A maioria das startups de base tecnológica de que hoje se fala, valorizadas em várias centenas de milhões de euros, começaram de forma semelhante: com um casamento. Um casamento peculiar em que não há cerimónia, troca de anéis ou familiares embaraçosamente alcoolizados no copo de água. Mas os motes fundamentais do casamento estão presentes, com duas entidades distintas que se unem, com objectivos comuns e uma perspectiva de ganhos mútuos de longo prazo.
Os primeiros “noivos” são, claro, os fundadores ou promotores da empresa. Gente que, dotada de talento e conhecimento únicos, uma boa ideia e muito “sangue na guelra”, decidem lançar uma empresa. Rapidamente estes fundadores deparam-se com o clássico dilema das startups: lançar um produto de base tecnológica com potencial comercial disruptivo implica um longo caminho de desenvolvimento e esforço comercial que levará a startup às suas primeiras receitas, e este caminho é impossível fazer sem alguém que esteja disposto a financiar o processo.
Para resolver este problema surgem os segundos “noivos” deste nosso casamento, os investidores ou capitalistas de risco. Os capitalistas de risco investem em startups com elevado potencial de crescimento para, mais tarde, capturarem parte dos retornos financeiros que esta empresa criar. Desta forma, permitem aos fundadores fazer crescer o seu negócio e gerar retornos sobre o seu investimento.
Com alguma frequência investidores e fundadores acreditam que a parte mais difícil é fechar o financiamento, ou seja casar-se, mas como qualquer casal dirá o mais difícil é claramente continuar casado. As relações após investimento são complexas, sofrem alterações, estão sujeitas a tensões e, por isso, carecem de gestão cuidadosa ao longo do tempo de vida da startup.
Este artigo deixa algumas dicas, em tom de aconselhamento matrimonial, para ajudar a cultivar uma relação saudável entre fundadores e investidores, especialmente nos períodos mais difíceis da vida da startup e, quem sabe, viverem felizes para sempre.
Escolher um bom parceiro
Parece um ponto óbvio, tal como no casamento, que escolher um bom parceiro faz toda a diferença, mas ainda assim há quem faça escolhas pelas razões erradas. Nomeadamente, fundadores que perseguem o financiamento cegamente, usando-o como desculpa para aceitar um parceiro em quem não confiam e, em última instância, de quem não gostam.
Isto é claramente um erro, pois os novos investidores vão passar a ter uma influência muito grande na estratégia da empresa, há que garantir que as visões estão alinhadas desde o início. Para garantir esse alinhamento, um fundador deve avaliar o capitalista de risco, deve procurar saber, entre outras coisas, qual a política de investimento, qual a origem dos fundos, quais os fundos disponíveis para investimentos em rondas subsequentes, qual o desempenho de outras startups investidas e qual a experiência e contactos relevantes que o investidor consegue mobilizar. Além disto, e apesar de ser pouco discutido, é importante que ambas as partes procurem escolher alguém de quem gostam profissionalmente e pessoalmente, porque vão ter de passar muitas horas difíceis juntos.
Entender a natureza da relação
Para prevenir conflitos, é essencial que cada parte procure entender em profundidade as motivações e objectivos de médio-longo prazo do seu parceiro. Para isso, há que garantir que estes temas estão na agenda e são discutido abertamente nas primeiras conversas entre investidores e fundadores.
Um ponto de frequente confusão é a natureza fundamental da relação. Salvo melhor opinião, esta relação deve ser encarada por ambas as partes com uma parceria, no verdadeiro sentido da palavra, com alinhamento de interesses. Ambas as partes têm um enorme interesse no sucesso da startup e têm papéis claros a desempenhar. De um lado, os fundadores são responsáveis pela atividade da empresa, do outro, o investidor ajuda com temas estratégicos e procura salvaguardar o seu investimento. Os investidores não são auditores externos da startup, são membros participativos do planeamento estratégico e têm um posicionamento único para fazer contactos essenciais, algo que os fundadores devem aproveitar sempre que possível.
Outro ponto comum de desalinhamento prende-se com as diferenças entre os objectivos a longo prazo de cada uma das partes, em particular a falta de compreensão sobre os objectivos dos investidores. Se por um lado temos os fundadores que querem construir um negócio, por outro lado temos os investidores que procuram retornos sobre o investimento.
Ou seja, para os investidores tem de haver uma “saída”, o chamado evento de liquidez (venda da empresa, oferta pública), em que podem colher retornos do investimento. Tem de ficar absolutamente claro para os fundadores que os investidores precisam de ter condições para “sair” do investimento. Caso esta saída não possa ocorrer, não está reunida a condição sine qua non para a startup sequer angariar capital de risco.
Comunicar constantemente
Como em qualquer casamento, é essencial que ambas as partes comuniquem com frequência, inclusivamente fora dos canais oficiais (Conselhos de Administração e Assembleias Gerais). Só assim é possível um alinhamento de interesses constante e a capacidade de responder rapidamente a dificuldades e situações inesperadas.
A transparência na comunicação é condição essencial ao bom relacionamento entre investidores e fundadores. Frequentemente os fundadores sentem a tentação de comunicar apenas os bons resultados, evitando discutir problemas e desafios que a startup possa ter encontrado. Este comportamento é tóxico, além de fomentar falta de transparência entre parceiros, elimina o contributo dos investidores para a resolução dos problemas da startup.
Para que fique claro, um investidor considera normal e esperado que uma startup encontre dificuldades. A importância da comunicação torna-se tanto mais relevante em situações de relações à distância, em que os investidores frequentam apenas o ocasional Conselho de Administração. Este distanciamento leva a dificuldades acrescidas em influenciar e comunicar com os promotores, em particular durante as fases mais críticas e tensas da vida da startup. Por isso as relações entre fundadores e promotores devem ser cultivadas constantemente e em particular durante as fases boas da startup.
Cultivar a confiança e o respeito mútuo
Em situações de dificuldade e conflito, com as quais inevitavelmente a empresa se verá confrontada, a confiança e o respeito mútuo entre fundadores e investidores farão a diferença entre encontrar uma solução rápida e consensual ou perder semanas ou meses em discussões infrutíferas.
A confiança entre as partes é particularmente valiosa por dois grandes motivos: o tempo que demora a ser construída e a sua fragilidade. A confiança deriva da consistência dos comportamentos de investidores e fundadores ao longo do tempo e, como tal, requer meses a ser alcançada. No entanto, é frágil, pode ser destruída facilmente com uma pequena desonestidade. É importante nunca esquecer que é muito difícil recuperar a relação após uma das partes perder a confiança.
Sobre respeito mútuo, os promotores devem recordar-se do enorme risco financeiro assumido pelos investidores e na confiança que depositaram na sua startup. Por seu lado, os investidores que nunca se esqueçam de respeitar a dedicação e a paixão dos fundadores pela sua startup. Sem estes cuidados, a startup sentirá dificuldades, não haverão múltiplos de investimento e o casamento estará condenado ao divórcio com total alienação de bens.
David Cristina é analista de investimentos na Portugal Ventures