No virar do século, o pensamento europeu dominante olhava a China como a fábrica do mundo e sonhava com o Velho Continente a viver confortavelmente à custa dos serviços, num ambiente clean, finalmente livre da poluição e ruído que a indústria tradicionalmente fazia.

Mas algures no Norte de Portugal, um grupo irredutível de industriais têxteis resolveu resistir, fazendo orelhas moucas a este canto das sereias de Bruxelas e Lisboa, e teimosamente lutou por manter as suas fábricas a laborar.

Não foi fácil continuar a navegar no mar tempestuoso que se seguiu ao desmantelamento do acordo Multifibras e à adesão dos países asiáticos à OMC. Foram muitas as empresas que não se aguentarem ao balanço e naufragaram.

No entanto, contra ventos e marés, o essencial da esquadra têxtil portuguesa ultrapassou o verdadeiro cabo das Tormentas que foi a primeira dúzia de anos do século XXI, transformando-o no cabo da Boa Esperança e logrou, finalmente, chegar a um bom porto – com todas as estatísticas (produção, exportação, emprego e valor acrescentado) a registarem uma clara e consistente trajetória ascendente nos últimos cinco anos.

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Bem vistas as coisas, talvez não fosse de esperar outra coisa, até porque Portugal sempre foi um pais de marinheiros .

A viagem foi dura e a sobrevivência passou pela reconversão completa do modelo de negócio, feita em andamento por uma industria que estava habituada a usar o preço como trunfo e que para manter a cabeça fora de água teve de rapidamente se reequipar e reinventar, subindo na cadeia de valor — e passar a ser atractiva pela qualidade, know how secular, tecnicidade, inovação, proximidade, flexibilidade e capacidade de resposta.

É certo que na parte final da viagem, o mar começou a acalmar e os fortes ventos contrários não só amainaram com até se começou a sentir um ligeira brisa a soprar a favor — o ritmo da moda começou a acelerar de tal maneira que a capacidade de produzir séries pequenas em prazos incrivelmente curtos tornou a industria têxtil portuguesa ainda mais sexy aos olhos dos compradores das grandes marcas mundiais.

São inúmeros os sinais que comprovam o sucesso da extraordinária capacidade de sobrevivência e adaptação à mudança da indústria têxtil portuguesa — que os mais crentes não hesitam em apelidar de milagre.

Os números são sempre uma boa prova dos nove. Em 2016, as exportações têxteis portuguesas ultrapassaram a barreira dos cinco mil milhões de euros, batendo um recorde que durava desde 2001, quando o setor tinha o dobro das empresas e do emprego. Um recorde que vai voltar a ser quebrado este ano, com uma progressão de 4%, bem acima dos 2,5% estimados para o crescimento do PIB nacional.

E como as vozes de fora são sempre um bom barómetro, vale a pena citar um artigo de página do francês Journal du Textile, intitulado “Le Portugal a réussi sa réindustrialisation”, em que se noticia o investimento de mil milhões de euros em formação bruta de capital fixo feito nos últimos quatro ano pelas têxteis portuguesas, elogia “o vigor reencontrado pela industria têxtil portuguesa, graças a um novo modelo económico baseado na inovação”, se garante que “o Made in Portugal rima agora com qualidade, resposta rápida e facilidade” – , explicando este último atributo (a facilidade) pelo facto de 85% da industria estar geograficamente localizada a um máximo de 60 quilómetros do Porto.