Levo mais de uma dúzia de anos enquanto «encarregado de educação» e em que tenho passado por tudo. Escolas grandes, escolas pequenas, escolas privadas, escolas públicas (infantil, primária, ciclo, liceu – desculpem ter ficado refém da nomenclatura do «meu tempo»). Escolas mais populares, escolas mais de elite. Ensino normal e ensino articulado. Escolas novas e reabilitadas, escolas decrépitas e a «gritar» por obras. Tempos de «normalidade» (seja lá o que isso for), tempos de pandemia. Pai de raparigas, pai de rapazes (não, nem tudo é igual no que toca à escola e à relação com a escola). Professores e professoras. Professores que marcaram, professores que passaram despercebidos. Excelentes professores, maus professores. Professores novos, professores «cansados». E no meio disto tudo (sim, nas minhas circunstâncias, passo por muito), momentos e histórias muito boas e também infelizes.
Há várias coisas que me indispõem nesta luta dos professores e na tensão que se gera nas escolas. A primeira é certamente a de reconhecer os imensos problemas e razões que assistirão a quem protesta. A segunda (a hierarquia não é muito rigorosa) é, inevitavelmente, a sensação de que do lado de quem decide (neste ministro, como no anterior, como em quase todos os que o PS escolheu nestes 25 anos que leva de poder) mora um ocasional político, refém da gestão de conveniência e de circunstância, sem projecto de fundo e, especialmente, dessintonizado de grande parte dos verdadeiros problemas que se vivem nas escolas (os seus problemas são apenas a «fotografia» – a sua e a do governo – que passa nos media).
Mas o que genuinamente me indispõe é a mais absoluta indiferença a dois dos lados desta contenda. Os pais dos alunos. E os alunos (os alunos!).
Só se ouvem os problemas dos tempos de serviço, dos vínculos, do sistema de colocações, e por aí fora. E nada dos problemas dos alunos, da recuperação de aprendizagens (a pandemia, a bandalheira do ensino à distância, às tantas não aconteceram), da insegurança na escola, da escandalosa escassez de auxiliares e do abandono de crianças e adolescentes nos recreios (sem controlo, sem desporto, sem estímulos minimamente interessantes), dos milhares e recorrentes tempos sem aulas e sem professores (os furos, os eternos furos!), da inamovibilidade de professores problema (não há só alunos problema, também há professores problema), da precariedade das relações aluno / professor (especialmente na primária) por força do tal problema das colocações e dos vínculos (não poucas vezes, a meio dos 4 anos da primária um professor desaparece da escola por efeito de um sistema que ninguém percebe).
Destes mil problemas com os alunos e relativos aos alunos não há uma palavra, não há notícia de preocupação, não há uma ideia articulada sequer. Aliás, sobre os alunos (ou no que lhes diz respeito) o pouco que se vai ouvindo é se devem ou não ser expostos a exames nacionais (é forte a facção dos que querem arrasar esse último reduto de exigência …). E, claro, que devem, desde tenra idade (quer os pais queiram quer não queiram), aprender esse novo mundo da teoria de género, de como tudo é bom, igual ou indiferente, de como se deve trucidar quem não subscreva essa boa nova salvífica.
Nesta minha experiência de pai (ou, para ser mais rigoroso, nas minhas experiências) estou agora a viver também a tensão das vocações e das médias para o acesso à universidade.
É tudo muito bonito, devo dizer. Mas é especialmente triste. Porque é nesta hora – nesta precisa idade dos 15 / 16 anos – que se percebe o falhanço da escola e do modelo obsessivamente centrado nos professores, na gestão política de mera circunstância, no preconceito ideológico que cega face a necessidades elementares. Neste momento em que, no fundo, a carreira escolar dos alunos chega ao seu epílogo, percebe-se tudo. Os mais desprotegidos, os que verdadeiramente precisavam da escola para dar o salto, estão reféns. Os outros, são os que se safam – seja porque beneficiam do suporte familiar e socioeconómico para tranquilamente alcançarem o aproveitamento escolar, seja porque os pais não hesitam, se necessário, a recorrer a explicações particulares ou ao ensino privado. Chega a ser caricato assistir aos alunos de pais «ricos» a correrem para o ensino privado preocupados com as notas de que precisam para entrar no ensino superior público, ao mesmo tempo que os alunos de pais sem recursos estão condenados a ter notas que só lhes permitem (ou permitiriam) o acesso às segundas escolhas no ensino superior privado.
E, convenhamos, acrescentem a perspectiva dos pais. Coloquem-se na posição dos pais que têm vidas duras e exigentes, sem privilégios, sem liberdade de opção. Que não conseguem gerir a vida escolar dos seus filhos com um mínimo de previsibilidade e segurança. Que têm a sua sofrível vida profissional num frangalho porque a escola dos seus filhos fecha dia sim dia não, não há semana em que não os largue a meio da manhã ou da tarde sem professor e sem destino, e que acumulam episódios complicados nos recreios tensos e abandonados das escolas.
Não é este o grito que nos é oferecido por quem tem voz nas greves e nas negociações. Mas é urgente que se saiba que o sistema está a prejudicar sobretudo os alunos (e alguns pais). E, nestes, aqueles de meios mais complicados e com menos recursos.
PS. Talvez fosse de olhar a quem representa o sistema. Desde os que representam formalmente os directores de agrupamentos escolares (nome pomposo) aos que representam os pais. Às tantas são também companheiros de listas de quem tem o poder de decidir. E, na hora da fidelidade, preferem a das listas…