmara de Viana do Castelo chegou a ser o sonho de uma noite de verão para o núcleo duro de Rio. Sem o incumbente em jogo (o socialista José Maria Costa atingiu o limite de mandatos), Viana era tida como um objetivo perfeitamente razoável, bastava escolher o candidato certo. Rui Teixeira, presidente do Instituto Politécnico de Viana do Castelo, era o preferido, mas rejeitou. Daniel Campelo, o histórico “deputado limiano”, também foi considerado, mas não aconteceu. Eduardo Teixeira, deputado e líder da concelhia do PSD, queria muito e, sem alternativas fortes para o lugar, a direção fez-lhe a vontade. A expectativa de vencer a câmara, essa, esvaziou-se.

Por esse ou outro motivo qualquer, Rio não era exatamente um poço de entusiasmo nesta altura. Pouco depois das 11 horas, despede-se do candidato, enfia-se no banco detrás do Lexus cinzento e segue viagem, ao lado de Florbela Guedes, assessora e uma das pessoas em quem mais confia. Viana estava visto.

11h20 A primeira paragem do PS no dia deixa antever uma estratégia de toca e foge a uma velocidade pouco compatível com uma caravana eleitoral. É feita de comícios e “contactos” ou “encontros” com candidatos. Seja como for, o formato é sempre igual: Costa sai do carro, cumprimenta, discursa, entra no carro e circula para o ponto seguinte. E como sem comunicação social a campanha perde a outra metade do efeito, não resta outra saída se não fazer um compasso de espera para os jornalistas conseguirem chegar primeiro ao ponto seguinte — que ainda por cima estava fora do cardápio inicial… é que por esta altura, a assessoria de imprensa que acompanha o líder do partido avisa que afinal Costa ainda vai a Mondim de Basto, antes de Celorico.

11h25 Do lado de lá, a mesma saga. No grupo de Whatsapp criado para os jornalistas que acompanham Rui Rio na volta ao país cai uma mensagem da equipa do líder social-democrata. “Atenção: pedimos desculpa mas houve aqui uma mudança de planos e o ponto de encontro de agora será no centro de Caminha”.

Os que já se tinham lançado à sinuosa Serra D’Arga são obrigados a voltar para trás; os outros aceleram em direção ao centro da vila raiana; Rui Rio, calça clara da Mr. Blue, sapato de fivela preto, camisa branca com pequenas riscas azuis, relógio no pulso, óculos Rayban, estilo Top Gun, que usa ora na cara, ora pendurados ao pescoço, aguarda pacientemente a chegada de todos.

Não há exatamente uma explicação para a alteração de planos. Apesar das esplanadas cheias, desbravadas minutos antes pela campanha do socialista Miguel Alves, Rio dispensa mais foguetório e limita-se a conversar descontraidamente com os jornalistas, uma novidade em relação a campanhas anteriores. “Emagreço um bocado vocês engordam-me ali, tanto faz”, brinca Rui Rio, referindo-se aos quilos extra dados de borla pelas tvs.

Já devidamente focado, Rio atira-se ao combate político, repetindo a ementa dos dias anteriores. “António Costa não faz outra coisa que prometer que vai fazer isto ou aquilo, de fazer promessas atrás de promessas, para iludir os portugueses”, diz. Sobre o tema Marta Temido — hora antes, o Observador revelara que a ministra da Saúde tinha usado o carro do Governo para se juntar à campanha socialista no Porto –, Rio resiste em atirar a matar. “É evidentemente de evitar, mas temos de ser compreensivos e tolerantes”, despacha.

Está mais interessado em ensaiar o tema que marcaria o resto do dia de campanha. “O que ouço há bastante tempo é os empresários a dizerem que precisam de empregados e não têm, e não tem porquê? Porque não há? Não, porque as pessoas estão com o rendimento mínimo ou subsídio de desemprego e deixam-se estar e não querem trabalhar”, denuncia. Solução? “Eu, se fosse primeiro-ministro, queria ajudar quem precisa, mas queria ser muito rigoroso e evitar que haja pessoas que se aproveitem dessa boa intenção do Estado.”

Um ataque à alegada cultura da subsidiodependência e um evidente apelo ao voto mais conservador, com semelhanças óbvias com outras agendas. Rio está preparado para a pergunta. “Eu pensei nisso antes de falar: lá vão dizer que este está como o Chega, contra o RSI (Rendimento Social de Inserção)… É preciso moralizar, não tem nada a ver com o Chega, está muito longe disso”, garante.

É tempo de seguir viagem, agora sim, até ao coração da Serra D’Arga. Rio quase lamenta o desvio. “A senhora faz muita questão, estão lá à nossa espera…”. Tem 24 quilómetros e 38 minutos de viagem pela frente.

11h50 A comitiva de seis carros (só o corpo de segurança pessoal do primeiro-ministro ocupa três carros, um deles vai sempre na dianteira para chegar antes e fazer vistoria a cada local) segue para Celorico de Basto, mas dentro do carro de Costa vai também Joaquim Barreto, o insistente líder do PS-Braga que ora se pendura no braço do líder, ora lhe segreda ao ouvido, tem o roteiro do dia nas mãos e desvia Costa para um momento extra. “Anda Costinha!”, ouve mal sai do carro em Mondim de Basto para os braços eufóricos do punhado de gente que quer agradecer a ponte de ligação entre a terra e Celorico, mesmo ali ao lado. Costa fica 3 minutos, o tempo de uma fotografia com o PS local e segue.

12h O comício socialista em Celorico de Basto, com o candidato Manuel Machado, está montado, plateia cheia (para lá de 150 pessoas) sob o sol intenso do Minho. Mal António Costa se senta, é apresentada Natália Ferreira, a jovem violinista que apresenta uma versão do We Are The Champions, dos Queen, antes de ceder o palco a outros violinos. Na primeira fila, Costa resiste a acompanhar a atuação com palmas, como já vai fazendo todo o público à sua volta, e prefere bater ritmadamente o pé. Só agita mesmo as mãos quando o assunto é um abelhão que lhe faz uma razia e pára de bater o pé quando do palco saem as cordas de Natália e entra o bombo Joaquim Barreto. Não, o líder do PS-Braga não vem de bombo, mas entra por ali dentro com estrondo, a pés juntos para Passos Coelho que, quando esteve no Governo, só ligou a Amarante.

12h22 E por falar em Passos…. A esta hora do dia alguém tinha de dar nome à agenda supersónica de António Costa e a tirada não podia ser mais irónica: “Azáfama diabólica”. Parece que, afinal, o diabo de Passos que Costa sempre disse — e continua a usar como selo da “austeridade” — que afinal não veio, tomou forma. A definição é de Manuel Machado, que não é o socialista que está em risco de perder Coimbra, mas o socialista que quer aproveitar o render de um dinossauro autárquico para se afirmar numa terra que é de direita desde sempre.

A ambição não têm grande hipótese, para infelicidade de Costa que, por esta altura, já leva a meio a garrafa lilás de um litro que lhe põem sempre junto da cadeira. Pode ser do calor, ou então da garganta seca das encomendas que chovem de Manuel Machado: a ligação da A7 para Celorico, Mondim e Cabeceiras de Basto e um centro de saúde. No bolso do interior do casaco, o líder socialista vai sacando do seu mini caderninho para uma nota, convém anotar tudo o que se pede na terra da avó Joaquina de Marcelo Rebelo de Sousa e onde existe uma biblioteca com o nome do Presidente da República.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

12h37 O GPS jura que o limite máximo de velocidade são 80 quilómetros por hora e a caravana de Rio — três carros, duas carrinhas, uma com atrelado,14 pessoas — continua a rasgar as curvas e contra-curvas da Serra D’Arga, carrinha laranja à frente, o Lexus de Rio atrás e logo a seguir o Mercedes cinzento de José Silvano, secretário-geral do partido.

Cerca de 20 pessoas esperam Rio, sentadas em cadeiras brancas de plástico, algures entre a Taberna do Horácio e a Igreja Paroquial de Arga de Baixo, algo impacientes com o atraso — Rio haveria de ser lembrado que ali na “serra” o almoço é servido ao meio dia. Liliana Silva, candidata a Caminha, recebe Rio, senta-o e toma a palavra para falar sobre os dramas do isolamento e os riscos para a região da exploração de lítio.

O líder social-democrata escuta com atenção, perna direita cruzada, dedos entrelaçados, máscara laranja, óculos pendurados ao pescoço (porque o sol entrentanto escondera-se). “O país está completamente concentrado nas duas Áreas Metropolitanas, temos um país desequilibrado”, concorda Rio.

Num registo mais informal, muito longe do que é habitual nesta coisa do circuito da carne assada ou da euforia clássica de uma campanha eleitoral, Rio arrisca o desabafo. “É preciso ter a convicção da razão. E depois mau-feitio. É assim e é assim mesmo. Depois alguém vai ganhar e alguém vai perder. E posso ser eu próprio a perder. Não tenho problema com isso. Quando estamos na vida pública, quando não temos 20 ou 30 anos, é para fazer aquilo em que acreditamos e que deve ser feito não é para andar a fazer cálculos de cabeça. Não se tem de ser suicida, mas tem de se ser convicto. Aquilo em que eu acredito faço mesmo. Por isso é que tenho tantas críticas… Não vou na linha normal, na linha normal, para ir na linha normal há tantos”. Todo um programa político.

(Rui Oliveira/Observador)

12h39 O “Nessun dorma” (“Ninguém durma” em português) de Puccini começa a soar em Celorico. Quem anda nisto, já sabe que das três uma: ou Costa chegou, ou vai falar ou vai terminar a intervenção e sair. Depois da pandemia, alguém no PS achou bem aproveitar a deixa e aplicá-la ao acordar do país. Longe vão os tempos em que o “À minha maneira” dos Xutos davam o mote a António Costa. Foi na campanha legislativa de 2015 e afinal tinha uma dica que só ficaria clara quando o socialista perdeu essas eleições e, mesmo assim, formou Governo com a esquerda. A música de agora acaba com o grito “Vinceró” (“Vou vencer”). Domenica lo vedremo, António.

13h01 Rio continua na Serra D’Arga. Já tinha pedido desculpa por atrasar o almoço. “Não sabia que aqui se comia ao meio dia. Imagino que tenham acordado às seis ou às sete. Espero que se deitem às dez da noite para compensar”. Na pequena plateia, as pessoas riem-se em concordância.

Liliana Silva desafia os militantes a intervirem. Levanta-se um (seria o único) e, comovido, critica a falta de resposta do Governo ao drama das vespas asiáticas, fala dos perigos da exploração de lítio e denuncia a falta de cuidados de saúde — ir a uma consulta médica pode custar até 50 euros de táxi, ida e volta.

Rio ouve com atenção. Haveria de lembrar que há problemas concretos que só as juntas conseguem resolver, como o transporte de doentes, e de falar nos atropelos ambientais (“Só posso estar pessimista. Não me está a parecer que a humanidade vá ter juízo”). Mas são as primeiras palavras com que cumprimenta o militante que marcariam aquela conversa. “Muito obrigado pela sinceridade. Na política, aquilo que mais falta é sinceridade e o que mais sobra é a hipocrisia”. Numa altura em que o partido vive (de novo) um clima de pré-guerra civil, Rio estará a pensar em alguém em concreto?

Não é tema para o quinto dia oficial de campanha autárquica, nem para a Serra D’Arga. Liliana Silva volta a tomar a palavra. São 13h12. Rio olha discretamente para o relógio e cruza olhares com Florbela Guedes. A assessora faz sinal com a cabeça. É tempo de arrancar.

13h47 Rio já está no “Vale da Fonte Charming Houses”, nome pomposo de uma quinta como tantas outras algures em Ponte Barca, com vinha, uns quantos quartos e piscina com o very typical flamingo insuflável. Cumprimenta o comité de boas-vindas (concertinas, minhotas trajadas a rigor e o inevitável vira), atira-se vinha a dentro, agarra a tesoura de podar que lhe dão para as mãos, faz o número para as câmaras, regressa, recebe a malga da praxe e dá uns quantos goles no vinho verde tinto. “Isto vai bem é com a lampreia”, comenta. O Alto Minho é conhecido pela arte de receber, mas ainda não faz milagres — a época do bicho é entre janeiro e abril e Rio terá de voltar mais tarde para comer a lampreia à bordalesa, prato predileto.

Augusto Marinho, presidente e recandidato de Ponte da Barca, e José Alfredo Oliveira, líder da concelhia, fazem as despesas da casa. Dois homens que, em janeiro de 2020, tinham sido responsáveis por uma então ainda mais rara aparição política de Pedro Passos Coelho, na ressaca das disputas internas muito duras no PSD e no CDS. Hoje, o clima é mais ou menos o mesmo, mas faltam cumprir as autárquicas.

14h16 Depois dos cumprimentos da praxe de candidato e líder local, já Rio vai falando. Não perde grande tempo com intervenções de fundo. Faz um curto discurso, lembra que a força do PSD depende da implantação do partido no país, insiste que o partido precisa de “encurtar fortemente” a diferença de 63 câmaras que tem para o PS e pede a todos que levem “um amigo também” no dia 26. “A implantação nas autarquias é que determina a grandeza do partido”, repete.

Num piscar de olhos, já Rio está sentado à volta da mesa de pedra a comer com Augusto Marinho, José Alfredo Oliveira, Olegário Gonçalves, líder da distrital, José Silvano, secretário-geral e Emília Cerqueira, deputada pelo círculo de Viana. Almoça descontraído, máscara no bolso da camisa, garfo na mão direita, à distância dos ouvidos mais indiscretos, provoca gargalhadas genuínas (diz-se de Rio que é um bom contador de histórias) e beberica vinho verde Estreia, “cor citrina, aromática, suave e harmoniosa, com um toque de brilho e refrescante, jovem e leve, a gosto com alegria”. Não havia mais nada para ver, estava cumprido o calendário.

(Rui Oliveira/Observador)

15h39 Em Vizela o grande comício com a presença do líder estava marcado para as 15h, mas Costa só chegou depois de um saltinho a Guimarães para um abraço ao candidato do PS que foi privado. Enquanto isso, à sombra de uma árvore da Praça da República, dois aguerridos militantes socialistas explicavam a desavença de há quatro anos, quando Vítor Hugo Salgado saltou do executivo camarário socialista e avançou como independente roubando a câmara ao seu próprio partido. “Ele é muito amigo lá do Santos. Aquele que vai ser líder do PS”. Santos, Pedro Nuno, o homem que havia de ali estar 24 horas depois de Costa, numa campanha ao mesmo tempo conjunta e paralela.

Depois da espera, António Costa lá chega ao cimo da escadaria que leva à Praça e dá de caras com bombos e um mar de gente até ao palco do comício. Deitam-lhe pétalas de rosa, querem selfies, tocar-lhe. A histeria é tanta que o líder do PS mal consegue afastar da testa as pétalas que vão presas no cabelo até que consegue sentar-se o seu lugar no comício.

15h44 O porco a rodar no espeto denuncia uma tarde de festa em Ponte de Lima. Rui Rio chega, óculos de sol postos, e, aos malditos bombos, juntam-se meia dúzia de foguetes para anunciar e celebrar a chegada do líder social-democrata. Os jornalistas não resistem à provocação: isto não é deitar os foguetes antes da festa? “Não, não, não, isto é o início da terceira guerra mundial que vai começar aqui em Ponte de Lima”, atira um desprendido Rio.

A terceira guerra não vai seguramente começar em Ponte de Lima, e dificilmente será por aqui que a guerra do PSD vai ser travada: a vila está nas mãos do CDS desde tempos imemoriais e não consta que vá mudar de dono. Tensão só mesmo entre os homens do PSD/Arcozelo, mordomos da festa, que iam ficando fora da fotografia de família com o líder e que só a muito custo, e umas quantas cotoveladas pouco subtis, conseguiram o seu momento com a estrela da tarde.

Rio ignora o porco e lança-se a caminho da outra margem. “Deixem os bombos irem à frente que isto dá-nos cabo dos ouvidos”, comenta um clarividente Olegário Gonçalves. Engolido pela máquina da estrutura local, há pouca margem para grandes contactos com a população. Não que Rio seja um particular entusiasta da coisa — responde quase sempre “muito bem, muito bem” às palavras de incentivo. Ainda ouviria um “ai Dr. Rui Rio, é mais novo ao vivo do que na televisão”. Pouco mais.

(Rui Oliveira/Observador)

15h51 Porco no espeto? Também temos. Se fosse uma guerra minhota, aqui saíam empatados. Na grande festa de reconciliação do PS de Vizela não falta a tradição da região. Tal como Rio, também Costa não o prova — igualmente pouco sensato, ainda que pudesse cair indigesto, já que logo a seguir teve de assistir concentrado na primeira fila ao longo vídeo de Vítor Hugo a ser presidente nas barbas do PS e a exibir uma imagem de Pedro Nuno Santos, sorridente, ao seu lado ali mesmo naquela terra.

15h58 “Para onde é agora?”, pergunta um dos militantes que abre caminho para Rio desfilar. João Montenegro, secretário-geral adjunto do PSD, antigo homem de Pedro Passos Coelho e um dos batedores da caravana de Rio, pede mais dez minutos. “Aquilo ainda não está pronto”, explica. Aquilo era o atrelado que se transforma em palco e que Rio usa para fazer pequenas intervenções em cada terra. A caravana inventa mais umas voltas, tiram-se mais umas fotografias e outros tantos abraços. Rio está a minutos de falar.

16h03 “Pssssst”. Há um costista ferrenho junto à primeira fila do comício que tenta a todo o custo que se atravessem entre o seu telemóvel e o líder do PS. Está a transmitir tudo em direto no facebook onde está a ser acompanhado por 111 pessoas. A transmitir o comício? Não, as reações de António Costa a tudo o que vai sendo dito no palco. Quem assiste por aquele via fica, por exemplo, a ouvir a voz rouca de cansaço de Vítor Hugo, mas não o vê a olhar para Costa quando conta, com alguma emoção à mistura, a sua parábola de filho pródigo do partido.

O candidato fala sobretudo de si e Costa ouve-o embevecido. No final levanta-se para abraçá-lo e receber um bolinhol. “Ah não conhece?!”, exclama uma senhora ao lado do Observador que orienta logo ali caminho para duas pastelarias “mesmo do outro lado da Praça. Uma tem o mais tradicional, a da esquerda tem o meu preferido”.

16h19 Rio já está no palanque. Haveria de reeditar os ataques ao primeiro-ministro (“Anda de bazuca em punho a fazer campanha eleitoral pelo PS”) e repetir as críticas ao laxismo do Estado Social. ​​”As pessoas estão acomodadas à assistência social, aos subsídios que o Estado dá e preferem não trabalhar”, atirou Rio, para o maior aplauso do dia.

Horas antes, Fernando Pimenta, homem da terra, acabara de conquistar o título de campeão do mundo conquistado em K1 1.000 metros nos Mundiais de Copenhaga. Uma borla para Rio, que se cola ao herói local e nacional para mais uma pázada em António Costa. “Ele mostra-nos a todos, principalmente mostra ao Governo e ao PS que não vamos lá na vida com facilitismo, temos que ir com trabalho e com rigor”.

16h25 Seis minutos depois de ter começado a falar, Rio despede-se dos militantes com um envergonhado apelo ao voto no candidato do PSD — Ponte de Lima é do parceiro CDS, que já tem guerras internas a mais para aguentar grandes ataques externos. O dia de campanha tinha chegado ao fim.

16h28 Por esta altura, Costa continua por Vizela onde admite o erro de há quatro anos na localidade e prende atenções quando diz que aquele momento é “um dos mais felizes” da sua vida pela reconciliação socialista.

Mas há um frenesim que já não se contém na Praça quando fala na bazuca e garante, aos vizelenses ali apinhados, que ela “é mesmo superior ao plano Marshall que se seguiu à Segunda Guerra Mundial”. Quem quer saber desta parte quando o artista que se segue no cartaz da tarde é Toy. Pode estar aqui boa parte da explicação para a moldura de pessoas gigante que cercava o comício socialista e compunha o quadro.

António Luís termina em pouco mais de dez minutos a sua intervenção e dá lugar a António Manuel, que já se preparava com os seus músicos lá atrás do pano. Afinal que António chamou o António naquela tarde?

17h40 Joaquim Barreto já soltou a sua megalomania no palco de Vila Nova de Famalicão ao declarar que no Minho Costa teve “banhos de multidão”. E o candidato da terra, o enfermeiro parteiro Eduardo Oliveira, já tinha acrescentou mais dois pedidos à lista de compras do primeiro-ministro. É a hora de Costa, que o speaker apresenta como “um homem com H gigante” e que “comanda, também com H grande”, os destinos do país. Tudo tão em grande em Famalicão que o socialista não consegue conter o riso por trás da máscara que só larga para intervir.

É ali que atira os primeiros petardos desta maratona a Norte contra o PSD e o CDS pela obra que impossibilitou na N14 ao decidirem, no Governo, que “já havia demasiadas rodovias no país”. E outra vez quando fala na vacinação, acusando o PSD de funcionar como o velho do Restelo. Está sempre tudo mal.

18h30 Sem agenda oficial de campanha, Rio está nos estúdios da Rádio Renascença, em Gaia, para uma entrevista que só será publicada na segunda-feira. O líder social-democrata é obviamente confrontado com o tema da sua continuidade à frente do partido e limita-se a repetir o que tem vindo a dizer: não fica se tiver “pior, igual ou muito pouquinho melhor” do que o PSD teve em 2017. Uma resposta onde cabe este mundo e aquele.

Mesmo evitando dar respostas fechadas sobre o seu futuro à frente do PSD, Rio deixa duas pistas para realidades diferentes. Primeiro, o cenário otimista: se o resultado nas autárquicas for positivo, Rio vai querer ficar porque sente que “a probabilidade de ganhar as eleições a António Costa é muito superior ao que era em 2019″.

No cenário mais pessimista — o partido tem um resultado aquém das expectativas e Rio decide não se recandidatar — a ideia passa por ficar até ao fim, tal como Manuela Ferreira Leite, que continuou até terminar o mandato. “Não está em causa sair, não está em causa demitir-me de nada. Está em causa recandidatar-me ou não a eleições que vai haver três meses depois”. Líder ou não, Rio vai condicionar a vida interna do PSD até ao fim.

Rangel, cada vez mais um irritante para Rio — que não lhe perdoa o facto de ter dado todos os sinais e mais alguns de que vai avançar para a liderança do PSD –, torna-se tema tabu.

“Não vou responder ao tema [entrevista de Rangel no “Alta Definição”]. Não quero dizer que está bem ou que está mal ou assim-assim porque isso tem implicações diretas na vida do partido. Dada a circunstância em que estamos, o dia em que estamos, o momento em que vivemos, entendo que devo contribuir para a unidade do meu partido. É uma obrigação de todos os militantes”. Rangel haveria de ouvir o recado na segunda-feira. O dia de campanha de Rio acabava aqui.

18h38 A partir daqui, a agenda de Costa já não tem paralelo na de Rio. Acabou de um lado e ainda segue neste. No comício de Barcelos tudo acontece. Há artistas em andas, povo a formar um corredor para ver o carro chegar e a euforia é tão grande quando António Costa chega que Joaquim Barreto acaba esquecido para trás, entalado entre a multidão que quer chegar ao líder e o carro que o trouxe até ali. O speaker vai animando as hostes: “Eu grito António e vocês Costa”. O povo segue-o como seguiu durante três mandatos consecutivos o homem que dois dias antes desta visita foi acusado de pelo Ministério Público de prevaricação e abuso de poder. Costa Gomes fala das mágoas que leva do seu caminho na autarquia, curiosamente nenhuma delas é a acusação de que é alvo.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Nos discursos segue-se Barreto, que entretanto já conseguiu driblar o povo que engoliu Costa à chegada e vem derrotado: “Não é fácil acompanhar a pedalada do António Costa”. O líder que àquela hora já trazia vários quilómetros partilhados no mesmo carro com o insistente líder distrital, poderia pensar o mesmo. Ou então serviu-lhe de treino para as negociações orçamentais que aí vêm já depois das eleições.

Horácio Barra, o candidato à Câmara, tem a sua vez no palco, mas o momento alto é quando oferece a Costa um galo de Barcelos tamanho XL que o líder socialista já não larga até sair da terra. Leva-o logo para o palco durante a sua intervenção e, quando vai a sair com ele debaixo do braço, é desafiado a chutar umas bolas de futebol para a assistência. Não se ensaia e chuta uma, chuta duas, chuta três, de pé direito e galo entalado debaixo do braço esquerdo, para a assistência. A chuva de bolas é tão intensa que no meio do comício, sentada numa cadeira, uma rapariga segura quatro  com o símbolo do PS gravado a vermelho. “Xiiii! Isso tudo?”

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

A futebolada distrai Barreto que, desta vez, não consegue entrar a tempo no carro do líder. Querem ver que é agora que Costa vai conseguir pegar no livro que levou para o caminho, “Desaparecida” de Ricardo Lemos? Não, lá o motorista recuou o carro para apanhar o seu intenso companheiro de viagem.

21h30 O sábado só fecha em Braga, em mais um comício ao lado do candidato do PS Hugo Pires. A noite estava fria e quando tudo acabou, depois das 23 horas, já Rui Rio devia estar bem mais confortável do que os socialistas ao frio na Praça da República, ainda que tenha ouvido ali Costa fazer o que mais critica: a usar o PRR em campanha e a afastá-lo dos autarcas eleitos pelo PSD. “Não podemos ter municípios entregues a quem não quer o PRR, mas a quem quer arregaçar as mangas e pôr no terreno o PRR” , disse no comício onde mais insistiu na necessidade de se votar no PS ao nível local para impedir que se “volte atrás” no plano nacional. Não há leituras nacionais de eleições locais para o mal, mas para o bem é sempre proveitoso.

DOMINGO

10h08 É domingo e isso salta à vista. Na relva do Jardim Municipal de Marco de Canavezes enterram-se saltos agulha, desfilam vestidos e camisas impecavelmente engomadas. Na estrada que dá a volta à praça é, no entanto, dia de semana, com carros apinhados sem conseguirem lugar para parar. É uma azáfama entre a GNR e os seguranças do primeiro-ministro. É preciso ter ali espaço para parar a comitiva. O plano alinha-se rapidamente e Costa lá sai do carro, já ao som de bombos e do criativo ao microfone insiste divertido no seu trocadilho evidente: ”Seguimos juntos de costa a costa”.

Hoje em o líder do PS-Porto, Manuel Pizarro, que não morre de amores (e vice versa) pelo secretário-geral adjunto José Luís Carneiro. A guerrilha evidenciou-se nas autárquicas e deixou Costa irritado a ter um candidato, seu secretário de Estado, que recuou por não se querer ver no meio da contenda.

E agora? Costa andaria o dia todo com um de cada lado? Nada disso. Há coisas do diabo e, embora qualquer socialista jure a pés juntos que esse não quer nada com Costa, acaba por tecer-lhe um cenário favorável: nesse dia José Luís Carneiro estabelece um roteiro próprio paralelo ao do líder, que passa por Espinho, Castelo de Paiva e Murça. A coincidência, por vezes, dá muito trabalho.

10h21 O sol aperta e Pizarro também. O seu estilo é tão intenso que àquela hora da manhã já lhe falha a voz quando inaugura ali as palavras que levaria até ao último comício do dia: “Eles lá na direita o que querem é que o secretário geral do PS não faça campanha pelo PS”, “têm inveja” e, por fim, que “enquanto andam entretidos em guerras de uns contra os outros, com o Dr. Rio a querer pôr borda fora o Dr. Rangel, que quer correr com o Dr. Rui Rio e o Dr. Montenegro à espreita a ver se consegue correr com os dois, no PS estamos unidos e temos um líder que nos entusiasma e inspira”.

10h33 Céu azul, manhã boa de sol, famílias e canídeos de todas as raças, tamanhos e feitios a passearam pela Foz do Porto. Rui Rio está com Vladimiro Feliz na esplanada do Chalé Suíço, bem no Jardim do Passeio Alegre. Prepara uma ação de campanha repleta de simbolismo: um desfile de carros clássicos que servirá de pretexto para a proposta de relançamento do circuito de Boavista, uma das grandes marcas da governação de Rui Rio no Porto e que tanta tinta fez correr na altura à boleia da história do “FDP = Fanático dos Popós”.

Rio mantém os óculos Rayban/Top Gun da véspera, mas traz uma camisa azul-bebé com o símbolo do Circuito da Boavista bordado a preto, calça clara (também com o símbolo bordado) e sapato castanho afivelado. Dono de um velho Simca já com 51 anos, Rio não deixa que os jornalistas esqueçam as suas glórias. “Eu tive um terceiro lugar aqui, atenção!”. O Circuito da Boavista começou nos anos 30, foi interrompido durante a II Guerra Mundial, voltou nos anos 60, e só seria definitivamente recuperado em 2005 com Rui Rio como presidente da Câmara. Em 2015, o herdeiro Moreira deixou-o cair. “Existiram cinco sessões e depois chegou o Rui Moreira… Isto é preciso ter fôlego, não aparece feito”. Seria a primeira alfinetada do dia.

O Simca de Rio ficara guardado na garagem porque hoje é dia de dar (e receber) boleia de Vladimiro Feliz. O plano original passava por arrancar do Forte São Baptista num Rolls-Royce a que Rio chamou “Rainha de Inglaterra”, mas o bólide estava algures preso no trânsito. Depois de alguma hesitação, Vladimiro (ao volante) e Rio (à pendura) arrancam num Citroën DS Boca de Sapo, verde garrafa, que por sorte não fica amolgado antes mesmo de arrancar: não fossem os preciosos gritos dos repórteres de imagem, e um Alfa Romeo vermelho teria abalroado líder e candidato.

11h02 “Hoje esta campanha é muito fácil”. Ainda no Marco, António Costa puxa pela “princesa do Tâmega”, como já chamou à candidata e presidente Cristina Vieira, e por si mesmo, já que grande parte das obras de que fala têm o alto patrocínio do seu Governo. O comício já vai longo, o sol por ali já aquece e uma criança choraminga de impaciência, ao colo da mãe, mesmo ali ao lado do palco. De chucha laranja-PSD.

11h42  Se, por acaso, o líder socialista levava em mente um cafézinho tranquilo na esplanada da confeitaria Alvorada, em Penafiel, pode bem escolher outra paragem. Mas não, é mesmo ali que está previsto o café com o candidato, onde já se junta um turbilhão para ver o líder socialista. “Onde é que arranjo uma bandeirinha?”. A pergunta leva pouco tempo a encontrar resposta na diligência de um socialista ali à mão que logo estende uma bandeira com o símbolo do partido à senhora. Dois minutos depois e já quase ceifou quatro cabeças à sua volta, tal a intensidade com que agita a bandeira a baixa altitude. “É preciso não ter medo. Não ter vergonha”. Por ali, o PS candidata-se coligado com o RiR de Tino de Rans, mas os socialistas não depositam qualquer esperança em reconquistar a Câmara em que o PS não manda há 20 anos.

Costa chega e segue, mais uma vez entre a agitação, até à esplanada para um café e um bolinho que têm plateia a toda a volta. Tino de Rans trata de arranjar um número, oferecendo-lhe o seu livro “A… corda para a vida”. Mas por ali a excentricidade do antigo socialista não cola como noutros palcos.

Costa nem se apercebe que à sua volta há dezenas que tentam enquadrá-lo nas suas selfies, passam-lhe um telefone que traz no visor “NANDO” e fala com o lado de lá, assina o livro de honra da pastelaria e ainda tem de garantir lembrar-se de um senhor que insiste repetidas vezes na pergunta: “Lembra-se de mim? Lembra ou não lembra?”.

Aceita responder à pergunta de um jornal regional e é a primeira vez que os jornalistas que o seguem na caravana a Norte conseguem entrar na bolha em que se move para perguntar pela militante socialista Marta Temido que participou numa ação de campanha no Porto deslocando-se no carro da ministra da Saúde Marta Temido. “Até logo”, respondeu mal ouviu o tema da pergunta.

11h57 Rio e Feliz dão três voltas à Avenida da Boavista e à rotunda do Castelo do Queijo até estacionarem numa das entradas do Parque da Cidade. Durante a viagem, o orgulhoso candidato mostrava como clássico conseguia ligar tinha um ar de modernidade. “Vou pôr aqui uma música”. “Apita o comboio?”, diverte-se Rio. “Isto é antigo mas fala”. Venha daí o hino da campanha.

Pelo caminho, Rio ainda troca duas vezes de clássico até entrar finalmente no Rolls-Royce. Chegados ao local onde o púlpito está montado, Rio dirige-se à mulher e filha, e ao amigo de longa data, Carlos Mota Cardoso, psiquiatra que lhe traçou o perfil psicológico em Raízes D’Aço. “Vamos esperar à sombra, está um sol do caraças”, pede Rio, enquanto bebe alguma água.

Do outro lado, a poucos metros de distância, Álvaro Almeida observa tudo de braços cruzados. Em 2017, era ele no lugar de Feliz; teve um resultado desastroso, com 10%, mas Rio apostou nele e deu-lhe um lugar de destaque na lista de deputados; depois veio a desilusão e, hoje, está de relações cortadas com Rio. Não chegam sequer a cumprimentar-se.

12h12 “O rio está a morrer e o Costa não quer saber”. Uma manifestação à chegada de do Parque Urbano de Cête grita uma frase sugestiva no meio desta campanha. Mas o rio a que se referem os manifestantes é qualquer um dos dois que ali passam (Ferreira e Sousa). O socialista passa ao largo do grupo de cidadãos independentes e ambientalistas e segue Pizarro ao mesmo tempo que vai deitando um olho no relógio. O horário apertado está à risca e, vai na volta, já planeia o almoço privado que havia de se seguir, no Porto.

Mas antes ainda tem paragem em Valongo, para mais uma intervenção de pé ao microfone, junto de outro desavindo com Manuel Pizarro: José Manuel Ribeiro que com ele perdeu a luta pela federação. O encontro foi marcado para a frente da Oficina da Regueifa e do Biscoito e Ribeiro faz o número que faz com todos os visitantes de peso do PS nacional: oferece uma regueifa de cinco quilos. Esta ten escrito, na mesma massa do bolo, o nome do líder. Costa agradece, exibe-a a quem assiste e quando já vai de saída pergunta onde a guardaram. “Ah está no carro. Muito bem!”

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

12h17 Discursa Vladimiro, herdeiro orgulhoso do legado de Rio e um dos cérebros que esteve na origem de eventos como a D’Bandada (2011), o festival Primavera Sound (2012) ou o Red Bull Air Race (2007). Ao lado de duas máquinas de corrida (uma delas elétrica), o social-democrata promete o regresso da prova, num modelo ambientalmente sustentável.

12h23 É a vez de Rio. Por azar, o sistema de som falha no preciso momento em que ia começar a falar. Nada que o atrapalhe. É a primeira vez em dia e meio de campanha que sobe o tom de voz. Percebe-se porquê: de uma assentada, Rio ia atirar a Rui Moreira e António Costa.

Primeiro, o herdeiro que, aos olhos de Rio, se transformou em traidor. “Ser autarca é, acima de tudo, ser capaz de definir objetivos para a cidade, não é andar a gerir conforme dá o vento ou conforme saem as notícias, para um lado ou para o outro. Trouxemos as corridas de aviões que acabaram, trouxemos o mundial de vela que acabou, e trouxemos o circuito da Boavista que acabou. Tanta coisa que nós fizemos acabou. Quando gerimos a cidade em função do interesse público, não podemos destruir aquilo que os anteriores fizeram de bom. Bem pelo contrário, temos é que construir em cima daquilo que está bom, procurando fazer ainda melhor”, atira Rio

Vez de António Costa. “O Porto tem perdido por uma câmara que não é eficaz, mas tem perdido também por um governo que não é eficaz, mas centralista. O Porto tem perdido porque, por exemplo, a TAP abandonou o Aeroporto Francisco Sá Carneiro, o Governo não se interessa por isso e a câmara não tem força política para se impor a um Governo que deixa o Porto para trás.”

Há mais munições guardadas para o primeiro-ministro. “Temos um Governo e um Partido Socialista que não quer descentralizar nada, não quer mudar rigorosamente nada. Há sempre desculpa para não fazer nada, para que tudo fique na mesma.”

Entre a plateia, mulher e filha aplaudem com convicção. Rio deixa para o fim nova adaptação da rábula da bazuca. “A canção de Ary dos Santos fala da menina com o ribeiro à cintura. Nós temos um primeiro-ministro com uma bazuca à cintura, fazendo uma campanha eleitoral com base nisso”, cresce Rio.

Os apoiantes estão de barriga cheia e Rio dá por terminada a ofensiva. Deu um empurrão a Vladimiro Feliz e um chega para lá a Costa e Moreira. Estava cumprido o objetivo. [Que os socialistas] percebam através do resultado eleitoral que há um descontentamento notório com um partido que nada quer mudar e quer que tudo fique na mesma. Estou convencido que, no Porto e por todo o país, o povo português dê  uma resposta adequada a esta situação. De hoje a oito dias vão votar e, como diz a canção, levem um amigo também.”

12h39 Quatro minutos depois de terminar o discurso, Rio está agora a conversar com a família, a cumprimentar e a ser cumprimentado amigos e alguns simpatizantes do PSD. Vladimiro Feliz anda de um lado para o outro a tentar descobrir um restaurante para oito. A custo, encontra um hotel que aceita os comensais. Rio dá por encerrado o dia de campanha.

15h21 António Costa não diz, mas nas redes sociais Tiago Barbosa Ribeiro, o candidato pelo Porto que só visitará num comício de fugida no último dia de campanha, publica uma fotografia com o candidato depois de um almoço privado. Costa nos mínimos por ali. O almoço terá sido num dos restaurantes preferidos do líder socialista na cidade e talvez por isso o líder resista e entrar na Ribeiro, na Maia, para uns biscoitos. Quis fazer parte do percurso a pé, até ao palco do comício, mas pelo caminho encontra quase ninguém para lá do seu séquito.

A partir daqui já não tem Rio na sua sombra e vai num disparar de comícios até às dez e meia da noite. Por Matosinhos, Gondomar e, por fim, Vila Nova de Gaia. Os conteúdos são sempre os mesmos, embora ao final do dia Pizarro já não saiba muito bem o que assenta melhor ao PSD, se a “inveja” que lhe aplicou de manhã”, os “ciúmes” que lhes atribuiu à tarde, ou “a raiva” que definiu no fim do dia. António Costa decide por ele e diz que é mesmo “raiva” que a direita tem do seu PRR. E, em Gondomar, ainda provoca com “a sorte” que os autarcas da direita têm de não terem os partidos que representam no Governo ou não teriam o famoso plano.

Antes de ali chegar, em Matosinhos, ouviu serenamente o rapper a quem Luísa Salgueiro encomendou uma música para a ocasião, cantar em refrão “trabalhamos juntos”. Nada ali fazia prever a catadupa de acusações que tinha preparada sobre a Galp, que fechou a refinaria no concelho no final de 2020 sem consciência social. Abriu guerra, disse que nada tinha “contra a empresa”, mas que o tratamento a partir daqui terá de “ser exemplar” para travar outros que tais. Era o líder do PS ou o primeiro-ministro a falar? Por via das dúvidas, foi anunciado no início do comício partidário nessa dupla qualidade.

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