Há cinco décadas, Portugal vivenciou uma das suas transformações mais significativas com o 25 de abril de 1974, um momento que marcaria o início de uma nova era de liberdade e democracia, consolidada posteriormente a 25 de novembro de 1975. Estes eventos não somente alteraram a estrutura política e social do país, mas também pavimentaram o caminho para um futuro de possibilidades antes inimagináveis.
Contudo, ao passo que as gerações se sucedem, emerge um conflito intrínseco, alimentado por um aparente esquecimento coletivo da história (e manipulação) e das lutas que permitiram os privilégios hoje considerados banais. Esta desconexão temporal conduz a uma valorização diminuída das liberdades e direitos duramente conquistados, por muitos portugueses que buscaram, por várias décadas, tornar o nosso país simplesmente um país plural e de opinião livre. Esses deram valor efetivamente à conquista e à esperança de terem um país melhor. Muitos anónimos, outros como Salgueiro Maia, que fizeram a sua intervenção direta naquele momento e regressaram à sua vida, tal como outros fizeram antes, durante e após ações como Mário Soares ou Sá Carneiro. Como em todas as revoluções há exageros, há inícios e há divergências de caminhos, mas acima de tudo, houve uma transformação clara dos processos num país, e não apenas uma mudança incremental, uma vez que era claro que uma grande maioria queria um país diferente e melhor (mesmo que fosse à sua maneira).
Em termos práticos, o inconformismo da situação, criou a necessidade de fazer algo e de mudar efetivamente. O país de brandos costumes, conseguiu efetivamente mudar e sem guerras civis.
Hoje, olho para o que vivemos e verifico que estamos perante um paradoxo curioso: nunca se teve tanto, mas raramente se deu tão pouco valor. Os frutos colhidos são inúmeros — desde avanços em mobilidade, comunicação e remuneração, até a promoção dos direitos humanos e a busca por equidade. Estes progressos refletem uma transformação profunda que, apesar de evidente, parece ser ofuscada por uma sensação de insatisfação crónica. Naturalmente que a ambição por querer mais é crítica e fundamental para o crescimento de uma pessoa ou de um país, mas importa dar valor ao que temos e conquistámos.
A qualidade de vida, comparada à de 50 anos atrás, é incontestavelmente superior. A possibilidade de expressar livremente a opinião, por exemplo, é uma conquista que, apesar de ser um direito inalienável hoje, foi fruto de lutas e sacrifícios passados. No entanto, o atual recrudescimento de opiniões extremadas, seja à esquerda ou à direita do espectro político, é um testemunho preocupante do esquecimento coletivo da história. Esta polarização evidencia uma sociedade que, embora mais livre, parece ter perdido a capacidade de valorizar e compreender o significado profundo da liberdade.
O desafio, portanto, não é apenas relembrar ou celebrar o passado, mas sim incorporar essa memória histórica nas nossas vidas, em particular das gerações mais novas que já nascem com “factos consumados”, para que se enriqueça o nosso presente individual e coletivo e isso guie o nosso futuro. Precisamos de uma sociedade mais exigente, sim, mas que seja também mais ágil. A atual gritaria de extremos e a tentativa de polarização de opiniões de “os maus e os bons” ou das ondas de opiniões da moda, porque parece mal ter uma opinião diferente do grupo, são sinónimos de que se esquece a história e o valor do que se tem hoje.
Comemorar os 50 anos de abril e de novembro, são oportunidades de cultivar, partilhar e demonstrar efetivamente um senso de gratidão pelas conquistas das gerações anteriores do nosso país, reconhecendo que os direitos e liberdades de hoje são o resultado de muitas batalhas. É com essa história que, ao mesmo tempo, nos devemos esforçar para não preservar apenas, mas expandir essas liberdades (mesmo sabendo que os entendimentos de liberdade são distintos), garantindo que as gerações dos meus 4 filhos e seguintes, herdem um mundo onde se saiba respeitar o que é discutir opiniões e não agredir ou gritar opiniões.
Em última análise, o valor da liberdade e da democracia não reside apenas no que foi alcançado, mas também na nossa capacidade de apreciar, proteger e construir sobre essas conquistas. A memória do 25 de abril e do 25 de novembro deve servir não como um eco distante do passado, mas como uma recordatória constante da importância de valorizar e lutar pela liberdade a cada dia. Que as próximas décadas sejam marcadas não por um esquecimento, mas por um reconhecimento renovado e uma apreciação profunda do valor da liberdade e da democracia.
