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Flibanserina: que medicamento é este?

A empresa farmacêutica norte-americana Sprout Pharmaceuticals conseguiu no dia 18 de agosto de 2015 a aprovação para comercialização, pela autoridade que regula a introdução dos medicamentos no mercado (FDA, Food and Drug Administration), do medicamento flibanserina, sob o nome comercial Addyi. O objetivo deste medicamento é tratar o transtorno de desejo sexual hipoativo (HSDD) – a diminuição do desejo sexual em mulheres que ainda não entraram na menopausa.

HSDD é definida com uma ausência persistente de pensamentos sexuais, de fantasias, de recetividade e vontade de envolvimento em atividades sexuais que causa ansiedade pessoal e nos relacionamentos e não pode ser justificado por outra condição médica ou pelo efeito de outra substância”, referiu o laboratório.

Este medicamento é o primeiro no mercado com o objetivo de tratar diretamente a falta de desejo sexual – nenhum dos medicamentos de tratamento de disfunção sexual nos homens têm este objetivo. Flibanserina é recomendado às mulheres na fase de pré-menopausa – que inclui toda a vida sexual da mulher até ao aparecimento dos primeiros sinais da menopausa – que sofra de transtorno de desejo sexual hipoativo.

O medicamento Addyi, que se prevê que comece ser vendido a 17 de outubro, tem um composto que potencia e outro que inibe a ligação da serotonina – a hormona que regula, entre outras coisas, a ansiedade e o humor, mas também a locomoção, a fome e a líbido. Mas, como refere a FDA em comunicado, ainda não foi possível perceber qual o mecanismo pelo qual aumenta o desejo sexual e diminui a ansiedade em relação a isso.

A Business Insider referiu que os alvos do flibanserina são dois neurotransmissores (substâncias que transmitem impulso nervoso): a dopamina, que atua na sensação de recompensa e prazer, e a norepinefrina, que controla a atenção e e a resposta ao meio ambiente. No entanto, e como alertou Bernardo Barahona Corrêa, consultor na Unidade de Neuropsiquiatria da Fundação Champalimaud, ainda existem poucas evidências que este fármaco seja realmente eficaz a cumprir o objetivo a que se destina.

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As promessas são muitas, mas quais os cuidados a ter?

Addyi foi aprovado com um estratégia para avaliação e mitigação do risco (REMS), que inclui elementos para assegurar o uso seguro (ETASU)”, referiu a FDA em comunicado de imprensa. Estas medidas foram tomadas devido aos efeitos secundários previstos: pode causar quebras de tensão e perdas de consciência, efeitos que são agravados quando há ingestão de álcool, quando a mulher está a tomar determinados medicamentos ou caso tenha problemas de fígado.

O medicamento que promete ser revolucionário vem recheado de avisos e precauções: obriga à prescrição médica e à formação específica e certificação dos profissionais se saúde – médicos e farmacêuticos -, alerta a FDA. “Os doentes e aqueles que prescrevem [o medicamento] devem compreender totalmente os riscos associado ao uso de Addyi antes de considerarem o tratamento”, disse em comunicado de imprensa Janet Woodcock, diretora do Centro de Avaliação e Pesquisa de Drogas da FDA.

Aconselha-se que as mulheres tomem o medicamento ao deitar, para diminuir as consequências dos possíveis efeitos secundários, como hipotensão, síncope ou sonolência. E o consumo de álcool é totalmente contraindicado enquanto a mulher estiver a tomar a medicação. Durante os ensaios clínicos, as mulheres também referiram tonturas, náuseas, fadiga, insónia e boca seca.

No site da empresa Sprout Pharmaceuticals lê-se que o medicamento não serve para tratar perda de desejo sexual devido a uma condição médica ou psiquiátrica coexistente, a problemas na relação ou a efeitos secundários de outros medicamentos.

É certo que nenhum medicamento está livre de apresentar efeitos secundários, por isso há que avaliar se os benefícios compensam os riscos. Tendo em conta que uma em cada cinco mulheres referiu ter tido efeitos indesejados e que as melhorias são pouco significativas talvez não se justifique, como argumenta o médico Walid Fouad Gellad, citado pelo site Vox.

A FDA aconselha que as mulheres interrompam a medicação se ao fim de oito semanas não notarem efeitos positivos no desejo sexual. Outro ponto importante é que as mulheres refiram qualquer tipo de alteração, visto que não existem estudos do efeito a longo prazo de um medicamento que deve ser tomado diariamente.

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Porquê tanto tempo à espera desta solução?

O medicamento que agora foi aprovado pela autoridade que regula os medicamento e alimentos nos Estados Unidos (FDA, Food and Drug Administration) já tinha visto o pedido de comercialização recusado duas vezes em 2010 e 2013, por não conseguir demonstrar que realmente resolvia o problema e porque apresentava manifestações severas dos efeitos secundários.

“A combinação de uma prova de eficácia não muito robusta e o facto de o perfil de segurança não estar bem caracterizado fez-nos concluir que não estaria pronto para aprovação”, disse Sandra Kweder, vice-diretora do Gabinete de Novos Fármacos da FDA, citada pela NPR.

A aceitação de comercialização em agosto de 2015, mediante recomendação de um painel de especialistas, parece ter sido em parte influenciada pelos testemunhos de mulheres que dizem ter sentido melhorias depois de tomarem o medicamento e pela pressão de movimentos que acusam a FDA de não se preocupar o suficiente com a sexualidade feminina. Um deles – Even the Score -, do qual a Sprout Pharmaceuticals faz parte, até preparou um vídeo de agradecimento à autoridade norte-americana.

“A aprovação de hoje [dia 18 de agosto de 2015] fornece às mulheres angustiadas com a falta de desejo sexual uma opção de tratamento autorizada”, disse em comunicado de imprensa Janet Woodcock, diretora do Centro de Avaliação e Pesquisa de Drogas da FDA. “A FDA esforça-se por proteger e promover a saúde das mulheres e estamos comprometidos em apoiar o desenvolvimento de tratamentos seguros e eficazes para a disfunção sexual feminina.”

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Será que o comprimido cor-de-rosa funciona mesmo?

Os ensaios clínicos realizados pelo laboratório Sprout Pharmaceuticals, que incluíram 2.400 mulheres antes de entrarem na menopausa, mostraram que o número de eventos sexuais satisfatórios foi maiores nas mulheres que tomaram flibanserina do que nas que tomaram placebo (comprimido sem medicamento dado com fins sugestivos). Mas a diferença parece pequena: ao longo dos meses de tratamento, as mulheres que tomaram flibanserina tiveram mais 0,5 a 1 encontro sexual satisfatório por mês, contra 0,3 a 0,4 nas mulheres que tomaram placebo.

O medicamento que só funcionou em oito a 13 por cento das mulheres, segundo o site Vox, foi classificado de “um afrodisíaco medíocre com efeitos secundários assustadores”, pela diretora do projeto PharmedOut da Universidade de Georgetown, Adriane Fugh-Berman, que estudou a campanha de marketing do flibanserina. No mesmo site lê-se que a farmacêutica não melhorou os resultados desde a recusa em 2013, mas lançou uma forte campanha para acusar a FDA se não se preocupar com a saúde sexual das mulheres.

A falta de desejo sexual feminino não depende exclusivamente de fatores biológicos, a maior parte são questões psicológicas, como as emoções e pensamentos, a baixa autoestima, as crenças sobre a sexualidade feminina, assim como a relação com o parceiro sexual e com os outros. E em relação a estes fatores não há nada que um comprimido possa fazer.

Os problemas biológicos surgem sobretudo na fase da peri-menopausa – quando se iniciam com os primeiros sinais de menopausa – e pós-menopausa, porque é neste período há alterações nas hormonas e no aparelho reprodutor feminino. Mas o medicamento já não é recomendado nesta fase da vida das mulheres. Nestes casos recorre-se ao tratamento hormonal de substituição.

“Não se pode pensar que o desejo sexual se esgota em termos biológicos. Pensar assim vai criar uma ilusão que pode resultar em desilusão”, disse Sandra Vilarinho, presidente da Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica.

E mesmo que o medicamento potencie a libertação de determinadas hormonas, que podem favorecer o desejo sexual, só por si não é garantia para resolver o problema. As interações entre as hormonas e neutransmissores e as células do cérebro, assim como os efeitos que têm, são mais complexos do que os resultados demonstrados. A terapeuta sexual Sandra Vilarinho receia que se tome o comprimido com esperança de resolver a falta de desejo sexual, ignorando o tratamento de outros problemas como excesso de trabalho, depressão ou outras dificuldades na relação.

Pode saber mais sobre a opinião de especialistas portuguesas em relação ao medicamento flibanserina (aqui) ou ver um parecer publicado na revista científica The Journal of the American Medical Association (aqui).

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Já se estudaram outras alternativas para mulheres?

A introdução do Viagra, o comprimido azul para tratar a disfunção erétil masculina, trouxe a solução para os problemas de disfunção sexual de muitos homens. E desde aí que se procura um equivalente para as mulheres. Mas o problema nas mulheres não é equivalente ao dos homens.

O efeito do sildenafil (o composto do Viagra e de vários genéricos) é aumentar a irrigação sanguínea nos órgãos genitais. Também foi testado em mulheres, mas a melhoria da circulação sanguínea nos genitais não mostrou efeitos significativos no aumento do desejo sexual.

A médica Carla Rodrigues, que pertence ao Núcleo de Sexologia da Sociedade Portuguesa de Ginecologia, referiu que alguns países da Europa já usaram testosterona com o objetivo de melhorar o desejo nas mulheres durante a menopausa, mas este tipo de utilização foi interrompida. Agora estão em estudo fármacos que combinam dois princípios ativos: testosterona e sildenafil ou testosterona e buspirona (antidepressivo).

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Viagra azul versus “viagra” rosa: qual a diferença?

O Viagra masculino e outros medicamentos da mesma categoria têm um princípio ativo diferente, o sildenafil (agora também disponível nos medicamento genéricos). Mas este composto não serve para aumentar o desejo sexual nos homens. Serve para tratar a disfunção erétil quando esta é causada por motivos fisiológicos, como a irrigação insuficiente do pénis que provoca a falta de ereção ou uma ereção flácida.

Se a causa da falta de ereção no homem for psicológica – causada ora pelo mito de que o homem tem de estar sempre pronto, ora pelas exigências de um bom desempenho -, tanto o Viagra como outros medicamentos no mercado não terão qualquer efeito. Neste caso os especialistas recomendam terapia sexual. E mesmo quando a causa primária da disfunção erétil não é psicológica, este fator acaba por influenciar a vida sexual seja pela antecipação do fracasso ou pela diminuição da autoestima.

“Sem estímulo não há ereção. O comprimido só permite que os mecanismos estejam prontos a funcionar”, disse o urologista Pepe Cardoso, presidente da Sociedade Portuguesa de Andrologia.

Refira-se portanto que, mesmo para os homens que sofram de disfunção erétil, o Viagra e outros medicamentos não garantem uma ereção. O homem terá de sentir desejo sexual e para isso contribui em grande medida a participação do parceiro sexual.

Para saber mais sobre a disfunção sexual no homem, clique aqui.

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E outras recomendações para mulheres com falta de desejo sexual?

A perda de desejo sexual nas mulheres pode ter uma causa biológica, que pode e deve ser tratada, mas a maior parte das vezes as dificuldades são causadas por outros motivos – as expectativas desfasadas em relação ao parceiro sexual, a falta de comunicação entre o casal, a perda de qualidade na relação, o acumular de preocupações durante o dia, a satisfação com o próprio corpo ou as crenças e mitos.

O primeiro passo é descontrair e falar abertamente sobre os desejos e dificuldades – porque a mulher também tem direito a ter fantasias sexuais. Para um encontro sexual satisfatório aposte nos estímulos, como o ambiente envolvente ou os aromas, mas evite o consumo de bebidas alcoólicas que pode ter um efeito contrário.

“Falem sobre sexo. Falem sobre a vossa vida sexual, as fantasias, as preferências e os desejos de cada um. Pensar em sexo é o melhor ‘afrodisíaco’ natural. Uma das principais causas para a diminuição do desejo sexual é a ausência de fantasias e experiências sexuais positivas”, disse Fernando Mesquita, psicólogo clínico e terapeuta sexual.

A partilha entre o casal é fundamental para que a mulher possa ter mais desejo sexual, até mesmo a partilha das tarefas domésticas, para que a mulher tenha mais tempo livre para relaxar, porque o desejo da mulher depende da disponibilidade emocional, intelectual, erótica e física.

Se os dois elementos do casal não conseguirem, sozinhos, resolver as dificuldades enfrentadas na vida íntima, podem sempre recorrer a um terapeuta sexual.

Para desconstruir alguns mitos sobre o desejo e satisfação sexual, aqui tem o link certo.